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Posted: 21 de jan. de 2011 | Publicada por AMC | Etiquetas: , , , ,

por Sérgio Lavos

ilustração de Gui Castro Felga

Os estudos de opinião que têm sido publicados não conseguem prever com exactidão a percentagem de abstenção para a eleição presidencial. No entanto, espera-se que seja alta. Hoje, no Público, é perguntado a várias personalidades o que acharam da campanha e se esta mudou o seu sentido de voto. Há duas correntes: os que vão votar mas insistem na pobreza da campanha; e os que não vão votar, abraçando o niilismo abstencionista por entre a amargura (Vasco Pulido Valente) e a desilusão (José Gil). São escolhas. No fim de contas, esta vai ser apenas mais uma eleição, para um cargo que confere um poder mais simbólico do que real, e seria difícil encontrar melhor ocasião para expressar descontentamento em relação à situação política actual. Mas será esta apenas mais uma eleição? Vejamos: a crise em que o país se encontra mergulhado; a pressão internacional para que sejam tomadas medidas de austeridade duríssimas; a descredibilização do Governo que foi eleito há menos de um ano. Neste panorama, grande parte da esquerda decidiu enveredar pelo apelo à abstenção, chegando muitos a mostrar mais empenhamento do que mostrariam caso tivessem um candidato em quem votar. Seria comovente, este empenhamento, se não fosse pateticamente sectarista. Todo e qualquer voto é sempre um voto útil. Um voto esclarecido é um voto que encontrou defeitos num candidato ou num partido, mas acaba por se decidir pelo menor dos males. Aquele que tenha lido o programa de um candidato ou de um partido a qualquer eleição e concorde com tudo, do princípio ao fim, que atire a primeira pedra. Não há unanimidades (sim, a unanimidade, como disse o grande reaccionário Nelson Rodrigues, é burra) nem gente perfeita; e concedo que um político, qualquer que seja ele, é ainda menos perfeito. Da mesma maneira, a decisão de não ir depositar o voto na urna pode ser tão útil como o voto no candidato - discordando de todos os candidatos, o abstencionista deixa-se ficar no calor da decisão abstencionista (na realidade, uma não-decisão), renegando o maior bem que uma democracia tem para oferecer: o voto. Um abstencionista - acreditem que sei do que falo, passei por cima de muita eleição - encontra conforto em várias coisas - na atitude de protesto, no gesto que julga de combate, na crença de que o voto é na verdade ilusório, e que nada poderá mudar. Mas a verdade é que, na maior parte das vezes, o único real conforto é o que sente ao não sair de casa, ao preferir ir à praia, o conforto burguês de quem delega nos outros decisões que devem passar por todos. Claro que há aquela minoria que diz ser contra este sistema; estão no seu direito de não votar, embora eu ache que, nesse caso, seria mais coerente a recusa da cidadania e de todas as benesses que esta traz. Uma vez mais, o conforto fala mais alto; e é muito fácil para o ser humano convencer-se de que tudo o que faz está correcto - está nos tomos de psicologia. Mesmo que o bom senso indique precisamente o contrário.
O único voto de protesto coerente é o voto em branco - e o nulo anda muito perto. Quem vota em branco aceitará o sistema político do país onde vive - caso contrário pediria a recusa de nacionalidade - mas recusa os candidatos ou partidos que vão a concurso. Uma escolha deste tipo seria, claro, o menor dos males. O votante em branco não se interessa por quem o governa ou preside ao país, é-lhe indiferente. E por isso tem de aceitar qualquer decisão que o poder tome. Para que não possa ser acusado de incoerência. O voto de protesto é coerente, mas será sensato? E até que ponto é produtivo?
O outro caminho que resta - o voto num dos candidatos - é tão útil como o voto em branco ou o voto nulo (mas mais sensato do que a abstenção, porque menos hipócrita). Não há políticos heróis, porque o herói apenas nasce quando o Homem morre.



(...) O que aí vem - o embate das medidas de austeridade que toda a gente vai sentir - é demasiado grave para o alheamento.  O que aí pode vir - a eventual vitória de Cavaco; a provável dissolução da Assembleia; a possível vitória do PSD nas legislativas; Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro - é a concretização do mais perfeito sonho molhado da direita liberal do nossa país: medidas de austeridade ainda mais duras; o desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, num processo regressivo que imitará o que sucedeu recentemente nos EUA, mas no sentido contrário; a prometida (ameaçada?) revisão constitucional, o que significará a derrota definitiva dos ideais de Abril; uma revisão laboral que penalizará ainda mais os trabalhadores, caminhando para a flexibilização total do mercado de trabalho, de modo a que a economia possa competir com os países emergentes, o que na prática representará uma regressão de quarenta anos; a privatização de todas as empresas públicas que ainda existem, com tudo o que isto tem de penalizante, tanto para a economia do país como para todos os cidadãos. Poderá ser de outra maneira? A única via de saída, sinceramente, será que não aconteça a tal tríade perigosa que Sá-Carneiro sonhou para o seu PPD: uma maioria, um governo, um presidente. E podemos começar por não eleger Cavaco, o patrocinador do rumo errado, omnipresente na luz ou na sombra, que o país levou nos últimos vinte anos. Votar, claro, é o mais poderoso instrumento que temos para evitar esta derrocada. Afinal, será muito mais cómodo para todos ir depositar o voto.

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