Na conferência de imprensa que José Sócrates deu ontem (com direito a três perguntas para explicar decisões centrais para os próximos três anos), ninguém achou que seria interessante saber mais sobre a possível privatização dos CTT e TAP e das participações do Estado na REN, EDP e Galp, que o ministro das Finanças soprou à agência de informação financeira Bloomberg.
(...) Duas destas privatizações são especialmente graves: a REN e os CTT. Porque se tratam, na realidade, de dois monopólios naturais que passarão a ser privados. E porque são fundamentais para manter a coesão territorial. Distribuir electricidade e correspondência (e outros serviços, no caso dos Correios) a zonas pouco habitadas dá prejuízo. E no entanto, a bem da coesão territorial, pagamos todos o mesmo. Com a privatização, das duas uma: ou as zonas que não são rentáveis são definitivamente abandonadas ou o Estado financia a sua cobertura. O que quer dizer que o Estado oferece o filet mignon e paga o prejuízo. Estamos habituados a estes negócios.
(...) a confirmar-se esta catástrofe. podemos agora dizer que somos pioneiros. Em toda a Europa, apenas cinco países não têm serviços postais públicos - Alemanha, Holanda, Bélgica, Dinamarca e Áustria. Fora da Europa, os Estados Unidos e o Canadá mantêm serviços postais do Estado. Porque todos compreendem o papel central destas empresas. Em Portugal, a coisa prepara-se sem que isso pareça merecer grande curiosidade entre os jornalistas.
Porquê este passo? Porque a suposta racionalização das despesas públicas não passa pelo rigor, passa pelo desmantelamento de serviços públicos. E porque os grandes grupos portugueses não se ocupam em criar e inovar, mas antes em capturar ao Estado monopólios que lhes garantam lucro sem concorrência e onde tudo já esteja realmente feito. A crise orçamental é só mais uma oportunidade de negócio. Há que aproveita-la.
O Pacto de Estabilidade e Crescimento, que determina as políticas nacionais, tem cumprido uma função na Europa: desmantelar o Estado Social. Apresentado como uma inevitabilidade, faz por decreto o que através da democracia nunca se conseguiu. Sem debate, sem perguntas, sem alternativas.
por Daniel Oliveira
O artigo do Daniel coloca o dedo em várias feridas. Uma delas, chaga bem dolorosa, diga-se em boa verdade, foi a forma como a questão das privatizações – especialmente a das empresas que foram anunciadas como as escolhidas – passou completamente ao lado do conjunto de jornalistas convocados à cobertura da ocasião. A medida foi secundarizada por todos em detrimento de manchetes mais bombásticas, como as que a redução dos benefícios fiscais, o congelamento das pensões de reforma e a tal penalização para os rendimentos mais elevados garantiam.
Nenhum jornalista presente na conferência de imprensa foi capaz de isolar o que estava em causa, projectar a avaliação das implicações um pouco mais adiante e (pior!) de se incomodar com isso.
Pois eu sinto muito, mas apesar dos argumentos da gravidade incontornável da crise financeira e dos apertos de bolsa que tanto afligem os portugueses, não consigo impedir a perplexidade. E não, não me conformo que a preponderância da vertente económica das questões abafe permanentemente todas as outras abordagens que igualmente urgem e se impõem.
Começa a ser assustadora a ausência sistemática de uma visão social no olhar sobre a realidade, os factos e o que é notícia, salvo quando esta se impõe como consequência a reboque de decisões financeiras.
É por isso que, ao contrário do que sucedeu em relação à redução de benefícios fiscais, aumento tributário para rendimentos superiores a 150 mil euros por ano, congelamento de reformas e salários da função pública, ninguém foi capaz de extrair repercussões sociais da medida de privatização anunciada para empresas como os CTT, por exemplo.
Nessa mesma noite, os poucos comentadores políticos de serviço na RTP, SIC, SIC Notícias e TVI24 que tocaram na questão das privatizações fizeram-no sempre com outro enfoque. Ou reacendendo a velha discussão benefícios vs. prejuízos da política de privatizações, ou questionando a mais valia que o encaixe dos 6 milhões em que a operação está estimada terá, efectivamente, no abatimento do défice externo do País. Maria José Nogueira Pinto lá deu um passinho adiante e levantou a questão de saber se, com o mercado em baixa, se conseguirão mesmo os 6 milhões esperados ou se os compradores aparecerão tão depressa como se espera e necessita para que a operação valha a pena e nos adiante para alguma coisa. Mesmo assim, como se vê, não saiu do plano de consideração meramente económico das consequências da medida. Mais: os poucos a quem ocorreu aflorar a questão da alienação de sectores afectos a serviços e recursos basilares para a população priorizaram a REN, a EDP e a GALP e desprezaram por completo os CTT e a TAP.
Deixando de lado a simbologia e outras razões de natureza história da soberania nacional, o facto é que ninguém ligou a mínima para a importância fulcral que um carteiro, uma estação e uma caixa de correio representam na vida da maioria da população, especialmente a mais interior e isolada.
Esta indiferença, que é antes de mais expressão de um desconhecimento generalizado do modus vivendi do Portugal real, mostra bem do grau zero a que foi remetido o valor da carta e da correspondência postal na era do e-mail, do SMS, do Twitter, do Skype, do Facebook e das novas tecnologias de comunicação.
Acontece porém que, por muito que custe a crer aos que vivem nas grandes urbes e raramente se desviam dos percursos talhados a direito pelas auto-estradas, não é essa a realidade diária de Norte a Sul, do interior ao litoral, não são esses os hábitos, nem são exactamente assim, nem as mesmas, as práticas quotidianas na totalidade do País. Lamenta-se informar, mas o tal 'choque tecnológico' prometido pelo Governo de Sócrates está longe de ter atingido Portugal de lés-a-lés. E mesmo quando lhe tenha começado a varrer a superfície, é bom ter presente que os utilizadores são peça chave nessa estratégica benfeitoria, que é para ver se não se empurram para os cantos especialmente as gerações mais velhas, a quem a ditadura fez o favor de vedar a possibilidade de aprender a ler e escrever e a quem a Revolução de Abril nunca conseguiu reparar a injustiça.
Cf. Governo junta a seguradora Fidelidade, a EDP, a Galp e os CTT às privatizações já esperadas da REN e da TAP
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