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Na avaliação do sociólogo português, protestos como os que ocorrem no norte da África e no Oriente Médio podem derrubar ditadores, mas para acabar com «o capitalismo» é preciso uma sinergia maior entre acções no âmbito global. «O desafio do FSM agora é renovar-se e encontrar uma forma de dialogar com os cidadãos não organizados», afirmou em Dacar, no Senegal.
Em 2003, as reações globais planejadas no Fórum Social Mundial contra a anunciada invasão do Iraque ganharam visibilidade em todo o planeta. No entanto, não foram eficazes a ponto de impedir o início da guerra mais brutal deste milênio.
Há poucos meses, o mundo despertou para novas formas de mobilização que, estas sim, têm se mostrado conseqüentes, com a queda do ditador Ben-Ali da Tunísia, a situação cada vez mais delicada do presidente do Egito, o também ditador Mubarak, além do crescimento dos protestos no Iêmen e Jordânia.
A pergunta colocada nesta quarta-feira (9) pelo sociólogo português Boaventura de Sousa Santos aos ativistas do FSM foi: como produzir muitos Cairos ao mesmo tempo a ponto de mudar o sistema?
“Nosso desafio é criar protestos sociais simultâneos e sincronizados em todo o mundo, com diferentes agendas políticas, mas convergentes na crítica aos Estados não legítimos. O que é novo no Cairo é que, ali, a partir da troca de informações, conseguiu-se uma sinergia na ação do ponto de vista nacional. Mas ainda não conseguirmos promover ações globais para desestabilizar o capitalismo”, disse.
“O tipo de protesto que existe no Cairo é eficaz para derrubar ditadores, mas não podemos passar de uma ditadura pró-Estados Unidos, pró-Israel, anti-Irã e anti-Islã para uma democracia pró-Estados Unidos, pró-Israel, anti-Irã, anti-Palestina. Precisamos de transformações mais profundas. Não para derrubar Ben-Alis e Mubaraks, mas para derrubar o sistema capitalista”, afirmou Boaventura.
Novos atores
Na busca deste objetivo, duas tarefas estariam colocadas para aqueles que batalham por um outro mundo possível. A primeira, acredita o sociólogo, é rever a diferença e a separação existente hoje entre sociedade civil organizada e cidadãos comuns, que podem cumprir um papel central nestes processos.
“Os protestos no Cairo passam à margem dos movimentos sociais. Sem dúvida não podemos entender o que acontece lá sem olharmos para as greves em curso no país há três anos, mas o que houve no Egito foram pessoas que não estavam necessariamente preparadas para a luta e, de repente, entraram em ação. Precisamos saber encontrar este momento”, analisou.
Essa constatação coloca um novo desafio para o Fórum Social Mundial, que passou os últimos anos discutindo, entre todos os seus temas, a relação que os movimentos teriam com os partidos políticos. Agora se mostra necessário considerar e conseguir envolver sobretudo a juventude não organizada no conjunto dos agentes de transformação social e política com os quais o FSM dialoga.
“O cara a cara no Fórum Social é fundamental. Mesmo com os problemas de organização que estamos tendo, estamos felizes de entrar em contato com tudo isso. A parte do mundo real vai ser sempre importante, porque não sei beber e dançar virtualmente, isso não me dá prazer”, ressaltou Boaventura.
Para ele, “precisamos de outra relação entre o mundo real e virtual. É preciso pensar em um outro formato, dar outra dimensão mais organizada e ativa para não perdermos a eficácia. Estamos sempre repensando o FSM, mas precisamos continuar a fazer isso para envolver outras pessoas”, acredita.
Ideologia e novas tecnologias
E é aí que se coloca a segunda tarefa levantada por Boaventura aos altermundistas: como descobrir onde os cidadãos e cidadãs não organizadas buscam ideologia? O caminho pode ter sido mostrado também pelos manifestantes que conseguiram derrubar Ben-Ali e agora pedem a cabeça de Mubarak: as novas tecnologias.
Para além de explorar o uso das redes sociais e da internet como um todo para a sensibilização dos povos em geral, o sociólogo português acredita que o WikiLeaks, como uma metáfora da comunicação insurgente, pode contribuir consideravelmente para a desestabilização do sistema capitalista.
“O WikiLeaks não é parte do movimento anti-capitalista. Mas vai contra os segredos das multinacionais e dos Estados. Precisamos saber como nos beneficiar das informações que estão disponíveis. O Fórum de Davos tem informações estratégicas às quais nós não temos acesso. O WikiLeaks poderia nos ajudar a produzir um relatório do mundo que queremos”, avalia.
A estratégia seria, portanto, conseguir se beneficiar deste conteúdo de forma mais célere do que imperialismo. Não deixar acontecer o mesmo que se passou com a Revolução Cubana, cuja viabilidade ainda estava sendo debatida pelas forças de esquerda enquanto os Estados Unidos já haviam criado um instrumento contra a revolução.
Para que tal cenário seja possível, o movimento altermundista precisa superar uma barreira criada pelo próprio WikiLeaks como uma forma de proteger sua credibilidade e possibilitar sua sobrevivência: a mediação dos grandes meios de comunicação do mundo.
A sugestão de Boaventura Souza Santos é que o Fórum Social Mundial solicite acesso aos dados do WikiLeaks antes de eles serem tratados pelos grandes jornais. “Há documentos que não interessam a eles e são muito ricos para nós. Muitas informações estratégicas para o movimento não foram divulgadas”, afirmou.
No Brasil, a mobilização da mídia alternativa já conseguiu fazer com que o WikiLeaks revisse sua forma de divulgação dos documentos no país. A partir da próxima semana, o público brasileiro vai poder escolher quais os temas que devem ser pesquisados no arquivo de documentos e publicados no site do WikiLeaks. Todos os pedidos serão publicados, e os temas mais pedidos terão prioridade.
Para a divulgação, o WikiLeaks construiu uma parceria com uma série de blogs e veículos independentes. Até agora, como acontece em todo o mundo, O Globo, Folha e WikiLeaks estavam usando seus critérios para julgar quais documentos seriam publicados. Dessa vez, o próprio público vai decidir, invertendo a lógica da produção da informação.
por Bia Barbosa
via Carta Maior
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