O texto é do investigador e director do Instituto Peabiru, João Meirelles Filho, e resulta de quase 20 anos de pesquisa e envolvimento do autor em iniciativas de educação, sustentabilidade ambiental e responsabilidade social na Amazônia. Segue a entrevista realizada para a Amzônia.org.
[ENTREVISTA]
O que o estimulou a escrever um livro com tema tão vasto?
Primeiramente, meu próprio interesse como leitor. Trata-se de uma obra de um leitor de viagem. Também, a percepção de que não existia um livro que levasse às pessoas esse gênero de leitura de forma um pouco mais organizada. O livro não pretende esgotar o tema, mesmo porque ele é bastante amplo, mas tem como objetivo sugerir caminhos de se conhecer a Amazônia por meio dos viajantes.
Por isso, um dos critérios de escolha das 42 expedições abordadas na obra foi a seleção de experiências que tiveram como mérito nos permitir, de forma inédita, um olhar em particular sobre a região. E nem sempre essas expedições estão ligadas a personagens historicamente importantes, como é o caso do médico alemão Robert Avé-Lallemant, por exemplo, cujos registros de sua viagem (1859) apontam muitos elementos novos.
Por que você delimitou o período de abrangência da obra entre 1500 e 1930?
No projeto original, o século XX inteiro também seria abordado. Mas uma decisão editorial foi tomada no sentido de preservar a qualidade da informação. Optamos por uma maior profundidade em vez de incluirmos, de forma mais superficial, outras expedições. Dentre as escolhidas, naturalmente, há aquelas que merecem ensaios maiores, por razões como a proximidade temporal e a magnitude da obra. São os casos das expedições de Euclides da Cunha (1905) e de Rondon (1891-1930), por exemplo.
Como foi a experiência de escrever o último capítulo do livro, “Expedições de Rondon, o caboclo viajante”, particularmente?
Rondon é merecedor de um livro maior que este. Até mesmo porque deixa uma obra de 170 relatos técnicos e científicos. Ele é o primeiro grande brasileiro que faz expedições e chama o fotógrafo, o cineasta e o antropólogo, entre outros profissionais para delas participar. É o grande organizador de tudo isso. Rondon desempenha um papel importante no sentido de mostrar que há outros caminhos além daquele que até então se trilhava, que era o de ignorar a população local, enxotá-la da região ou simplesmente exterminá-la. Ele tenta mudar esse curso, atitude que mantém como princípio durante toda sua longa obra. Ele viajou mais do que todos os outros expedicionários juntos, tanto é que a experiência de Rondon é apresentada no livro em forma de ciclos de viagens. Portanto, acho que sua obra merece mais releituras. Devíamos ter uma estante sobre Rondon, quando na realidade temos poucas obras. Na verdade, todos os viajantes estão fora da moda.
Os leitores do livro provavelmente, por alguma razão subjetiva, se identificarão com algumas expedições mais do que outras. Você tem alguma preferida?
Acredito que o leitor, assim como eu, possa ter maior afinidade com as expedições ou os viajantes que o revelem um mundo novo. Então eu diria que, nesse sentido, aqueles menos conhecidos talvez tenham uma relevância maior, pois não estavam em nossos quadros de referência. Gente como o Pedro Teixeira (expedição de apossamento do Amazonas entre 1637 e 1639), pouco conhecido e valorizado. Mesmo Euclides da Cunha e Mário de Andrade, pessoas razoavelmente conhecidas no âmbito geral, se enquadram neste contexto. Pouca gente sabe que o Mário de Andrade foi para a Amazônia, em expedição que teve sua relevância. Eu diria que a expedição de Pedro Teixeira é a minha preferida, juntamente com a de Mário de Andrade, que apresenta um olhar importante e atual sobre a Amazônia.
Uma das dedicatórias da obra é dirigida às populações tradicionais da Amazônia, que ajudaram a tornar possíveis as expedições. Como elas aparecem no livro?Ao fazer a leitura das viagens e estudar os viajantes, percebemos que eles necessitaram da colaboração do vaqueiro, do carregador, do cozinheiro e de outros trabalhadores homens e mulheres da região. Mas nem sempre eles eram citados nos registros históricos. Algumas vezes era mencionada, pejorativamente, a participação de um índio, um negro ou um escravo na expedição. Poucas vezes, porém, era reconhecida sua importância. Ao desconstruir cada viagem, percebemos que elas não seriam possíveis apenas pela entrepidez de um expedicionário. Em geral, elas dependem de um número grande de pessoas. Quanto mais antigas, mais trabalhadores.
Talvez hoje se possa fazer uma expedição solitária, mas mesmo assim dificilmente alguém permanecerá sempre sozinho. Em algum momento vai depender de um transporte, uma alimentação, um fornecedor. Dentro deste contexto que as populações tradicionais aparecem na obra. A Amazônia tem gente, não é um espaço desabitado, e essas pessoas em vários momentos da história concorreram para que as expedições fossem possíveis, embora estivesse sempre presente o mito de que as expedições ocorriam em um vazio humano ou num lugar selvagem. Não, sempre tinha gente. Às vezes pouca gente, mas os próprios viajantes reconheciam sua presença.
O livro tem uma parte iconográfica muito rica. Como foi organizada?
Foi uma preocupação que surgiu depois que o texto estava pronto. O texto foi o suporte. Houve um processo de seleção de imagens, entre 700 e 800 mapas, desenhos e fotografias, que incluiu o processo de solicitação de autorizações de uso. A parte iconográfica, na verdade, é um livro à parte. E o livro permite várias leituras. É bom que seja lido no sentido cronológico, mas nada impede que o seja feito por capítulos, de acordo com a vontade do leitor. Além disso, para completar a contextualização dos fatos, há as legendas, que ao todo somam aproximadamente 60 páginas.
Qual o impacto da elaboração de uma obra extensa como “Grandes Expedições à Amazônia Brasileira” sobre suas atividades profissionais como pesquisador e desenvolvedor de projetos sustentáveis?
O resgate histórico mostra que no rápido processo de ocupação da Amazônia uma série de informações foi deixada para trás, e agora há um processo de recuperação em razão dos debates em torno do tema da sustentabilidade. Questões como a alimentação e a observação dos ciclos naturais eram preocupações vitais para a sobrevivência dos viajantes nos períodos que nos antecederam. O livro, portanto, indica caminhos para que sejam revisados conhecimentos os quais não soubemos assimilar.
[OPINIÃO]
por Daniel Piza
Resumir e ilustrar as 42 expedições amazônicas mais importantes de 1500 a 1930 foi a ótima ideia de João Meirelles Filho – tão simples que poucos haviam pensado nela. O pesquisador e ambientalista que nasceu em São Paulo e vive às margens do Rio Pará, em Belém, executou a tarefa com muita competência em Grandes Expedições à Amazônia Brasileira (Metalivros, 244 págs., R$ 140), que será lançado hoje, na Livraria da Vila da Alameda Lorena, 1.731. Como o preço indica e como se vê nesta página, trata-se de um livro de arte, com belas imagens, mas não o confunda com “coffee table book”, com livro para deixar na mesa de centro e apenas folhear em vez de ler.
Autor do utilíssimo O Livro de Ouro da Amazônia (Ediouro, 2004), Meirelles relata cada expedição usando os mesmos tópicos: contexto, líder, principais colaboradores, percurso, obras e principais contribuições. Isso tira do livro a levada narrativa, infelizmente; em compensação ele funciona como obra de referência e também de introdução àquelas expedições que o leitor porventura não conheça ou conheça mal. Cada uma delas mereceria um livro, claro, mas, como se sabe, os brasileiros se importam pouco com a memória. E vê-las todas juntas, na ordem cronológica, forma um panorama único e faz pensar no poder dessa entidade “Amazônia” sobre o imaginário mundial.
Da primeira viagem, de Vicente Pinzón, no ano em que o Brasil é descoberto, até as expedições de Candido Rondon, das quais a última se dá na fronteira do Brasil com Peru e Colômbia, em 1930, vemos como gradualmente o desconhecimento e a fantasia vão dando lugar ao mapeamento e à fotografia. No entanto, as reações de espanto e admiração não sofrem muitas mudanças. Rondon, por exemplo, fez diversas viagens, sobretudo para instalação de linhas de telégrafo, mas também para travar contato com os índios, no qual se distingue da grande maioria dos antecessores por agir pacificamente; há ainda a viagem com o ex-presidente dos EUA, Theodore Roosevelt, pelo Rio da Dúvida, então batizado por Rondon como Rio Roosevelt; e as últimas viagens são as campanhas em diversas fronteiras. O leitor se cansa só em acompanhar o relato…
Meirelles sintetiza viagens famosas como as de Orellana, do bandeirante Raposo Tavares, a “filosófica” de Alexandre Rodrigues Ferreira, a botânica de Von Martius e Spix, a do Barão de Langsdorff, as de Bates, Steinen ou Koch-Grünberg – muitas das quais lembradas antes nos livros da série Brasil dos Viajantes, da mesma editora. O etnólogo e conde italiano Ermano Stradelli bem poderia ter sido homenageado, embora tenha se concentrado mais no Rio Orenoco, na Amazônia venezuelana. (Alexander von Humboldt, herói de muitos expedicionários posteriores, não aparece justamente porque não entrou em território brasileiro.) Mas Meirelles lembra diversas viagens menos estudadas do que deveriam ser, como a de Euclides da Cunha pelo Alto Purus e a do biólogo inglês Alfred Russell Wallace, que na floresta pluvial fez observações sobre a seleção natural muito parecidas com as de Darwin em A Origem das Espécies. O autor lembra ainda as do linguista Paul Ehrenreich e do pintor francês Biard, para citar algumas mal conhecidas.
Faltam mais mapas com os percursos, mas as imagens são igualmente reveladoras. Das araras pintadas na expedição de Rodrigues Ferreira às fotos das comissões demarcadoras de Rondon, o teatro natural e os grupos indígenas são retratados com a curiosidade dos aventureiros e o perfeccionismo dos profissionais. Bates, por exemplo, é especialmente dotado para a arte da gravura, mas não consegue deixar de trair seu maravilhamento com as cenas, que parecem sempre exageradas – como a da pesca de tartaruga, que mostra em primeiro plano a luta de cinco índios contra um jacaré. Ou temos o pirarucu gigante de Franz Keller, imagem usada pelo geólogo James Orton. Mas não existe apenas a exuberância de fauna e flora: os grandes espaços vazios são recorrentes, em muitas das aquarelas e fotografias, do mesmo modo que o trabalho servil dos seringueiros, como na viagem de Wickham. Não há cartões-postais aqui.
As Amazônias, enfim, são muitas, assim como este livro de João Meirelles Filho são muitos. Que venham seus frutos.
[RESENHA]
Livro atualiza a história das grandes expedições à Amazônia brasileira
Desde que foi revelada ao olhar estrangeiro no século XVI, a Amazônia brasileira passou a instigar o imaginário de naturalistas, cientistas e exploradores de vários cantos do mundo. Levas sucessivas de expedições ao interior da floresta podem ser contadas às centenas. Cada uma movida por um tipo de interesse: a ciência, a cobiça, a dominação, a estética, o mistério. Foram mais de 500 viagens exploratórias até o final do século XIX. E não pararam por aí.
A partir do ano de 1900 e com recursos técnicos e tecnológicos mais modernos, novos expedicionários lançaram-se no enigma fascinante da Hyleia. Foram 21 expedições nesse período. É a história dessas expedições amazônicas realizadas no século XX que chega agora ao público pelas mãos do pesquisador João Meirelles Filho. É o segundo livro da série sobre expedições à Amazônia assinado por ele. As expedições são tema que o autor tem dedicado seus últimos anos em intensa investigação. Ambos os livros foram editados pela Metalivros.
Na atual publicação, 252 páginas e uma iconografia bastante cuidadosa composta por 250 imagens resultado de dois anos de pesquisa. Com esse minucioso conteúdo, o livro é capaz de levar o leitor perceber a atmosfera que envolveu as recentes incursões e seus entusiastas e a compreender algumas das contradições que afloraram nessa árdua tarefa de desvendar a Amazônia.
Viajantes
Entre as personalidades abordadas neste segundo livro de Meirelles, estão o casal explorador Octavie e Henri Coudreau, que percorreru a Guiana Francesa, o Amapá, o Pará e o Amazonas; Adolpho Ducke, ex-funcionário do Museu Emílio Goeldi e um dos maiores botânicos e entomologistas do século XX; o paraense Márcio Ayres, falecido em 2003, mentor da Reserva Sustentável de Mamirauá – e que dedicou a vida a estudar os primatas da Amazônia. Figuram também entre outros personagens reais o poeta Thiago de Mello, a pintora naturalista inglesa Margaret Mee; a família Cousteau; os cientistas do Instituto Oswaldo Cruz, os indigenistas Orlando e Cláudio Villas Bôas, o paisagista Roberto Burle Marx e o antropólogo Claude Lévi-Strauss, que fez uma única viagem ao campo amazônico antes de escrever as bases de suas teorias que mudaram a história da Antropologia nos trópicos.
Além das grandes personalidades, Meirelles busca resgatar nomes conhecidos provavelmente apenas por especialistas, mas não menos importantes. Entre eles, o Almirante Brás de Aguiar, demarcador de fronteiras da Amazônia, e Silvino Santos, o primeiro cineasta a produzir imagens aéreas da Amazônia.
O lançamento será no dia 7 de fevereiro, 19hs, no SESC Boulevard, em Belém.
publicado no Forum Amazônia Sustentável
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