Deixa ver se percebi: o mesmo Portugal que nos pede cortes e sacrifícios porque não tem dinheiro para pagar o défice externo tem agora 140 milhões para ajudar Angola a pagar o seu?
Portugal comprometeu-se com o Fundo Monetário Internacional (FMI) a emprestar a Angola até 200 milhões de dólares (cerca de 140 milhões de euros) já em 2010, ao abrigo do megaempréstimo no valor de 2,35 mil milhões de euros organizado pelo Fundo à ex-colónia portuguesa e a entrar nos cofres de Luanda já em Março próximo.
(...) O crédito obrigará Portugal a endividar-se ainda mais no exterior, num contexto de aumento das taxas de juro, para, por sua vez, emprestar ao Governo de Eduardo dos Santos.
A dívida externa portuguesa ultrapassa os 100% do produto interno bruto (PIB), de acordo com os dados mais recentes do Banco de Portugal (...). Em 2009, o desequilíbrio das contas do País com o estrangeiro (défice externo) deverá situar-se em 8,2% do produto e deverá agravar-se este ano para os 9,8% do PIB, o que por si só é o suficiente para aumentar a dívida acumulada dos portugueses ao estrangeiro. Ou seja, Portugal, neste momento, vive à custa das poupança dos estrangeiros, já que tem de contratar empréstimos para pagar o défice externo.
(...) Mas, apesar disso, de acordo com a ficha técnica do empréstimo a Angola, Portugal, em conjunto com o Brasil, comprometeu-se a participar com 400 milhões de dólares (282 milhões de euros) de um total de 2,35 mil milhões de dólares (1,65 mil milhões de euros) até 2011 concedidos ao abrigo do FMI. Lisboa não "abre o jogo", mas os angolanos afirmam ter "indicações" de que o empréstimo será "dividido" entre Portugal e Brasil.
O crédito a Angola destina-se a fazer face ao elevado défice externo do país.
para ler na íntegra aqui
Sem palavras para dar conta da minha revolta.
O Ministério furta-se a explicações sobre uma notícia que a confirmar-se – e a não ser que Luanda e Brasília estejam a mentir – é absolutamente inaceitável sob qualquer ponto de vista. É inadmissível diante dos números sem precedentes do desemprego e das estimativas do que este ainda vai aumentar em 2010, e ao qual acresce o número assustador de desempregados que não entram nas estatísticas por não terem quaisquer direitos a subsídio de desemprego. É inqualificável que quem já aumenta a dívida externa para suportar o endividamento externo agrave ainda mais esse fosso contraindo empréstimos no estrangeiro para ajudar a pagar a dívida externa de outro país, seja lá ele qual for. No caso é Angola, uma ex-colónia, um país de língua oficial portuguesa e um país que neste momento oferece mercado de trabalho a um volume cada vez maior de trabalhadores e empresas portuguesas. Seja como for. As contra-partidas e vantagens são recíprocas. Mais: cumpre lembrar que, diante dos credores internacionais Angola leva dianteira sobre Portugal, no que respeita a benevolência, a começar pelo facto de que é terra fértil em recursos naturais, tem o petróleo e os diamantes para cobrir de garante a dívida e a benevolência de quem lhe empresta o dinheiro. Ao contrário de Portugal, a quem já só resta o Sol – assim mesmo descompassado e em desacerto – e a costa – amalgamada em erosão e atrocidades urbanísticas várias – incapaz até de deles tirar partido turístico.
Angola é, actualmente, lugar de prosperidade. Que o digam as grandes empresas e multinacionais que, por alguma razão, não param de lhe procurar a praça e lá tem corrido a instalar-se como cogumelos. O problema é que este lugar de prosperidade é, simultâneamente o topos das mais gritantes assimetrias, onde muito poucos são cada vez mais ricos e cada vez mais são a cada dia mais pobres. Porque a corrupção grassa e é legitimada por uma estrutura democrática débil que confortavelmente a fomenta e dela se alimenta. Falta rigor e controlo. Todavia, esta semana, Angola consegue dar-se ao luxo de aprovar uma Constituição que dispensa os mais elementares princípios democráticos sob a passividade absoluta da mesma comunidade internacional que durante anos justificou actos de intervenção diplomática, de contornos tantas e tantas vezes dúbios, em nome da exigência desses mesmos princípios democráticos que agora sofreram tão abjecta inversão. Mas sobre isso nem uma palavra: Portugal e o mundo assobiaram para o lado, indiferentes ao facto dos poderes ficarem cada vez mais a salvo de qualquer tipo de controlo, fiscalização e responsabilização. Se ninguém controlava coisa nenhuma, ou por outra, se poucos eram os que controlavam tudo, agora então é que ninguém controla nada, isto é, que ninguém controla quem está no controlo.
Ironicamente, tudo isto vem à estampa no dia em que o Governo se prepara para entregar no Parlamento uma proposta de Orçamento de Estado que prevê cortes tremendos nas prestações sociais em nome da redução do défice externo e que, PSD e CDS já disseram que vão ajudar a viabilizar através de uma «abstenção construtiva».
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