O Público - edição de 21.Jan.2011
Para rematar o último dia de campanha eleitoral, O Público chama à capa um inquérito a 50 personalidades das mais diversas áreas da sociedade portuguesa, em jeito de balanço/avaliação destas Presidenciais.
Foram duas as perguntas colocadas:
- O que ficou desta campanha?
- A campanha fê-lo mudar o sentido de voto?
De forma mais subjectiva, extrai ainda a seguinte conclusão: «Nas respostas, surge um grito de indignação face ao que é apresentado como uma espécie de autismo da classe política. Um apelo a que o fosso entre eleitos e eleitores comece a ser estreitado.».
(...)
Percorro com atenção as páginas onde se destacam os contributos dos inquiridos. Preferências pessoais, ideológicas e políticas à parte, eu destacaria antes um outro aspecto surpreendente: a simpatia e até mesmo o apelo à abstenção expresso por algumas dessas personalidades. Mais do que surpreendente, na verdade, retenho-as como uma desilusão profunda, um péssimo serviço prestado à democracia e à consciência cívica.
Lamento, mas não consigo conceber a abstenção como figura legítima de expressão de um sentimento colectivo ou de um pensamento reflexivo, convicto e responsável, muito menos como arma válida de participação política.
A abstenção é e será sempre uma forma de alienação de um direito e de uma obrigação que assiste a qualquer cidadão. Representa indiferença e demissão na escolha e isso é, qualquer que seja a mestria de argumentação apresentada, algo de inaceitável por princípio. Fazer a apologia da abstenção em praça pública é um insulto a todos os homens e mulheres que pagaram caro para nos dar a todos a possibilidade de ter uma palavra a dizer sobre os assuntos que a todos, e não apenas a alguns, dizem respeito. Reclamar a abstenção como uma benesse representa um ultraje que nos vexa diante de todos aqueles a quem esse elementar direito continua vedado e que, em pleno séc. XXI, ainda lutam por o reclamar. A liberdade de escolher é qualquer coisa que jamais se delega e que nunca, seja qual for a circunstância, se deve trocar por um mero encolher de ombros, por um simples voltar de costas.
Lamento mas não prescindo do meu voto. O meu voto é a minha voz, a minha afirmação de todas as palavras que tenho a dizer, de todas as ideias que são meu direito acreditar. Lamento mas o meu voto é imprescindível e essencial. Lamento, mas o meu voto conta, sim. O meu voto não 'pode fazer' a diferença: o meu voto faz, sim, a diferença. Toda a diferença. Quem defende o contrário está a negar o seu próprio valor como indivíduo pensante e actuante e isso, lamento muito, mas – quaisquer que sejam os políticos e os projectos que se apresentem às urnas, por mais frágeis ou decepcionantes que se considerem – jamais estarei na disposição de sequer conceder.
Domingo, dia 23 de Janeiro, irei até à secção eleitoral que o meu cartão de eleitora me atribui. Porque tenho um voto na mão e, independentemente da orientação que lhe darei, tenciono usá-lo.
(...)
As 50 respostas ao inquérito podem ler-se na íntegra, clicando no link para expansão do texto.
Adolfo Luxúria Canibal Músico
1. Que o político Cavaco Silva talvez não seja tão impoluto como gosta de proclamar e fazer crer e que, pelos vistos, os portugueses ainda não o conheciam.
2. Não, manteve a minha predisposição abstencionista.
Alexandra Moura Estilista
1. Neste momento, é complicado responder a estas questões porque simplesmente perdi o interesse nas notícias. O nosso panorama político descredibilizou-se, a leviandade das palavras nas promessas, nos ataques, enfim... É mais uma guerra de poder do que um lutar por uma nação! Sinto tristeza quando penso nisto e quase caí na tentação de deixar de ter esperança.
Sinceramente, o que sinto é que devemos contar connosco próprios e com as nossas capacidades.
Assim ainda, conseguimos ver a luz ao fundo do túnel e não cair nesta política "doente".
Alexandre Cortez Músico
1. O que fica é muito pouco. A campanha acontece numa altura politicamente pouco favorável em que questões da maior importância, quer nacional quer internacional, lhe relativizaram a importância. De uma maneira geral, os candidatos optaram por focalizar o seu discurso no ataque directo aos oponentes, afastando-se um pouco de questões que se prendem com o futuro próximo dos portugueses e da posição de Portugal no contexto europeu. A questão fundamental sobre o papel do Presidente e qual a sua capacidade de intervenção na resolução dos graves problemas do país ficou por esclarecer.
2. Não. Vou votar no Manuel Alegre, porque é o único candidato que apresenta um perfil do ponto de vista cultural, da solidariedade social e do humanismo adequado à imagem do país e ao futuro que anseio para Portugal.
Alice Samara Historiadora e professora na ESE de Setúbal
1. A partilha de ideias e informações através das redes sociais, longe da forma tradicional de fazer política.
Continua a existir uma vontade de troca de ideias e de discussão, mostrando que nem todos estão alheados da coisa pública.
Os debates entre os candidatos continuam a ser o aspecto mais interessante da campanha, possibilitando a clarificação de posições, essencial para que alguns eleitores decidam acerca do seu sentido de voto.
2. Não. De certa forma, as discussões em torno da questão apenas me fizeram ter mais confiança em relação à minha opção.
Ana Luísa Amaral Poeta e professora de literatura e estudos feministas da Faculdade de Letras do Porto
1. A campanha não primou pelo interesse, portanto, pouco ficou dela. Seja pelo estado de profunda desmoralização e descrença dos portugueses, seja pela ineficácia dos meios de comunicação, seja ainda pelo pouco empenho por parte da maioria dos candidatos.
O resultado será, provavelmente, uma grande taxa de abstenção, o que é dramático para quem assistiu ao 25 de Abril, à queda do fascismo, às primeiras eleições, e continua a acreditar que o voto é um direito e um dever.
2. Não, não fez.
António Câmara Presidente da Ydreams
1. Infelizmente, muito pouco.
Portugal precisa de mudar de modelo económico, e propostas para essa mudança rarearam.
2. Não.
António Marinho Pinto Bastonário da Ordem dos Advogados
1. Espuma, muita espuma e um sentimento enorme de frustração, porque se perdeu uma boa oportunidade para se discutir os grandes problemas nacionais. Mas, parece, ninguém estava interessado nessa discussão.2. De maneira nenhuma. E, pior do que isso, acentuou ainda aquela terrível sensação de que as campanhas eleitorais são cada vez mais um folclore patético que em nada contribuem para a consciencialização dos cidadãos.
Foi uma campanha de fulanos contra sicranos e vice-versa.
António Martins Juiz desembargador, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses
1. Muito pouco, e então, em termos de Estado de Direito e de Justiça, praticamente nada.
2. Não, o que a campanha fez foi apenas cimentar a minha decepção com a forma como estas campanhas são feitas e com o fraco papel que nelas assume a imprensa actualmente.
António-Pedro Vasconcelos Cineasta
1. Muito pouco. A fragilização definitiva de Cavaco Silva, com a nebulosa história do BPN (Cavaco pode ganhar, mas nunca será o mesmo), um sentimento generalizado de desconfiança na classe política (sobretudo na que tem estado no poder) e de um enorme desperdício em dinheiro e palavras, uma sensação crescente de impotência dos cidadãos, um desconforto perigoso com a democracia, perante a falência dos mecanismos de escrutínio do poder, um obsceno chorrilho de promessas impossíveis de cumprir, um deserto de ideias e de explicações plausíveis para o que nos aconteceu e para o que nos espera.
2. Não.
António Santos Carvalho Juiz-conselheiro do Tribunal de Contas
1. Desta campanha, fica-me o mau gosto, amargo, excepto a fortaleza de ânimo em Francisco Lopes, confiante e a sério, ou a elegância dos camponeses do Minho, em redor de Cavaco Silva.
2. Não, como tinha que ser perante os tão retraídos e timoratos sócios da maioria... contra todos crentes no esforço e sacrifício, a bem do povo.
Boaventura Sousa Santos Sociólogo
1. Muito pouco, como não podia deixar de ser, dado o período que o país atravessa. Os portugueses estavam preocupados com problemas para que só muito indirectamente os presidentes podem contribuir. Ficou uma preocupação muito séria: se for eleito, Cavaco Silva será um factor adicional de estabilidade? Seria a ruptura mais radical com o que se passou desde o 25 de Abril. Ficou uma manifestação de política no mais minúsculo sentido dela: pelo menos dois candidatos, cuja honorabilidade não questiono, entraram na campanha para "tramar" Manuel Alegre. As famílias políticas perdoam menos aos seus do que aos outros.
Finalmente, ficou uma lição para o futuro: a distância em relação aos partidos que o apoiavam fez de Manuel Alegre um candidato solitário. Só assim não seria se o PS estivesse interessado numa coligação de esquerda. Acontece que isso, além de muitas razões, não é permitido pelos "mercados".
2. Não. Apenas temo que para muitos eleitores a campanha tenha mudado (para baixo) o valor do voto.
Camané Fadista
1. Esta campanha não me surpreendeu, e até me desiludiu, face à situação do país. Senti que os candidatos se perderam em acusações mútuas, sem apresentarem ideias ou soluções para a estabilidade governativa de que tanto precisamos.
2. Muito pouco ou nada.
Carlos Garcia Presidente da Associação Sindical de Funcionários da Investigação Criminal/ Polícia Judiciária
1. Uma desilusão, já que pouco se esclareceu os portugueses, ficando mesmo a ideia, em alguns casos, de que o Presidente tem mais poderes do que realmente tem. O facto de se prever uma vitória antecipada de Cavaco levou a que se entrasse na descredibilização da pessoa, em detrimento dos esclarecimentos necessários, tornando a campanha numa luta de um contra todos e todos contra um.2. Não, e penso que não terá feito à maioria dos portugueses.
Elsa Barbosa Presidente da Associação de Professores de Matemática
1. Um vazio de ideias políticas. Uma campanha marcada pela falta de agenda política, onde sobressaíram as acusações, não provadas, aos adversários.
2. Por enquanto não.
Fátima Inácio Gomes Professora de Português e membro da direcção da Escola Secundária de Barcelos
1. Ficou o esgotamento das velhas fórmulas. E ficou ainda mais evidente o quanto os interesses individuais, aliados a parcerias e amiguismos, se tornaram uma imensa mancha que a todos atinge - pelo menos, aqueles que vivem há anos no e do mundo da política.
Contudo, e lamentavelmente, estou em crer que o sentido de voto se manterá, ele também, agarrado às velhas fórmulas, já que não se vislumbra o esclarecimento necessário por parte do eleitorado para intervir activamente no sentido de uma mudança efectiva e activa: muitos serão os que não votarão, e os que votarem manter-se-ão, maioritariamente, agarrados à máquina e maquinações do partido.
Será do fado...
2. Acentuou o meu desagrado pelas figuras de proa destas legislativas, pela arrogância dos discursos, pelo despudor da desresponsabilização que os domina.
Fernando Brízio Designer
1. A confirmação de que grande parte da nossa elite política é um "activo tóxico" para o país.
2. Não!
Fernando Ribeiro Castro Presidente da Associação das Famílias Numerosas
1. A campanha teve a fase de précampanha, que foi esclarecedora, com os debates entre candidatos, e a "oficial", que não acrescentou nada. A maioria dos candidatos optou por uma campanha negativa de ataques pessoais, em vez de contribuir para o debate de soluções para Portugal. A conclusão é que todo o dinheiro gasto nestas duas últimas semanas poderia ter sido poupado.
2. Não.
Frederico Lourenço Escritor e professor da Universidade de Coimbra
1. Um enorme sentimento de desilusão. Foi uma campanha reles, em que os candidatos que avançaram sem propósito realista de chegar a Belém bem podiam ter aproveitado o tempo de antena para chamar a atenção para problemas absolutamente básicos com que a nossa sociedade se debate. Em vez disso, concentraram-se na sabotagem patética das campanhas (igualmente tristes) dos dois "presidenciáveis", ficando por denunciar, entre outras coisas, a agro-pecuária criminosa que se pratica em Portugal e na Europa, que (como se vê pelo escândalo das dioxinas na Alemanha) põe em causa a sustentabilidade do sistema de saúde e a própria integridade física dos cidadãos deste país, que se abastecem todos os dias nos talhos e hipermercados desse veneno cancerígeno chamado "carne" (não sou vegetariano, note-se).
Revoltante.
2. Não. A inutilidade desta campanha está bem patente no meu caso pessoal: vou votar, como tantos outros, sem qualquer convicção no candidato que, dos dois "presidenciáveis", fez quanto a mim a campanha mais decepcionante. O problema é que não é a espuma das campanhas que conta, o que conta é a realidade.
Para mal dos nossos pecados. Cem anos de República? Dou por mim a sentir inveja da vizinha Espanha - pelo facto de ser uma monarquia.
Helena Almeida Artista plástica
1. Nada.
2. Fiquei sem sentido.
Isabel Allegro de Magalhães Professora Catedrática de Literatura1. Uma impressionante ausência de ideias novas. Confirmação de um sistema partidário desgastado, esgotado: urge reviravolta.
Experiência do já visto: ausência de análise e conteúdos políticos, de visão do futuro. Comparação dos candidatos entre si, auto-elogio de cada um e ataques pessoais aos outros (com duas excepções). Nos não-partidários, outra atitude, mais conteúdo, brechas - só que isso pode não chegar para ganhar eleições... Falta criatividade e juventude.
2. Não: é difícil encontrar um sentido de voto e, sobretudo, ver um sentido no voto. Mas, of course, vou votar.
Isabel Le Gué Directora da Escola Secundária Rainha Dona Amélia
1. Não houve elevação, nem dignidade. Nem palavras de empatia e respeito por tanto sacrifício suportado em silêncio por (quase) todos nós. À nossa volta, só mato rasteiro. Egos desproporcionados falam de si para si, falam uns contra os outros, sem parecer reparar que deixámos, há muito, de os ouvir. O que ficou? Ofensas, críticas pessoais e muita, muita vaidade. Enquanto isso, nós, portugueses, divididos entre o desalento e a indignação, somos meros espectadores desta versão republicana do cortejo de O rei vai nu.
2. Suponho que sim. Interrogo-me: que sentido faz votar? Condenados, uma vez mais, ao fado da escolha do mal menor, fica-nos um amargo de boca: a verdade é que merecíamos mais. Merecemos melhor! Porém, em nome dos deveres e direitos cívicos, em defesa dos nossos jovens, votarei, sim. Em branco? Talvez, visto que não existe um voto negro.
Irene Pimentel Historiadora
1. Tentada a dizer: um enorme vazio. Mas as palavras vazias e a falta de qualquer ideia foram tão grandes que pergunto apenas se os candidatos se olham ao espelho.
2. A campanha não influenciou o meu voto, nem abalou o gosto que tenho habitualmente em votar.
João Botelho Realizador de Cinema
1. Crispação e gritos que igualizam ou ultrapassam o desespero em que as pessoas hoje navegam. E, para amenizar o incerto futuro, três inquietações: quem será o responsável pelo extraordinário cabelo de Flora Silva, mandatária do extraordinário Defensor Moura? Quem construiu a vivenda do professor Cavaco na nova e notável aldeia algarvia do BPN? Como será a receita de perdiz à moda do Douro, que a mulher de Manuel Alegre anunciou como prato favorito do poeta? Tenham pena de nós!
2. O voto já tem tão pouco sentido!
Jorge Gaspar Geógrafo
1. Nada de relevante. Algum descontentamento.
2. Não.
Jorge Silva Melo Encenador
1. Uma grande desorientação, uma enorme apatia, uma pergunta amarga (para que serve um Presidente da República?) e outra ainda (é um super-primeiro-ministro?) ou outra dúvida (é só um despede-governos?), um total desinteresse, um esvaziamento da política, um ror de palavras sem nexo ("interventivo", "sério", "patriótico", "honesto", "cidadania"...), para mim uma enorme tristeza. E a sensação bem azeda de que tudo é igual ao igual e volta o mesmo.
2. Pensara votar em branco, branquíssimo. Mas vou votar em preto, com tinta indelével. E não é em nenhum dos "protagonistas principais", como agora também já se escreve nos jornais. Sim, vou votar num candidato, eu que pensara que desta vez não e jurara mesmo que não.
José Gameiro Psiquiatra
1. Acho que não ficou nada, para muita pena minha. A política está completamente submersa pela economia e pelas pequenas ninharias, fortemente amplificadas pela falta de outros conteúdos mais interessantes.
2. Não mudou o meu sentido de voto, nem creio que alguma campanha mude o sentido de voto da grande maioria dos portugueses.
O vazio desta agravará, ainda mais, o desinteresse dos portugueses pela política e pelos políticos profissionais (no sentido dos agentes políticos que falam só uns para os outros).José Gil Filósofo
1. Uma maior erosão da democracia portuguesa. Isto é: um fosso maior entre cidadãos e classe política. A evidência do baixo nível do discurso político, da falta de ideias, de visão e de altura ao mesmo tempo que se foi incapaz de comunicar com o povo com verdade. Esta campanha foi o triunfo do egotismo de trazer por casa como argumento legitimador da sinceridade política.
Foi também a revelação de fortes divergências entre as nossas instituições de soberania. Se antes da campanha a imagem do país era caótica, agora desapareceu. Ficou uma maior descrença, uma maior desconfiança, mas também uma maior indiferença dos portugueses relativamente ao mundo político.
E mais medo quanto ao futuro: as pessoas perderam ainda mais as suas referências.
2. Nas condições actuais, o máximo conteúdo positivo de cidadania que posso dar ao acto de votar é recusar qualquer escolha, a qual significaria aceitar a degradação do sistema democrático que esta campanha acentuou.
José Pedro Croft Artista plástico
1. Ficará muito pouco. As expectativas eram bastantes mais baixas que em outras presidenciais; mesmo assim, a campanha tem conseguido defraudá-las.
2. Não. Há um ano que sigo com atenção a preparação destas eleições. A campanha está a ser o último momento.
Luís de Sousa Investigador do ICS-UL, presidente da Associação Cívica Transparência e Integridade
1. Aquilo que ficou foi uma discussão estéril em torno das funções presidenciais e uma troca de galhardetes em matéria de ética e carácter. O futuro da União Europeia e do euro, que estão no centro da resolução da crise económica em que Portugal e outros Estadosmembros estão mergulhados, ficou completamente à margem desta campanha, em parte pela falta de preparação de alguns candidatos. Ficou também claro que as pessoas não se sentem mobilizadas e a razão dessa falta de mobilização tem a ver com uma combinação de vários factores, entre outros: o desinteresse crónico pela política, a fraca qualidade do debate político, a perceptível falta de importância do cargo de Presidente da República para dar resposta aos seus problemas, etc.
2. Não.
Luís Raposo Director do Museu de Arqueologia
1. Infelizmente, pouco ou nada.
Dos fait-divers quase nenhum foi devidamente esclarecido. Das questões sérias quase nenhuma foi debatida. Em todo o caso, não escondo que foi à esquerda que encontrei as tentativas mais consistentes de discussão estratégica do país: modelos de regionalização, desenvolvimento das forças produtivas nacionais, crítica ao capitalismo de casino, sem rosto nem alma.
2. Não me fez mudar de voto, mas fez-me ficar ainda mais pessimista quanto à natureza do nosso contrato social. Cada vez menos as campanhas eleitorais são momentos de confronto cívico entre projectos políticos verdadeiramente alternativos. Cada vez mais os responsáveis pelo Estado se sentem livres de afirmar hoje uma coisa para fazer logo depois o seu contrário, sob pretexto de que o mundo mudou numa ou duas semanas. O exercício do poder assemelha-se a uma espécie de teatro, em que actores medíocres se revezam, frente a uma sala quase vazia. Há um século, depois do fervor patriótico que sucedeu ao ultimatum inglês, a República aparecia no horizonte como sistema redentor.
Hoje não temos utopias desse tipo.
A menos que a revolução do Mundo Novo já aí esteja, sob a forma de redes sociais reais (de vizinhança, de solidariedade) ou virtuais, baseadas estas em fluxos de informação, por enquanto incontrolados e por isso temidos.
Manuel Loff Historiador, professor da Universidade do Porto1. O regresso do pior Cavaco - arrogância, salvador da pátria simulando não se lembrar de que é o homem que mais anos chefiou o Governo em Portugal no séc. XX depois de... Salazar. O persistente odor a oligarquia na sua BPN Connection.
A inevitável e decepcionante perda de distância de Alegre relativamente ao socratismo, que transformou o partido ao qual ele ajudara a dar uma identidade, o PS, num clube neoliberal tecnocrático empenhado em destruir o Estado social em nome das mesmas opções que Cavaco representa.
Ao contrário do que se tem dito, a presença do BE na campanha não impediu esta trajectória.
2. Não. Para votar indignadamente contra este Presidente, este Governo e este desastre, votarei Francisco Lopes.
Manuel Sobrinho Simões Presidente do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto
1. Muito pouco e muito mau.
2. Não.
Margarida Cardoso Cineasta
1. "Não há palavras!", como dizem os vencedores dos reality shows. Copio a resposta. Sintome prisioneira de uma realidade ficcionada, absurda e rasca, revoltada com a falta de bom senso dos candidatos. Vamos continuar a vê-los passar, a acenar o seu desrespeito, enquanto contamos os tostões à porta dos supermercados e esperamos em vão que apareça um cliente nas nossas lojas de arranjos de costura, pagas com minicrédito? Que venha alguém que nos arranje a alma ou que parta a loja toda! Da campanha ficou a certeza de que chegou a hora de deitarmos mãos à obra. Eu, que já estou farta de arranjos de alma, já escolhi o que fazer.
2. Não. Fez-me mais mudar o sentido da vida que o sentido de voto...
Marina Bairrão Ruivo Directora-conservadora da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva
1. Alguns telhados de vidro de um lado e dispersão de outro.
2. Provavelmente. Se no início não me apetecia votar (gosto de votar com convicção), este tempo fez-me realizar que votar é uma responsabilidade, que é preciso usar o voto para expressar uma posição e esperar que haja uma segunda volta.
Naide Gomes Atleta
1. Achei uma campanha que motivou pouco as pessoas. Parece-me que este alheamento, ou esta falta de participação, se deve ao sentimento de que nada se irá alterar. Um Presidente pouco poderá fazer para alterar o dia-a-dia e os receios dos próximos tempos em termos económicos.
Por isso, esta campanha não mobiliza e muito menos anima quem está a passar por dificuldades.
2. Não. Aliás, penso que a grande maioria já terá as suas ideias e que o número de indecisos seja mínimo.
Nuno Artur Silva Autor. Director das Produções Fictícias
1. Fica-me a ideia ou a constatação de que uma campanha eleitoral é cada vez mais um formato do género reality show. É, aliás, muito interessante analisá-la desse ponto de vista, como um concurso de popularidade baseado em exercícios de retórica, provas, avaliações de carácter, tensões entre o público e o privado, a mentira e a verdade, a sinceridade e a hipocrisia. No fim, o público vota.
Nesta campanha até temos o BPN como uma verdadeira Casa dos Segredos e o seu Zé Maria ou António ou, nesta versão, Aníbal.
Tal como nas outras versões, dizem os jornais todos e se eles dizem é porque é verdade, é neste que o público vai votar.
2. Não. A campanha reforçou o sentido do meu voto.
Nuno Gonçalo Monteiro Historiador
1. Muito pouco, como, de resto, era inteiramente expectável numas eleições com um vencedor antecipado. Acresce que as campanhas dos demais candidatos foram de uma irrelevância confrangedora. Em todo o caso, creio que ficaram duas coisas da campanha. O tom do discurso de Cavaco Silva sobre o Governo mudou e não creio que isso seja reversível. Prenúncio do que está para vir. Por outro lado, embora nada de novo se tenha sabido e a honorabilidade pessoal do candidato não esteja em questão, a mais ampla difusão pública do caso BPN talvez tenha contribuído para desfazer um pouco a imagem de Cavaco como alguém que paira acima de todas as coisas baixas da vida política e material. Afinal, como outros antes dele, teve um polvo que nasceu e cresceu à sua sombra...2. Não.
Nuno Nabais Responsável pela Fábrica do Braço de Prata
1. No centenário da República, tivemos uma campanha miserável para a eleição do Presidente. Mas era previsível. Contra Cavaco Silva, que assombra a vida portuguesa há mais de 20 anos. O PCP apresentou o pior candidato de sempre, o PS não conseguiu um candidato, o BE importou um e dois médicos acreditam que o país precisa de uma cura moral. Nem mesmo ao nível do debate público alguma ideia chegou a ganhar forma.
Ficámos todos mais frágeis.
2. As piores suspeitas foram sendo confirmadas ao longo da campanha. Por isso nada mudou no sentido do meu voto.
Miguel Real Escritor
1. Nada. Sabem mais a procissões que a campanhas de esclarecimento. Quem estava convencido, convencido ficou... Os debates televisivos devem ser feitos com auditórios e a intervenção dos presentes. As declarações dos candidatos feitas no passado devem ser confrontadas com a realidade presente.
2. Não, em absoluto. Fiquei com a sensação que as campanhas decorrem em torno de clichés, de chavões para consumo de néscios.
Foi uma oportunidade perdida.
Padre Agostinho Jardim Moreira Presidente da Rede Europeia Anti-pobreza
1. Um quadro nacional de grande pobreza política. Falta de personalidades e figuras de Estado em que o bem nacional e o bem público nem sempre foram a grande preocupação de todos os candidatos. Alguns parece que quiseram ficar na fotografia e dizer mal de todos, fazendo acusações pessoais sem interesse para o país nem para o povo português. Por vezes, pareceu claro uma confusão entre os poderes do Governo e do Presidente da República. A meu ver, o país não enriqueceu com esta campanha.
2. Em nada mudou o meu sentido de voto pessoal.
Paulo Corte-Real Professor Universitário de Economia e Presidente da ILGA Portugal
1. De uma campanha feita de gestões de silêncios em vez de debate político transparente fica um momento marcante: o veto do actual Presidente da República à lei da identidade de género.
Desrespeitando o compromisso de Portugal com os direitos humanos e com o Conselho da Europa, foi um momento de subjugação das vidas das pessoas transexuais aos interesses de campanha do candidato Cavaco Silva. Das duas reacções conhecidas, a de Francisco Lopes foi mais audível e mais afirmativa que a de Fernando Nobre e faltou um debate de fundo sobre a posição dos candidatos face aos direitos humanos e às políticas de igualdade.
2. Não. A campanha demonstrou sobretudo que a política portuguesa, além de continuar a precisar de dar espaço às mulheres, ainda precisa de valorizar o debate sobre igualdade e direitos fundamentais, sobretudo na eleição de quem tem como missão salvaguardar a Constituição.
Pedro Tamen Poeta e tradutor
1. Desta campanha ficará de certeza um Presidente da República, eleito à primeira ou à segunda volta, mas, em qualquer caso, aos olhos de uma grande maioria de portugueses, ferido e desvalorizado na imagem de político impoluto que conviria atribuir ao chamado "mais alto magistrado da nação".A crise que sabemos económica e financeira, e que ameaça ser política, bem se vê agora que atinge a "casa portuguesa" de alto a baixo: desde os alicerces inseguros feitos de cupidez e palavreado oco até aos telhados que irremediavelmente revelaram ser de vidro.
2. A campanha mudou, sim, o sentido do meu voto porque, uma vez posto de parte o bem maior, me levou, como nunca, a reflectir na distinção entre o mal maior e o mal menor. O voto, sendo um dever, será um céptico, um melancólico, um doloroso dever.
Raquel Henriques da Silva Professora de História da Arte, Universidade Nova de Lisboa
1. Tristes confirmações: que os principais candidatos fugiram a um discurso de verdade e que os candidatos secundários não conseguiram, nenhum deles, concitar um interesse continuado.
A democracia compromete-se neste jogo sinuoso de estratégias de pequeno fôlego. Mas não há alternativas porque a grande abstenção não é geradora de novas políticas. Precisamos urgentemente que os melhores de entre os cidadãos decidam, com generosidade e convicção, assumir maiores responsabilidades. É este o meu apelo junto de todos (e ainda são muitos) que conhecem profundamente o nosso país e as suas dificuldades.
2. Pelo contrário, determinaria a incapacidade de votar se me cingisse à racionalidade.
Sempre achei Cavaco Silva um político sem chama e muito comprometido com gente que não presta. Quanto a Manuel Alegre, ele não resiste aos desafios deste confuso início de outro século. É um homem do passado, movido pela nostalgia, refém do Governo e dos seus tremendos desastres. Os outros candidatos uma vez ou outra me fizeram parar para os ouvir. Como prezo alguns valores do anarquismo, sou capaz de votar nos três. deixando de fora o homem do PC. Afinal, algo guardarei da campanha: a coragem, por vezes pueril e narcísica, dos candidatos sem rede nem partido, transmitindo aos cidadãos que, se todos quiséssemos, os poderes estabelecidos, minados por interesses rasteiros, tremeriam.
Raquel Freire Cineasta e activista dos direitos humanos
1. O mais negativo: o veto do candidato-presidente Cavaco Silva à lei que simplifica o processo de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil das pessoas transexuais, que mostra que ele está contra os mais elementares direitos humanos. Ao vetar uma lei que reconhece direitos a muitas pessoas que sofrem na pele a mais profunda discriminação social e são remetidas para um limbo legal sem direitos nem identidade face ao Estado, ele agiu como candidato em campanha que quis ganhar os votos mais conservadores à custa da vida das pessoas trans.
O mais positivo: que finalmente Cavaco Silva tenha sido investigado em relação aos negócios que tem com os responsáveis por esse crime contra todos nós que se chama BPN.
Para falsos mitos popularuchos já nos basta o do Salazar.
2. Não.
São José Lapa Actriz
1. Ficou pouco: frases feitas, chavões à esquerda e à direita, sound bites, passados nebulosos com perguntas sem resposta e questões essenciais como a justiça, a educação, a cultura não foram ouvidas... Contudo os custos destas campanhas continuam... bandeiras, pins, jantares... e outros meios de passar a mensagem: facebooks, e-mails, twitters pouco são usados... os jovens abster-se-ão...
2. Assim, o meu sentido de voto não mudou: olho agora tristemente para o estado da democracia do meu país...
Sérgio Mah Comissário português da Bienal de Veneza
1. Que estes candidatos não são suficientemente mobilizadores e que estas presidenciais estão longe de ser um tema prioritário para a grande maioria das pessoas.2. Não. Sigo com a pretensão de votar no candidato (aparentemente) mais próximo da minha área ideológica, apesar do meu (profundo) desagrado pelo tom e atitudes desse mesmo candidato.
Teresa Villaverde Cineasta
1. Tenho dificuldade em compreender o desejo de ser Presidente da República e talvez por isso tenha tendência para desconfiar de quem tem essa vontade.
Tenho seguido a campanha e assusta-me a crispação do candidato Cavaco Silva, assusta-me o seu olhar desprovido de qualquer tipo de empatia. Há dias estava com uma criança que me perguntou se aquele senhor era filho de um vampiro. Não quis que a criança pensasse mal da democracia e não fui capaz de lhe dizer que era o Presidente de todos nós. Mas pensei que se a campanha durasse mais tempo, mais duas ou três semanas e os meus companheiros de país tivessem tempo para ver o candidato melhor, talvez tudo mudasse.
2. Desta vez, sim. Estava um pouco revoltada por não haver uma real união em torno de uma coisa mesmo nova, e pensava não ir sequer votar. Mas voto, sim. Esta campanha assustou-me, sente-se a força do passado a querer prendernos os pés ao chão. Já começo a sentir a falta de ar. Gosto muito de Portugal, não posso deixar de votar.
Viriato Soromenho Marques Professor Catedrático em Filosofia da Universidade de Lisboa
1. Um sentimento de desfasamento e amargura. Desfasamento, pois ficámos a perceber que, no quadro constitucional actual, o Presidente só tem importância quando joga no equívoco das suas próprias competências, assumindo-se, retoricamente, como um quase-primeiro-ministro. Amargura, pois esta campanha foi toda travada na sombra das baionetas dos "mercados". Foi uma guerrilha insignificante na grande Guerra das Dívidas Soberanas, onde se joga o futuro da União Europeia e o futuro de Portugal como entidade política viável.
2. Apenas o confirmou.
Virgílio Castelo Actor
1. Não fica nada porque não há nada para ficar. O lugar de Presidente é o cargo político mais fácil de desempenhar em Portugal. Está ao alcance de qualquer inteligência média. O problema ancestral de Portugal é de como criar riqueza.
Isso poucos sabem fazer. Ajudar a gerir a pobreza é fácil e está ao alcance de muitos.
2. Não, de todo. Apesar de tudo, a evidência do desnível intelectual, cultural, histórico, político, e até de educação e civilidade, entre os candidatos, torna óbvia, desde o início, uma única escolha lúcida.
Muito para além dos números.
Sejam eles números de contabilista ou números folclóricos.
Virgínia Ferreira Socióloga, professora da Faculdade de Economia e investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
1. Penso que ficou sobretudo a clara noção de que ninguém tem ideias redentoras, eu diria até uma simples ideia, que estimule pessoas descrentes e temerosas do futuro.
Na espuma da campanha, flutua a desconfiança de que nem todos os aspectos da vida e do comportamento de Cavaco Silva são tão transparentes como os seus veementes protestos malhumorados querem fazer crer, ao mesmo tempo que se exime a prestar os esclarecimentos devidos.
2. Não, mas reforçou a minha vontade de não me abster.
Sem grande entusiasmo por nenhum dos candidatos, a exposição pública do actual Presidente tornou mais visíveis o conservadorismo do seu sistema de valores, a sua falta de carisma, a pequenez da sua visão e do seu mundinho. O sentimento de rejeição incutiu-me a urgência de fazer o que estiver ao meu alcance para evitar cinco anos de puro cavaquismo.
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