Marcos Vernon
Os três homens em julgamento pelo assassinato de líder indígena brasileiro Marcos Veron foram condenados por sequestro, tortura e conspiração criminosa em relação à sua morte, mas absolvidos da acusação de homicídio. Foram igualmente absolvidos da acusação de tentativa de homicídio em relação aos seis outros índios que estavam com Veron quando este foi morto.
Os arguidos, Carlos Roberto dos Santos, Estevão Romero e Jorge Cristaldo Insabralde trabalham para o proprietário da fazenda Brasília do Sul, Jacinto Honório da Silva Filho, que ocupa o território tradicional da comunidade Guarani Veron. O tribunal atribuiu-lhes pouco mais de 12 anos de prisão. Como se encontravam presos há quatro, foi-lhes concedida a liberdade durante a pendência do recurso que o seu advogado interpôs à sentença. .
Marcos Veron, líder internacionalmente respeitado dos Guarani Kaiowá, tinha 72 anos e foi espancado até à morte por ter conduzido a sua comunidade na reocupação das terras ancestrais de que a tribo havia sido expulsa. Declarou, nessa época: «Isso aqui é minha vida, minha alma. Se você me levar para longe desta terra, você toma minha vida».
Em reacção à decisão do tribunal, Fiona Watson, directora da Survival Research - uma das muitas entidades internacionais que têm acompanhado de perto a tramitação do processo, comentou: «É inegável que todos nós estamos desapontados por estes homens terem sido absolvidos do homicídio e saído em liberdade enquanto aguardam o resultado do recurso. No entanto, a sua condenação, mesmo que apenas em crimes menores, deixam uma mensagem importante: não é possível continuar a assassinar os líderes indígenas com impunidade».
[ACTUALIZADA]
Cf. também: Nota emitida pela CPT
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Crônica do julgamento do assassinato do Cacique Marco Verón
Após 8 anos decorridos do assassinato do grande líder Marco Verón era grande a expectativa de que houvesse justiça no Julgamento que se deu na Justiça Federal de São Paulo (para ter isenção). Crianças, mulheres e homens Guarani pintados e com cocares estavam presentes, entre estes as vítimas de tortura (filhas e filhos do Cacique Marco Verón). Início: manhã do dia 21 de fevereiro de 2011, término: noite de 25 de fevereiro de 2011. Longa jornada em busca de que a verdade prevalecesse. Tensão, sofrimento, risos, esperança.
A FUNAI materialmente contribuiu apenas com o ônibus da vinda dos indígenas Guarani de Mato Grosso do Sul para São Paulo; ressalte-se o empenho e zelo com que o Procurador da FUNAI, Alexandre, e o servidor Pereira, atuaram com os indígenas. Esse ônibus da FUNAI foi dispensado e voltou vazio na 6ª feira. Na noite de 21 de fevereiro os indígenas dormiram na Tekoá Pyaú. De 3ª a 6ª feira os indígenas dormiram no albergue da Prefeitura de São Paulo. Tanto a volta dos indígenas para Dourados/MS como a alimentação e roupas vieram do auxílio conseguido através de articulações do CIMI, Movimento Indígena Revolucionário, Rede GRUMIN de Mulheres Indígenas, Terre Indigene, Tribunal Popular: o Estado Brasileiro no Banco dos Réus, entre outros. Contribuíram: a APROPUC, o Conselho Regional de Psicologia/SP, o PSOL, munícipes, entre outros. Foi graças a esta solidariedade que a situação dos indígenas não foi muito pior.
Durante nosso apoio aos indígenas ouvimos relatos impressionantes sobre as torturas e aterrorizamentos sofridos por filhas e filhos do Cacique Marco Verón, um filho dele nos relatou a tentativa de assassinato que sofreu, uma das filhas dele foi torturada grávida e perdeu a criança uma semana depois das torturas (a perda da criança nem sequer constou dos autos do Processo), outra filha dele teve que parar um curso superior de Direito. Até as crianças netas do Cacique Marco Verón foram ameaçadas pela quadrilha de assassinos do Cacique. Vimos também as mentiras proferidas pelo advogado dos assassinos para toda a grande imprensa, ávida também de ouvir as mentiras dos assassinos. Grande imprensa esta surda e cega para com a versão dos indígenas.
Na noite de 25 de fevereiro era grande a tensão aguardando o resultado do Julgamento. Aparentemente se faria justiça neste Processo. Um ex funcionário da fazenda, não indígena, depôs em favor dos indígenas. Um delegado federal depôs em favor dos indígenas, O Ministério Público Federal depôs em favor dos indígenas. Entretanto, o resultado do Julgamento não condenou os réus por assassinar o Cacique Marco Verón, eles foram condenados, minimamente, por formação de quadrilha, tortura e seqüestro. No entendimento de integrantes do Movimento Indígena Revolucionário presentes no apoio aos indígenas, este Julgamento apenas se presta para que nos próximos assassinatos de lideranças indígenas se tome mais cuidado (não seqüestre, não torture, não deixe tantas pistas ...). Dizer que houve avanço porque através deste Julgamento se gerou jurisprudência para que todos os próximos julgamentos envolvendo indígenas possibilite o depoimento na língua indígena não apaga a dor do coração da viúva e demais familiares do Cacique Marco Verón, além de perpetuar a impunidade dos crimes contra a pessoa indígena.
Conselheira do Conselho da Rede GRUMIN de Mulheres Indígenas, ativista do Movimento Indígena Revolucionário)
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Trial of Indian leader’s ‘assassins’ resumes
The trial of three men accused of murdering renowned Guarani Indian leader Marcos Veron is set to resume on Monday in São Paulo, Brazil.
Marcos Veron, an internationally respected Guarani Kaiowá leader, was beaten to death in 2003 by gunmen working for a local rancher, after he led his community’s reoccupation of their ancestral land.
Veron said about his land, ‘This here is my life, my soul. If you take me away from this land, you take my life.’
Veron’s daughter Valdelice Veron told Survival today, ‘We know that the trial won’t bring back our father and leader, Marcos Veron, but it will give us back our dignity and respect as human beings, as a people with the right to be different.’
The defendants, Estevão Romero, Carlos Roberto dos Santos and Jorge Cristaldo Insabralde, employees on the ranch which took the land from Veron’s community, are accused of homicide, false imprisonment, and other charges.
Brazil’s Attorney General’s office, which has brought the case, has hailed it as ‘historic’ because it is the first time that people accused of killing an Indian from Mato Grosso do Sul state are being tried by a jury.
The trial was scheduled to start in April last year, but was postponed twice as the lawyer of one of the defendants allegedly began a twenty-day period of psychotherapy, and then the judge refused to hear the testimonies of the Guarani witnesses in their own language.
Much of the Guarani’s land has been stolen from them to make way for ranches, and soya and sugarcane plantations. Last year, energy giant Shell entered a joint-venture agreement with biofuels company Cosan, which is buying sugarcane produced on land taken from the Guarani.
Many Guarani live in appalling conditions in overcrowded reserves, and some live in make-shift camps on the sides of main roads. They suffer from alarmingly high rates of malnutrition, violence and suicide, as documented by a report sent to the UN by Survival last year.
Guarani communities, frustrated with the long wait for the authorities to map out and protect their land for them as they are required to do by law, sometimes decide to return to their ancestral land and reoccupy it, as in the case of Veron’s community.
Indian leaders who head the reoccupations of their land are systematically targeted by hitmen, who are rarely brought to justice.
Survival’s Director, Stephen Corry, said today, ‘Marcos Veron’s family and community have endured a painfully long wait for the trial to go ahead. They are now hoping that his killers will be brought to justice, and that the Guarani’s land is mapped out and protected for them. This is what Veron desired above all else, and what he ultimately gave his life for.’
Survival is supporting a group of Guarani to attend the trial in São Paulo.
fonte: Survival Internacional
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Assassinos do cacique Marcos Veron são condenados, mas não por homicídio. Já estão em liberdade!
Após cinco dias de julgamento, um júri popular decidiu nesta sexta-feira (25) condenar três fazendeiros a 12 anos e 3 meses de prisão pelos crimes de sequestro, tortura e formação de quadrilha que resultaram na morte do líder do povo guarani-caiová, o cacique Marcos Veron, ocorrida em janeiro de 2003 em Juti (MS). Os fazendeiros, entretanto, foram absolvidos pelo crime de homicídio. O povo guarani-caiová vive em uma área de conflitos, cujos índices de violência são os mais altos entre todas as comunidades indígenas do país. Eles foram condenados a cumprir pena em regime fechado, mas, beneficiados por um habeas corpus, não foram presos após o julgamento. A juíza federal Paula Mantovani Avelino, da 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo, leu a sentença no plenário do Fórum Jarbas Nobre, na capital paulista.
Entre os presentes, estavam parentes do indígena, que acompanharam a sessão desde o primeiro dia, vindos do Mato Grosso do Sul. O julgamento começou na segunda (21) sob protestos dos índios, que pediram justiça em frente ao fórum Jarbas Nobre. Estevão Romero, Carlos Roberto dos Santos e Jorge Cristaldo Insabralde foram recebidos com revolta no fórum pelos membros da tribo. Eles eram acusados de homicídio duplamente qualificado (por motivo torpe e meio cruel), tortura, seis tentativas qualificadas de homicídio, seis crimes de sequestro, fraude processual e formação de quadrilha. Estevão também foi condenado hoje por fraude processual. Outras 24 pessoas foram denunciadas por envolvimento no crime.
O júri foi transferido do Tribunal do Júri de Dourados (MS) para São Paulo a pedido do Ministério Público Federal, que alegou que os jurados não teriam a isenção necessária naquele Estado, devido ao preconceito na sociedade local e ao grande poder de influência do proprietário da fazenda reclamada pela tribo de Veron, Jacinto Honório da Silva Filho. Ele é acusado de coagir os índios a mudarem seus depoimentos. O caso ganhou notoriedade porque Veron já representou a comunidade em eventos internacionais. É acompanhado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e por organizações não-governamentais ligadas aos direitos humanos.
No dia 12 de janeiro de 2003, o grupo teria perseguido um veículo e atirado contra os indígenas --duas mulheres, um adolescente de 14 anos e três crianças de 6, 7 e 11 anos. Na madrugada seguinte, os agressores atacaram o acampamento. Sete índios foram sequestrados, amarrados na carroceria de uma caminhonete e levados para local distante da fazenda, onde passaram por uma sessão de tortura. Ládio disse ter quase sido queimado vivo. A filha dele, Geisabel, grávida de sete meses, foi arrastada pelos cabelos e espancada. Marcos Veron, à época com 73 anos, foi agredido com socos, pontapés e coronhadas de espingarda na cabeça. Ele morreu por traumatismo craniano.
Taxa de homicídios entre guaranis-caiovás é 20 vezes maior do que a de SP
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Inocentados da acusação de homicídio e tentativa de homicídio do índio Marcos Veron, segundo matéria do Estadão “a possibilidade de algum deles ir para a prisão é pequena, segundo a defesa. A causa disso é que parte dos crimes pelos quais foram condenados - sequestro e formação de quadrilha - já está prescrita. Por outro lado, a pena de dois anos e sete meses que cada um deles recebeu pelo crime de tortura, o único ainda não prescrito, poderá ser considerada já cumprida, uma vez que ficaram presos durante 4 anos e seis meses, entre 2003 e 2007, enquanto aguardavam o julgamento. Nesses casos o tempo de prisão é descontado na sentença.”
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Júri popular condena réus no caso do índio Marcos Veron
Os três fazendeiros réus no julgamento do assassinato do líder indígena Marcos Veron, chefe da tribo guarani-kaiowá, foram condenados a 12 anos e 3 meses de prisão por sequestro, tortura e formação de quadrilha, mas absolvidos pelo crime de homicídio, indicaram neste sábado fontes oficiais. A sentença foi emitida na noite de sexta-feira pelo júri popular convocado pela 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo após cinco dias de um julgamento que tinha chamado a atenção de várias organizações de defesa dos direitos humanos.
O crime ocorreu em janeiro de 2003 em Juti (MS), quando homens armados espancaram e atiraram em índios, entre eles Veron, que invadiam terras. Veron, que na época tinha 72 anos, morreu por traumatismo craniano.
Estevão Romero, Carlos Roberto dos Santos e Jorge Cristaldo Insabralde atacaram os índios a mando do proprietário da fazenda Brasília do Sul, reivindicada pelos guaranis-kaiowás.
O julgamento tinha começado inicialmente no Mato Grosso do Sul, mas foi transferido a São Paulo porque a promotoria considerou que não havia condições de garantir um processo imparcial na primeira corte. O processo foi suspenso diversas vezes por apelações dos réus, que tentaram adiar o máximo possível a audiência final.
Os três acusados também foram absolvidos das acusações de tentativa de assassinato de outros seis líderes indígenas que estavam com Veron.
Durante os cinco dias da audiência final, numerosos líderes indígenas e militantes de organizações de defesa dos direitos humanos realizaram manifestações em frente ao tribunal para exigir a condenação. Entre as testemunhas ouvidas pelos sete membros do júri estavam os outros seis líderes indígenas que foram torturados pelos acusados.
Como os três condenados já passaram quatro anos e oito meses em prisão e ainda podem apelar a um tribunal superior, eles têm direito a esperar em liberdade por um segundo julgamento.
O promotor Luiz Carlos Gonçalves disse que a vitória seria completa se os réus tivessem sido condenados também por homicídio e tentativa de homicídio, mas o resultado final foi pelo menos um avanço na luta pelos direitos dos índios. O fiscal acrescentou que o próximo passo é lutar pela condenação do fazendeiro Jacinto Honório da Silva Filho, dono da fazenda em que ocorreram os crimes e acusado de ter encomendado o assassinato de Veron.
O crime ocorreu em janeiro de 2003 em Juti (MS), quando homens armados espancaram e atiraram em índios, entre eles Veron, que invadiam terras. Veron, que na época tinha 72 anos, morreu por traumatismo craniano.
Estevão Romero, Carlos Roberto dos Santos e Jorge Cristaldo Insabralde atacaram os índios a mando do proprietário da fazenda Brasília do Sul, reivindicada pelos guaranis-kaiowás.
O julgamento tinha começado inicialmente no Mato Grosso do Sul, mas foi transferido a São Paulo porque a promotoria considerou que não havia condições de garantir um processo imparcial na primeira corte. O processo foi suspenso diversas vezes por apelações dos réus, que tentaram adiar o máximo possível a audiência final.
Os três acusados também foram absolvidos das acusações de tentativa de assassinato de outros seis líderes indígenas que estavam com Veron.
Durante os cinco dias da audiência final, numerosos líderes indígenas e militantes de organizações de defesa dos direitos humanos realizaram manifestações em frente ao tribunal para exigir a condenação. Entre as testemunhas ouvidas pelos sete membros do júri estavam os outros seis líderes indígenas que foram torturados pelos acusados.
Como os três condenados já passaram quatro anos e oito meses em prisão e ainda podem apelar a um tribunal superior, eles têm direito a esperar em liberdade por um segundo julgamento.
O promotor Luiz Carlos Gonçalves disse que a vitória seria completa se os réus tivessem sido condenados também por homicídio e tentativa de homicídio, mas o resultado final foi pelo menos um avanço na luta pelos direitos dos índios. O fiscal acrescentou que o próximo passo é lutar pela condenação do fazendeiro Jacinto Honório da Silva Filho, dono da fazenda em que ocorreram os crimes e acusado de ter encomendado o assassinato de Veron.
fonte: Terra
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Povo Guarani mobiliza-se para seguir caso Veron no tribunal
Indígenas do povo Guarani Kaiowá, de Mato Grosso do Sul, estão se mobilizando para acompanhar o julgamento dos acusados pelo assassinato do cacique Marcos Verón, que começará na próxima segunda-feira, 21 de fevereiro, em São Paulo. O crime ocorreu em 13 de janeiro de 2003 na Fazenda Brasília do Sul, município de Juti, interior do MS, área reivindicada como Tekoha Takwara por Verón e sua comunidade. O júri, que já foi adiado por duas vezes, foi transferido do MS para SP a pedido do Ministério Público Federal (MPF) com o objetivo de garantir a imparcialidade dos jurados e evitar que a decisão sofra influência social e econômica dos envolvidos no crime.
Em janeiro de 2003, por dois dias seguidos, a comunidade de Verón foi atacada e agredida por cerca de 30 a 40 homens armados. No dia 12, um veículo dos indígenas com duas mulheres, um rapaz de 14 anos e três crianças de 6, 7 e 11 anos foi perseguido por 8 km, sob tiros. Na madrugada do dia 13, os agressores atacaram o acampamento. Sete índios foram sequestrados, amarrados na carroceria de uma camionete e levados para local distante da fazenda, onde passaram por sessão de tortura. Durante a agressão, um dos filhos de Verón, Ládio, quase foi queimado vivo. A filha dele, Geisabel, grávida de sete meses, foi arrastada pelos cabelos e espancada. Á época do crime, Verón que tinha 73 anos, foi agredido com socos, pontapés e coronhadas de espingarda na cabeça. Ele morreu vítima de traumatismo craniano.
Três seguranças respondem pelo crime: Estevão Romero, Carlos Roberto dos Santos e Jorge Cristaldo Insabralde. Eles são acusados de homicídio duplamente qualificado por motivo torpe e meio cruel, tortura, seis tentativas qualificadas de homicídio, seis crimes de seqüestro, fraude processual e formação de quadrilha. Outras 24 pessoas também foram denunciadas por envolvimento no crime.
O julgamento, que acontecerá no Fórum Jarbas Nobre, na capital paulista, é considerado histórico e, para os indígenas do MS, abre precedentes para que casos semelhantes tenham o mesmo encaminhamento. É a primeira vez que acusados pela morte de um indígena em Mato Grosso do Sul vão para o banco dos réus. Pelo MPF, participam do julgamento os procuradores da República Marco Antônio Delfino de Almeida, de Dourados, Rodrigo de Grandis e Marta Pinheiro de Oliveira Sena, de São Paulo, além do procurador regional da República Luiz Carlos dos Santos Gonçalves.
Para Valdelice Verón, filha do cacique, o julgamento representa uma vitória. “Para o povo vai ser um marco. A decisão não vai devolver meu pai para nós, mas vai devolver nossa dignidade enquanto ser humano. A gente vai se sentir realmente cidadão, respeitado pelo Estado Brasileiro e pela Justiça”, declarou. Ela lembrou ainda de outros casos de assassinatos de indígenas que nem sequer foram a julgamento, entre eles o do líder indígena Marçal de Souza (Tupã'i), assassinado em novembro de 1983.
Saulo Feitosa, secretário-adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) concorda com Valdelice e acrescenta: “O julgamento é uma resposta histórica a esses assassinatos e demais crimes que vêm acontecendo no MS. Será um marco se trouxer uma resposta favorável aos indígenas, que há muito acompanham os seqüestros, torturas, prisões e assassinatos de seus parentes”.
O assassinato de Marçal, grande líder do movimento indígena e um dos precursores das lutas dos Guarani pela recuperação e reconhecimento de suas terras tradicionais, não ficou no esquecimento, ao menos para seu povo e demais povos indígenas do país. Os acusados do crime foram absolvidos em 1993 e o processo prescreveu, por isso, o julgamento dos acusados pela morte de Verón é uma esperança de justiça e menos impunidade em relação aos crimes praticados contra os indígenas no país.
Valdelice destaca emocionada que o próprio pai lutou para que o crime contra Marçal não ficasse na impunidade. “Meu pai lutou para o julgamento desse caso, mas eles foram levando para frente até prescrever. Agora, a gente não vai deixar que aconteça o mesmo. Vamos levantar nossa voz e lutar por Justiça, porque apesar de tudo ainda acreditamos na Justiça”, disse.
Saulo destaca que o assassinato de Marcos Verón foi o primeiro registrado entre os Guarani-Kaiowá no primeiro mandato do presidente Lula, vitória que vinha da vontade do povo e trazia esperanças de uma vida nova e mais igualitária para o Brasil. “No momento em que o país inaugurava uma nova fase, com um operário assumindo a presidência, a pistolagem continuava e indígenas continuavam sendo perseguidos, criminalizados e assassinados. Situação que só piorou ao longo dos dois mandatos”, finalizou.
Desrespeito
O júri foi suspenso em maio do ano passado, depois que o MPF abandonou o plenário, em protesto contra a decisão da juíza Paula Mantovani Avelino, da 1ª Vara Federal (SP), que iria designar intérprete apenas para os índios que não falam português. Para o MPF, o fato de um indígena compreender o que é perguntado não significa domínio completo do idioma e do universo simbólico que ele representa. Além disso, a ordem para que os índios falem apenas em português, sem auxílio de intérprete, viola convenções internacionais e a Constituição Federal.
A decisão da juíza de não ouvir os indígenas em sua língua materna fere os artigos 231 e 210 da Constituição Federal, bem como diversas convenções internacionais, como o artigo 2º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre outros.
O artigo 27, parte II, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, determina que "nos estados em que haja minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, as pessoas pertencentes a essas minorias não poderão ser privadas do direito de ter, conjuntamente com outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua".
O artigo 12 da Convenção 169 da OIT é expresso neste sentido: "Os povos interessados deverão ter proteção contra a violação de seus direitos e poder iniciar procedimentos legais, seja pessoalmente, seja mediante os seus organismos representativos, para assegurar o respeito efetivo desses direitos. Deverão ser adotadas medidas para garantir que os membros desses povos possam compreender e se fazer compreender em procedimentos legais, facilitando para eles, se for necessário, intérpretes ou outros meios eficazes".
Transferência do júri
Entre os motivos levantados pelo MPF para pedir a transferência do Tribunal do Júri de Dourados (MS) para a capital paulista estão o poder econômico e a influência social do proprietário da fazenda, Jacinto Honório da Silva Filho. Ele teria negociado com dois índios a mudança de seus depoimentos. Eles assinaram um documento em 2004 mudando a versão que deram ao crime, no dia seguinte ao assassinato, inocentando os seguranças contratados pelo fazendeiro. O fazendeiro teria tentado, inclusive, comprar o depoimento do filho do cacique assassinado, oferecendo-lhe bens materiais em troca da assinatura de um termo de depoimento já redigido.
Para Saulo Feitosa, o desaforamento já trouxe uma possibilidade real de se ter um julgamento isento. “O estado de Mato Grosso do Sul apresenta os maiores índices de violência e preconceito contra os povos indígenas. Diversas lideranças já foram atacadas, torturadas e assassinadas na região. Somente por esses motivos já não seria possível ter um julgamento imparcial”.
O MPF citou as manifestações de um juiz estadual contra os indígenas e contra o procurador da República do caso. Manifestações na Assembléia Legislativa sul-mato-grossense, condenando os acampamentos indígenas e relativizando a morte das lideranças, bem como opiniões desfavoráveis aos índios em diversos jornais do estado também foram juntadas ao processo, para mostrar que um júri federal realizado em qualquer subseção judiciária do estado teria viés contrário aos índios.
Este foi o terceiro caso de desaforamento interestadual do Brasil. Os dois primeiros ocorreram no julgamento do ex-deputado federal Hildebrando Pascoal. Dois de seus júris federais foram transferidos de Rio Branco (AC) para Brasília (DF).
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Inocentados assassinos do índio Marcos Verón
Após cinco dias de julgamento e várias manifestações de líderes indígenas e militantes em frente ao tribunal, os acusados de matar o cacique kaiowá Marcos Verón são absolvidos por júri popular. O julgamento que encerrou-se na última sexta feira, 26 de fevereiro, em São Paulo, chama a atenção de várias organizações de defesa dos direitos humanos.
Verón foi morto aos 72 anos, em 2003, em Juti, Mato Grosso do Sul, após Estevão Romero, Carlos Roberto dos Santos e Jorge Cristaldo Insabralde espancarem e atirarem em índios que haviam invadido fazenda, na luta para reaver seus territórios. Verón foi levado ao hospital com traumatismo craniano, mas não resistiu.
O julgamento, que começou no MS, mas foi transferido a SP porque a promotoria considerou que não havia como garantir um processo imparcial na primeira corte, chegou a ser suspenso várias vezes por apelações dos réus, que tentaram adiar ao máximo a audiência final.
A decisão acolheu parcialmente as alegações do Ministério Público Federal, mas não reconheceu o crime de homicídio praticado contra Verón e a tentativa de homicídio contra mais seis líderes que estavam com ele e que neste julgamento foram ouvidos pelo júri.
Por que os acusados não foram condenados? Por que não podemos acreditar na Justiça? É difícil compreender ou aceitar este resultado. Mas como já acompanhamos outros casos e sabemos que no Brasil assassinos de índios não são condenados, resta apenas a indignação e a tristeza. Não somente por este caso, mas porque este abre mais um precedente para tantos outros assassinatos de lideranças indígenas que ocorrem no Mato Grosso do Sul e em outros Estados e que poderão ficar impunes.
Livres da acusação de homicídio, os acusados foram condenados apenas por seqüestro, formação de quadrilha armada e tortura. A pena estipulada pela juíza da 1ª Vara Criminal Federal de São Paulo, Paula Mantovani, é de 12 anos e três meses de prisão. Mas poderão cumprir em liberdade pelo fato de já terem permanecido presos durante quatro anos e seis meses, enquanto aguardavam o julgamento. Neste caso, o tempo de prisão é descontado na sentença.
O promotor Luiz Carlos Gonçalves disse que a vitória não é completa, mas o resultado final foi pelo menos um avanço na luta pelos direitos dos índios. Segundo ele, o próximo passo é lutar pela condenação do fazendeiro Jacinto Honório da Silva Filho, dono da fazenda em que ocorreram os crimes e acusado de ter encomendado o assassinato de Verón.
Difícil acreditar que essa condenação possa de fato acontecer.
por Ana Melo - 10.03.2011
(jornalista, psicóloga, mestre em História, professora universitária. Morou seis anos no Mato Grosso do Sul, onde trabalhou com índios Guarani Kaiowá)
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Assassinos de Marcos Veron vão a júri na semana que vem
O julgamento dos acusados pelo assassinato do cacique guarani-kaiowá Marcos Veron, em janeiro de 2003, em Juti, acontece no dia 12 de abril, em São Paulo. O júri foi marcado na capital paulista para garantir a imparcialidade dos jurados e evitar que a decisão sofra influência social e econômica dos supostos envolvidos no crime.
Entre os motivos levantados pelo MPF para pedir a transferência do Tribunal do Júri de Dourados (MS) para São Paulo estão o poder econômico e a influência social do proprietário da fazenda, Jacinto Honório da Silva Filho. Proprietário de terras em Mato Grosso do Sul e outros estados, Jacinto teria negociado com dois índios a mudança de seus depoimentos. Vítimas da agressão, eles teriam sido contratados para trabalhar em uma de suas propriedades na Bolívia.
Também assinaram um depoimento em 2004 mudando a versão que deram ao crime no dia seguinte ao assassinato. Inocentaram os seguranças contratados pelo fazendeiro e passaram a responsabilizar um outro índio, já morto, pelo assassinato do cacique Veron. O fazendeiro teria tentado, inclusive, comprar o depoimento do filho do cacique assassinado, oferecendo-lhe bens materiais em troca da assinatura de um termo de depoimento já redigido.
O MPF destaca que há diversos outros casos de violência contra indígenas que ainda estão impunes e sustenta que "existe um forte preconceito contra o povo indígena por parte de membros importantes da sociedade sul-mato-grossense".
Para o procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeida, "todos os casos apontados mostram que infelizmente a violência contra povos indígenas não é um fato isolado nem uma questão ultrapassada. O que se espera do poder público e do Judiciário é uma ação imparcial para que ocorra a efetiva proteção dos povos indígenas".
Crime
Acampados na terra indígena Takuara, na fazenda Brasília do Sul, indígenas da etnia Kaiowá sofreram ataques, entre os dias 12 e 13 de janeiro de 2003, de quatro homens armados que teriam sido contratados para agredi-los e expulsá-los daquelas terras. Armados com pistolas, eles ameaçaram, espancaram e atiraram nas lideranças indígenas. Veron, à época com 72 anos, foi encaminhado ao hospital com traumatismo craniano, onde faleceu.
Respondem pelo assassinato Estevão Romero, Carlos Roberto dos Santos, Jorge Cristaldo Insabralde e Nivaldo Alves de Oliveira. Em outubro de 2008, o MPF ofereceu denúncia contra outras 24 pessoas por envolvimento no crime.
por Lucia Morel
Capital News - 05/04/2010
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Assassinos de Marcos Veron se livram da cadeia
Por abilidade de um advogado de Mato Grosso do Sul os assassinos de Marcos Veron, morto há quatro anos, se livraram da cadeia. Uma das causas dessa liberação dada pelo STF foi o fato de um procurador do Ministério Público, Charles Pessanha, ter pedido o desforamento do caso, de Dourados para São Paulo.
Eis no que dá ser esperto demais. Os índios Guarani perderam com essa.
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Mato Grosso do Sul, Segunda-Feira, 11 de Junho de 2007 - 15:59
STF concede liminar a acusados pela morte de líder indígena
O STF (Supremo Tribunal Federal) concedeu nesta segunda-feira, liminar aos acusados pelo assassinato do líder indígena Marcos Veron, ocorrido em 2003, na fazenda Brasília do Sul, localizada no município de Juti. Desta forma, a Justiça já expediu o alvará de soltura de Estevão Romero, Carlos Roberto dos Santos e Jorge Cristaldo Insabralde, que estavam presos desde janeiro de 2003.
A liminar, concedida pelo Ministro Gilmar Mendes baseado nas argumentações do advogado de defesa, Josephino Ujacow, suspende o processo para examinar o problema da incompetência da Justiça Federal. Também pesou em favor da decisão do Supremo o pedido de desaforamento do julgamento feito pelo procurador da República Charles Pessoa, que colocou sob suspeita o júri e o juiz da Comarca de Dourados, Celso Schuc dos Santos. O pedido do procurador foi encaminhado ao TRF (Tribunal Regional Federal), que suspendeu o julgamento dos acusados que estava previsto para o dia 23 de abril deste ano.
Em sua defesa, Ujacow argumentou que o processo era nulo, já que a Justiça federal não é competente para julgar o caso, mas sim a Justiça estadual.
“A decisão do STF veio comprovar uma acusação injusta, veio coibir e exterminar uma injustiça praticada pela acusação, procurando ouvir apenas os índios, não dando credibilidade aos brancos”, disse o advogado de defesa, ao comemorar a liminar que coloca fora das grades os três suspeitos. Ainda, segundo o advogado, a pretensão do Ministério Público em transferir o julgamento para São Paulo não contém qualquer fomento jurídico, já que a lei processual penal impõe expressamente que, em caso de desaforamento, o julgamento será efetuado na comarca mais próxima. Além disso, Ujacow contesta as informações constantes dos autos do processo. “Esclareço que o indígena Marcos Veron não morreu em Juti, mas sim no hospital Evangélico de Dourados”.
Histórico
Pelas informações, o assassinato se deu por motivo de conflitos agrários. Marcos Veron liderou um grupo de cem pessoas na ocupação da fazenda Brasília do Sul, alvo de disputas entre índios e proprietários rurais. Eles alegam que a área é um local sagrado, habitado há séculos por seus antepassados. A fazenda se localiza no município de Juti, cerca de 300 Km de Campo Grande.
Em 2001 os índios foram despejados da fazenda por determinação da Justiça Federal, mas voltaram a ocupar a propriedade. Na madrugada do dia 13 de janeiro de 2003, um grupo de pistoleiros, teria atacado o acampamento dos índios e espancado Marcos Verón, que morreu cerca de oito horas depois, em um hospital de Dourados.
O laudo médico comprovou que a causa da morte foi traumatismo craniano. Reginaldo Verón, sobrinho de Marcos, levou um tiro na perna. Outros índios ficaram com escoriações.
via Mércio Gomes
12.06.2007
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