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O Café Martinho

Posted: 15 de fev. de 2010 | Publicada por AMC | Etiquetas:

Era o Martinho do Rossio, lugar mítico de tantas gerações e de inúmeras esperanças e desilusões. A recordação diz quase tudo. Fala-nos da necessidade de ter o coração a bater ao ritmo da Europa, da exigência de viver a modernidade, da força do apelo da justiça e da igualdade, da vivência de um ideal, mas também de uma ironia tremenda, da distância e da serenidade de poder gozar um ambiente liberal, que era o do tempo de António Maria Fontes Pereira de Melo, improvável discípulo de Saint Simon, o mesmo que entusiasmou, por razões bem diferentes, Augusto Comte e Karl Marx… Os cafés foram, de facto, os espaços públicos por excelência dos dois séculos passados, mesmo que Mário de Sá-Carneiro tenha dito a Fernando Pessoa, sobre o dito Martinho do Rossio: “Não sei porquê mas esse café, não os outros cafés de Lisboa, esse só – deu-me sempre a ideia dum local onde se vem findar uma vida: estranho refúgio, talvez, dos que perderam todas as ilusões, ficando-lhes só, como magro resto, o tostão para o café quotidiano – e ainda assim, vamos lá, com dificuldade”. Que diferença de atitude, de Eça até Sá-Carneiro, um português retinto (mesmo quando fora de Portugal, em andanças diplomáticas), o outro mergulhado no cosmopolitismo parisiense (atacado quiçá pelo mal da civilização de que padeceu Jacinto). São as vicissitudes da modernidade, com Álvaro de Campos (o mesmo que tanto perturbou José Régio, no Montanha) a falar nas “metafísicas perdidas nos cantos dos cafés de toda a parte”…

via e-Cultura

Café Martinho, a fachada após restauro, Joshua Benoliel, 1909-10, Arquivo Municipal de Lisboa, AFML – A8430
Café Martinho, a fachada após restauro, Joshua Benoliel, 1909-10, Arquivo Municipal de Lisboa, AFML – A8430
Localização
Praça D. João da Câmara, antiga Praça Camões
Freguesia: Santa Justa

Foi o café mais importante de Lisboa. Nele se reuniram gerações de intelectuais. O Café Martinho era famoso pelas suas deliciosas confecções culinárias, pelas torradinhas de Meleças, pelo chá verde com limão e pela neve, a par das desinteligências políticas e literárias que nele ocorreram. Inaugurado em finais de 1846, foi palco logo no ano seguinte da peleja entre o batalhão Académico e os Batalhões do Algarve e da Carta, vendo esvoaçar pelo ar copos, chávenas, garrafas, pratos, açucareiros, bandejas, espelhos, tampos de mármore e bancos, desacato este que só findou com a intervenção da cavalaria municipal. Tal ocorrência justificou-se pelo facto de o filho do proprietário pertencer à quarta companhia do Batalhão Académico. Augusto Zeferino Rodrigues cursou direito. Sucedeu a seu pai como proprietário do Café Martinho da Arcada e do Café Martinho do Rossio. Este café tinha uma ampla sala com arcarias, cujas colunas eram revestidas com espelhos de Veneza. As mesas eram rectangulares com tampo em mármore branco. Os bancos do lado da parede eram de espaldar presos à parede. Ao fundo desta sala existia uma estreita e reservada sala de senhoras, onde as damas se deliciavam a saborear a famosa neve, ou seja, os sorvetes da época. Personagens ilustres frequentavam este café. Alexandre Herculano ia lá sempre às quintas-feiras à tarde. Almeida Garrett, Bulhão Pato, o actor Tasso, o livreiro Zeferino Albuquerque, Pedro Lopes de Mendonça, Zacarias de Aça, Júlio de Castilho, Camilo Castelo Branco, Júlio César Machado, José Estêvão, Mendes Leal, Guerra Junqueiro entre tantos outros também figuram no leque da clientela assídua deste café. Célebres se tornaram também alguns dos seus criados, é o caso do Fagundo e do galego Valentim este último retratado inclusivamente em O António Maria, de Rafael  Bordalo Pinheiro, graças ao seu enorme nariz. Em 1909, o café foi remodelado. A antiga fachada foi substituída por uma entrada de ferro e vidro. O interior do café decorado com arte-nova. A decoração e pinturas eram do artista João Vaz e as esculturas de Josef Füller. Mário de Sá Carneiro e Fernando Pessoa aí se encontravam para rever as provas tipográficas dos livros do último e da própria revista Orpheu.
Entre 1950 e 1953, o Café Martinho foi transformado em cervejaria, pertencendo à data à Companhia de Cervejas Estrela. A sua clientela passou a ser a geração académica dos anos 50 e 60, e o seu petisco o bife especial. Em Maio de 1968 o café encerrou as suas portas e em Outubro desse ano reabriu como dependência bancária do Banco do Alentejo. È actualmente uma dependência do Banco Português de Investimento.



Bibliografia
DIAS, Marina Tavares, Os cafés de Lisboa, 2.ª ed., Lisboa, Quimera Editores, 1999.
AMIGOS DE LISBOA, Evocação do Café Martinho, Lisboa, Imprensa Libanio da Silva, 1936.
SUCENA, Eduardo, «Cafés» in SANTANA, Francisco e SUCENA, Eduardo (dir.), Dicionário da História de Lisboa, dir. Francisco Santana, 1.ª ed., Sacavém, Carlos Quintas & Associados – Consultores, 1994.

# Para saber mais: aqui

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