fotografia de Kader Attia na exposição Fronteiras, 8º Encontros de Fotografia de Bamako, até 28 de Agosto na Gulbenkian
Próximo Futuro é um programa Gulbenkian de Cultura Contemporânea dedicado em particular, mas não exclusivamente, à investigação e criação na Europa, na América Latina e Caraíbas e em África. O seu calendário de realização é do Verão de 2009 ao fim de 2011.
No âmbito da nova fase que tem início a 12 de Maio na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, fica a entrevista a António Pinto Ribeiro.
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[ENTREVISTA]
Como passa da dança para as questões interculturais e pós-coloniais?
A relação não é directa nem casual. Acontece que, depois da minha formação em Filosofia, na especialidade de Estética, fui convidado para criar um campo de estudos teóricos na recentíssima Escola Superior de Dança. Aceitei e pensei “vamos lá estudar”. E foram anos de leituras compulsivas sobre tudo o que havia sobre dança, corpo, coreografia. Poderia ter sido cinema, literatura, artes visuais, teatro que foram sempre áreas do meu interesse. A dança funcionou durante anos como a ponta de um iceberg. Depois, uma enorme curiosidade que me é própria, levou-me a ver espectáculos, filmes, concertos que não eram necessariamente da tradição ocidental e branca, o fascínio pelo continente africano e pelas questões de cultura e de ideologia a elas associadas conduziram-me ao multiculturalismo; inicialmente, diga-se, de uma forma muito inocente.
É o seu método de trabalho, uma curiosidade de abertura ao mundo?
Mais do que método, é uma forma de estar que tem consequências muito produtivas. Mas também estou em crer que, a determinada altura, uma certa fisicalidade e corporalidade presentes nestas experiências evocaram a minha infância e adolescência em África, o que me motivaria a revisitar alguns países africanos.
Até então como lidava com essas memórias?
Eram memórias muito gratas, associadas sempre a momentos de alegria e quietude como creio que são as de todos os que viveram a infância nas cidades cosmopolitas de Luanda e de Lourenço Marques. A consciência da guerra colonial e da problemática a ela associada, bem como do colonialismo só aconteceu já no final da adolescência em Lisboa aquando da Revolução. Por isso, nesta necessidade de revisitar o passado estava também implícita uma outra consciência política e, sobretudo, uma consciência de labor cultural.
Já havia um debate sobre o pós-colonial nalguns países europeus.
Vi em 1989 a exposição Les Magiciens de la Terre que foi determinante nos meus interesses, pela abordagem aos estudos de cultura e pós-coloniais, matérias pouco conhecidas em Portugal na década de 80.
A nenhuma alusão a estas questões em Portugal certamente prendia-se à história dos portugueses com África…
A problemática era de difícil abordagem. Portugal tinha deixado de ser um império colonial há pouco mais de uma dezena de anos e as universidades estavam muito enfeudadas a uma tradição de estudos de contornos muito etnocêntricos. A própria situação das comunidades imigrantes africanas estava longe de ser o que é hoje. Havia uma invisibilidade de natureza racista que não deixava ver estas comunidades. Recentemente estive a ler o manifesto programático da Culturgest, escrito em 1992, e as questões da interculturalidade e pós-coloniais já faziam parte das linhas orientadoras, ainda que de uma forma muito naif. Mas foi um dos aspectos mais importantes no eixo dessa programação e que conduziria o meu trabalho, quer o de natureza de programação, quer o de investigação. Ao reforçar esta minha pesquisa, foi-me possível conciliar um lado de programação de obras de arte e de culto não ocidentais, recusando sempre a ideia do artesanal e folclórico.
(longe de ser condescendente, também era preciso ter em conta que os modos de produção são outros e integrar as obras nos seus contextos)
Permitiu a apresentação de uma programação que tem a ver com outra contemporaneidade. E isso era preciso explicar e contextualizar. Esse lado de pesquisa e investigação, com os contributos das teorias sobre os géneros e pós-coloniais, foi muito importante. Mas sempre tentei evitar qualquer tipo de gueto, de nichos discriminatórios.
E parece-me que incluir reflexão e não apenas divulgação é uma linha muito sua… Sempre se interessou por cruzar o mundo teórico com propostas artísticas?
Acho essencial, em todas as instituições, que a linha de programação seja comunicada. No meu entender a programação cultural decorre de um contrato entre os públicos e os artistas ou os autores. O programador é um mediador mas, nesse contrato que faz, deve anunciar aos parceiros a sua missão, as suas opções e a razão das mesmas. A programação cultural baseia-se numa linha de argumentação cujo destinatário é um auditório tendencialmente universal. Por outro lado, os públicos devem ter acesso a chaves de aproximação ao que lhes é apresentado, o seu modo original de produção, se já foi apresentado noutro contexto, etc. Torna tudo muito mais claro e resgata a legitimidade que não teria se não fosse devidamente informado. Isso pode ser feito de forma interessante e criativa. A programação cultural é uma actividade fascinante que tem tanto de risco como de fruição e de partilha raras. Mas exige uma atenção permanente e um cuidado com os públicos, artistas, formadores de massa crítica e uma vigilância permanente sobre o poder que se adquire nesta actividade. É fulcral uma auto-crítica permanente que não permita que se substitua ao artista nem ao público, sem contudo ceder a gostos massificadores ou à pressão daqueles que acham que representam os artistas.
Nos primeiros tempos houve resistência às suas sugestões mais fora do cânone ocidental?
Não houve, de facto, um entusiasmo inicial. No imediato teria sido mais fácil seguir modelos de sucesso já existentes. A médio prazo teriam falido. Recordo situações difíceis como em 1995. Na Culturgest propus, com o António Loja Neves, o primeiro grande ciclo de cinema de África, eram 114 filmes, desde os primórdios aos mais actuais. Lembro-me de entrar uma noite no auditório e estarem apenas nove pessoas a ver um filme extraordinário. Fiquei estupefacto sem perceber porque aquilo não seria interessante para os públicos. Acho que por várias razões: era o início da Culturgest; no imaginário das pessoas África correspondia, para uma determinada comunidade magoada e traumatizada, a alguma coisa que não estavam interessados em reviver; para outros, por manifesta ignorância, a amadorismo - de África não esperavam grande coisa. Havia preconceitos e falta de práticas que inibiam a adesão. O Miguel Hurst queixava-se de que não havia teatro africano e eu disse-lhe “tome lá as condições de produção mínimas e crie uma companhia e faça uma peça”. Fez o Museu do Pau Preto e depois foi viver para Angola e a companhia acabou. Ou seja, estava tudo por criar, não havia uma comunidade africana em Portugal que se assumisse e explicitasse como massa crítica e artística. Penso que hoje a situação está incomparavelmente melhor. Mas é justo mais uma vez afirmar o apoio permanente da administração da Culturgest de então nesta programação de risco e minoritária.
Desde esse início até ao Próximo Futuro de hoje, percepciona grandes diferenças a nível da recepção?
Não há comparação. Mas tem a ver com as dinâmicas da globalização, com as dinâmicas culturais de Portugal, com as mudanças no mundo. O estatuto que a música africana, mais ou menos electrónica mais ou menos revivalista, tem nas agendas da dança e djs é um fenómeno impressionante. Isso teve uma importância enorme na captação de novos públicos. E há hoje uma visão menos “rasta” da música africana que consegue atingir outro público, capaz de gostar de coisas norte-americanas, europeias ou brasileiras e que consegue conciliar modernidade com África.
A interculturalidade já é um discurso vigente mas ainda funciona um pouco como “moda”, pouco problematizada na vida comum e nas manifestações culturais que, em certa medida, recusam-se a confrontar os aspectos conflituosos. Qual é a sua postura diferenciadora da típica abordagem institucional e despolitizada ao intercultural?
Não tenho nada a ideia de uma cultura abrangente, homogénea e pacificadora. Não há sequer cultura mas, sim, culturas que estão em confronto, em conflito e por vezes em diálogo. Uma determinada expressão cultural resulta de uma expectativa que um grupo tem em relação à cultura e ao mundo mas também na sua carga hereditária, naquilo que os anglo-saxónicos chamam, e bem, heritage. Naturalmente que, por tradição ou expectativa, muitas destas culturas e grupos entram em conflito. Pode ser produtivo, desde que se assuma isso como algo normal que faz parte da democracia. À medida que há negociação entre grupos e expressões culturais, onde a intervenção na cidade, a política e questões sociais não podem ser substituídos pela cultura, encontramo-nos numa situação democrática e rica. As produções culturais devem traduzir isto.
O que é para si a verdadeira interculturalidade?
No mais vasto conceito, a interculturalidade pode constituir uma estratégia de negociação cultural que conduz à construção de um projecto político de transformação das sociedades multiculturais. E alguns equívocos ou afirmações demagógicas são desde já de evitar. O primeiro de todos é o de que a cultura e pela cultura se resolvem os conflitos e os antagonismos. Nada de mais errado. A cultura pode constituir uma plataforma de aproximação, um modo negocial, mas nunca resolverá os grandes antagonismos, as grandes diferenças de interesses. Em caso algum, devemos pois deslocar para a cultura os problemas específicos das esferas da política, da economia e da religião. O segundo equívoco é pensar que a cultura é um bem e que, per si, contagia de bondade toda a acção humana. No que uma estratégia intercultural pode ser útil é no esclarecimento, tornando claros os conflitos e as suas razões, mas nem sempre eliminando-os. Aliás, a interculturalidade não pressupõe um reino definitivo da paz, inclui sim a possibilidade de tensão desejavelmente produtiva. Um último equívoco que se coloca é o que tende a divorciar os fundamentos culturais dos religiosos ou, pelo contrário, reduzir ao religioso. Desde T.S. Elliot pelo menos, que devemos saber que as culturas estão impregnadas de religião, o que se reflecte na produção cultural. E é assim que podemos falar de uma cultura cristã, presente mesmo em autores laicos, ou de artistas hindus e que, portanto, a interculturalidade transporta sempre traços de interreligiosidade.
Um quarto é aquele que concebe o interculturalismo como um diálogo entre blocos culturais homogéneos, em que todos os membros de uma cultura se identificam de uma forma absoluta. Na verdade, não existem blocos culturais homogéneos, e na mesma região cultural há ricos e pobres, mulheres e homens. E as pessoas identificam-se e agrupam-se também por clubes, orientações sexuais, associações profissionais, o que permite, por um lado, estabelecer pontes de comunicação entre regiões culturais diferentes e, por outro, encontrar fissuras entre membros das mesmas regiões.
A interculturalidade não é, pois, uma ideologia. Como estratégia, é uma forma inovadora de conviver e co-habitar nas sociedades contemporâneas, com a diversidade de grupos culturais e étnicos. De algum modo, é o estado mais evoluído da democracia mas, tal como esta, exige uma construção permanente e diária. É importante reconhecer igualmente que a interculturalidade faz-se a partir de vários pontos de partida, e não pode resultar de uma legislação ou normatização regrada apenas pela comunidade que acolhe. Supõe, por isso, uma negociação cultural cujo limite é a rejeição de todo e qualquer sofrimento infringido a alguém, a exclusão social, religiosa ou sexual.
Finalmente, tanto ou mais importante do que o já existente património cultural das diásporas, é admitir e até estimular a combinação cultural e o sincretismo que constituem o melhor índice de interculturalidade contemporânea. Só uma prática cultural e um programa político que combata o ressentimento face ao passado e privilegie o futuro tem a ver com a interculturalidade e a sua prática.
Ao encomendar os filmes do Tão Perto e Tão Longe, para resgatar o percurso dos objectos, remete para a lacuna na memória dos próprios povos de onde os mesmos surgiram. Com assimilações e transformações tão rápidas, perdeu-se um sentido de pertença, daí a importância do conhecimento do processo, do que foi sucedendo. As culturas não-europeias, na sua auto-estima e identidade (sem cair em nacionalismos e tradicionalismos), precisam de saber que tiveram imensa influência nos processos histórico-sociais para a própria cultura europeia se desenvolver como tal.
Há uma coisa importante: nos últimos 20 anos apareceu um conjunto de pessoas, intelectuais e artistas, a investigar a sério e a criar narrativas sobre o período colonial. Um passo tão importante quanto este seria o de serem capazes de criar narrativas sobre o período pré-colonial. Que está esquecido. É preciso resgatá-las, porque as do tempo colonial são narrativas de perda permanente, do período pré-colonial são da maior elevação. Tudo o que eram príncipes do Benim, as riquezas, a costa até ao Congo, a Líbia que originariamente queria dizer África e os etíopes que era um termo que designava todas as pessoas de pele negra…
A História da África Negra do Elikia M’Bokolo mostra como o período colonial é apenas um capítulo dentro de uma imensa e grandiosa história. É preciso conhecer a fundo estes outros tempos, até porque as narrativas mais recentes e a necessidade de inventar heróis tendem a construir-se sobre muitos equívocos de supostas tradições.
É muito importante criar modos e centros de investigação sobre as percepções e representações de África, quer a partir do exterior, quer do seu interior. Há todo um universo de factos, narrativas, representações a descobrir e construir e que agora podem ser finalmente elaboradas e será concerteza intelectualmente fascinante.
Quando não conheço não procuro nada. De uma forma geral costumo-me informar antes sobre a cidade: autores, filmes, paisagem, lugares. Posso já chegar com um certo imaginário e fantasias construídas, mas são as pessoas e situações no local que decidem a impressão com que regresso porque hoje regressa-se sempre, não é verdade? O contexto de viajar em trabalho é produtivo porque se trata de situações reais, nada a ver com o turista perdido, deslumbrado ou desgostoso. É a própria cidade que me estimula a escrever num ou noutro sentido.
Há uma linha de continuidade nas suas viagens?
São viagens de trabalho relacionadas com o universo cultural, e as cidades têm os seus circuitos, seja em Burquina Fasso ou em Santiago do Chile há uma livraria, cinema, palestras, e cidadãos da rua, o que me fascina muito. As zonas rurais já serão muito diferentes.
Pode ir a Buenos Aires, Tóquio, Xangai, Rio e chamam-lhe a atenção os elementos comuns da cultura urbana, o café, a livraria, a sala de espectáculos…
As estruturas urbanas até podem ser semelhantes mas as maneiras como são vividas e ocupadas são diferentes e é dessa diferença que resulta a condição de se ser viajante. Uma livraria na Amazónia é uma livraria mas não tem nada a ver com uma livraria convencional de Paris. Existe uma diferenciação nas estruturas mais formais, a forma como se organizam, como atendem, e são as pessoas, o seu modo coreográfico de ocuparem a cidade, que continuam a marcar. E ainda há os chamados choques culturais. Viaje para o interior da China e sentir-se-á perdida apesar do I-phone, do I-pad e do domínio do inglês. As estruturas culturais, na sua profundidade, são muito lentas na sua mudança.
Que cidades o surpreenderam mais?
Depende da recepção, das experiências emocionais, do maior ou menos grau de estranheza ou de habituação, das pessoas com quem convivi… Talvez o Rio de Janeiro me tenha marcado inevitavelmente. E Santiago do Chile e a Cidade do Cabo, enfim…
Expressa um certo incómodo com os turistas culturais, visitantes de festivais, por exemplo no Fespaco (em Burquina Fasso), que revelam um paternalismo desajustado para com aquilo que corre mal em África. Como se contorna essa atitude sem cair no reaccionarismo?
É preciso ser exigente. Perceber o contexto e ser exigente em função disso. Há coisas que não posso exigir em Ouagadougou como se estivesse em Berlim, mas tenho direito e o dever de exigir a dignidade em qualquer parte do mundo. De facto não pactuo com a condescendência nem com o paternalismo de contornos sempre muito coloniais.
A nível de políticas culturais com estes países, quais são os piores defeitos da cooperação?
Não há qualquer política cultural.
Os Centros Culturais, provenientes do período cultural, enquanto mecanismos de controlo, de representações nacionalistas e promoção da língua, em alguns casos conseguiram transformar-se em plataformas interessantes de produção articuladas com artistas locais, mas é muito raro. Porquê?
O que acontece na maior parte das situações em África é que os grandes centros culturais das cidades são a única coisa que existe, então a responsabilidade é grande. Depende muito do director do centro: quando as pessoas são activas, interessadas, inteligentes, cultas as coisas correm bem. São as únicas plataformas possíveis de entendimento entre os artistas e intelectuais que lá se encontram e o lugar para apresentar produção local. Acho fulcral que os Centros Culturais Portugueses, por exemplo, possam apresentar programações de França ou Itália como o reverso também deve ser válido pois, afinal, são o lugar de apresentação das produções africanas. Não é o que acontece, normalmente são coisas bacocas, nacionalistas e anacrónicas. Nos casos dos Centros Portugueses as pessoas estão lá há 15 anos sem relação com a cultura contemporânea portuguesa a representar uma portugalidade que só existe na cabeça deles, e sempre se sentiram estranhos no país onde estão. Com excepções, é certo.
Isto parte de um problema maior de não haver articulação, nem estratégia, nem investimento. Como experiências interessantes, refere o caso da política cultural brasileira. O que temos a aprender com o Brasil nesse capítulo?
Imenso, a capacidade que eles tiveram de criar organizações intermédias entre as grandes instituições e o nada. Os Pontos de Cultura foram das coisas mais interessantes pois correspondem à escala do lugar onde foram instalados, às necessidades com um elevado grau de exigência.
Sim, estamos no meio do Acre e no Ponto de Cultura disponibiliza-se equipamento para filmar e computadores, tudo isso também impele a um aumento da qualidade…
Temos a aprender a nível de uma coisa impressionante que eles descobriram: um país precisa de ter imagens de si próprio, um país precisa de se auto-representar e o melhor mecanismo é o cinema. Portanto, o investimento em cinema não é ingénuo.
E assim passaram de oito longas-metragens por ano para mais de cem actualmente e com presença regular de filmes brasileiros nas salas de cinema.
E os festivais, o enorme apoio à produção e distribuição. Depois outro aspecto: criaram a cadeira de história da presença negra no Brasil. Tiveram de formar 20 mil professores, reforçaram no Canal Futuro, acompanham estas situações. Mostram capacidade de ousar, tentar, arriscar…
Não têm tanto o nosso cinto da razão.
Nós somos demasiado agrilhoadas, vá-se lá saber a quê…
Que mais-valia a cultura da mobilidade em que vivemos traz ao contexto cultural português, na criação de pontes, co-produções? Há alguma estratégia ao mandar-se as pessoas para fora?
A ideia de que as pessoas têm de viajar e confrontar-se com outras culturas é o legado mais interessante do Iluminismo europeu. Esta geração de hoje, a Erasmus, é muito mais rica em termos de experiência cosmopolita do que anteriores. São experiências individuais, muito pouco será programático, mas sobre eles deixou de existir o estigma do “estrangeirado”. Quanto aos programas Inov, a ideia é muito válida e generosa, mas na maioria deles a estratégia está errada, nomeadamente no que diz respeito aos processos de avaliação do estágio e sobretudo no desaproveitamento que se faz no regresso dessas experiências no estrangeiro.
Voltando à sua programação, continua a equilibrar a produção europeia com estes estímulos de fora, que nos fazem repensar o nosso próprio esgotamento criativo.
Acho que é muito estimulante. Houve uma fase em que a programação era para dar visibilidade a produções não europeias que mereciam ser vistas. Essa fase foi bem cumprida. Mas queria que concebêssemos como um lugar em que se criasse coisas novas a partir do que já foi a sua História, já não se trata de montra e mostra, implica ter um público e comunidade de artistas que olhe para isto de uma maneira diferente. Estou muito grato com o facto de o jardim Gulbenkian se ter tornado lugar de deleite de chineses, ucranianos, e que pessoas muito jovens tenham perdido o medo de frequentar lugares de cultura.
É preciso deixar de sacralizar os espaços culturais…
É uma possibilidade de ter uma comunidade artística que partilha daquilo como estímulo à produção, para além de um primeiro grau de curiosidade…
No que toca à responsabilização dos artistas, consegue distinguir os que são permeáveis às agendas e temas de modismos dos que realmente têm algo a dizer?
Faço um esforço para que isso aconteça. Tenho muita consideração pelos artistas, acho que são imprescindíveis a qualquer cidade e comunidade, têm uma enorme responsabilidade, pois lidam com emoções e fragilidade humana. Mas a minha relação com eles é prolongada no tempo, é de acompanhamento, não desejo ter qualquer tipo de intimidade com um artista só porque ele é artista. Interessam-me as obras, os discursos, os processos, não me interessa a sua privacidade; claro que há sempre relações que ultrapassam a dimensão laboral.
A seguir ao programa Próximo Futuro, que acabará este ano, o que vai fazer?
Não faço ideia: continuarei concerteza a dar aulas nas universidades, se possível, a escrever. Entretanto pedi à administradora do pelouro que a Fundação fizesse uma avaliação do Programa, algo que é fundamental, veremos…
publicado no Buala.org
foto: Lilia Benzid
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ANTÓNIO PINTO RIBEIRO
O programa “Próximo Futuro” inaugurou dia 20 de Junho na Fundação Calouste Gulbenkian e das suas actividades vão fazer parte conferências, música, cinema e outros projectos diversos. Dedicado em particular à investigação e à criação na Europa, América Latina, Caraíbas e África, este programa será mais uma das contribuições da Fundação Calouste Gulbenkian para a reflexão sobre a contemporaneidade. António Pinto Ribeiro, programador do “Próximo Futuro” falou-nos de alguns dos desafios que este projecto tem pela frente.por Joana Lucas
Arte Capital - Lisboa, Junho de 2009
P: O programa “Próximo Futuro” vem de alguma forma na sequência dos programas anteriores “O estado do Mundo” e “Distância e Proximidade”. Quando “O estado do Mundo” abordou alguns dos desafios da globalização, o “Distância e Proximidade” as questões do multiculturalismo, acha que o programa “Próximo Futuro” pode ser visto como uma espécie de desfecho desse ciclo de debates sobre as questões da contemporaneidade?
R: Não sei se será o desfecho mas é com certeza uma continuidade dos dois programas anteriores. O que aconteceu foi que “O estado do Mundo” formulou um conjunto de problemas e apresentou também algumas soluções num determinado contexto. Essas questões acabaram por desenvolver outras e felizmente acho que este é um processo sempre inacabado. Há um discreto historiador, o Aby Warburg, que tinha uma teoria extraordinária acerca dos livros afirmando que cada um deles buscava o seu melhor vizinho. Na minha perspectiva este programa também funciona desta forma: cada espectáculo procura um espectáculo, cada seminário procura um seminário. Para já não faço ideia qual será o conjunto de actividades até 2011 mas espero que se siga este processo.
P: Precisamente, o “Próximo Futuro” tem uma duração maior, estando previsto que dure até 2011. Porque é que ele foi concebido com mais fôlego em comparação com os anteriores?
R: Uma das razões é de natureza material: é possível que isto venha a acontecer porque o meu contrato com a Fundação Gulbenkian acaba no final de 2011 e tenho tempo para programar com a ponderação necessária. Por outro lado, a experiência de “O Estado do Mundo”, que durou um ano e meio, deu-me a ideia de que era possível constituir um programa que pudesse estender-se mais no tempo pois havia bolsas de público suficientemente interessadas no desenvolvimento de um projecto deste género. Ao mesmo tempo, há uma linha de investigação e de produção teórica que só tem sentido se for pensada a médio prazo, da qual se espera a saída de algum conjunto de teses ou de teorias. Nela vão estar envolvidos dezoito centros de investigação em Portugal, que com certeza têm uma grande expectativa sobre o resultado dessas reuniões. Desse ponto de vista era também importante que este programa cimentasse um trabalho continuado.
P: Sendo que maior parte desses dezoito centros de investigação são da área das ciências sociais e que esta colaboração não aconteceu de forma tão evidente nos programas anteriores, o que é que espera que a colaboração com esses centros de investigação possa trazer ao “Próximo Futuro”?
R: No “O Estado do Mundo” houve colaboração com alguns mestrados da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade Católica. Houve também alguns cursos de várias universidades que participaram de uma forma mais passiva e que vinham apenas assistir às conferências. No caso concreto do “Próximo Futuro” estes centros vão introduzir no seu calendário linhas próprias de investigação que tenham a ver directamente com o programa e há já investigadores que estão a começar a trabalhar nas áreas adjacentes. A minha ideia é que este possa ser um fórum permanente de investigação com uma componente fortemente internacional e que envolva especialistas em várias áreas.
P: O facto do “Próximo Futuro” ter iniciado as suas actividades teóricas com uma conferência do Nicolas Bourriaud, visando a discussão da proposta do conceito de Altermodernidade, pode ser visto como uma procura de respostas aos desafios e às questões suscitadas pelos anteriores programas? Este programa procura essas respostas?
R: O programa procura sobretudo encontrar formulações adequadas aos tempos de hoje. Não sei se encontrará respostas mas o que eu considero um sinal dos nossos tempos é a própria dificuldade na formulação de perguntas. A tentativa será de desenvolver um conjunto de enunciados que nos ponham frente ao mundo contemporâneo. A conferência do Nicolas Bourriaud acontece por várias razões: a primeira é porque penso que ele tem uma proposta interessante, mas não é nem a única nem é aquela que pode enformar todo o programa “Próximo Futuro”. É uma proposta que tem tido um debate importante em toda a Europa, sobretudo depois da realização da Trienal da Tate Britain, quer nos media quer nas universidades. Claro que houve pessoas a favor e pessoas contra, mas considero que entre nós existe tanta falta de debate, sobretudo a uma escala internacional, que era importante trazê-lo. Ele colocou as suas questões, infelizmente não houve tantas perguntas como seria desejável, mas aí está a formulação de um problema sobre o qual vale a pena reflectir. A par desta conferência haverá mais um conjunto delas e posso quase garantir que o Néstor Canclini virá a Portugal, e esse vai ser igualmente um momento importantíssimo do nosso programa. Também o filme de Paul Virilio, “Penser la Vitesse” que passará no dia 8 de Julho é um documento notável e incontornável que parte do princípio que a contemporaneidade não é estática. Nós de alguma forma não nos acomodamos à ideia da contemporaneidade quer espacial quer temporal pois ela não é estática. Outros olhares mais descentrados do que aqueles que nos chegam do Atlântico Norte, aos quais estamos mais habituados, são muito importantes e podem trazer-nos algo de novo.
P: No texto que assina e que dá o mote ao “Próximo Futuro” fala da necessidade de novas narrativas, isto depois de os anteriores programas terem tido convidados como o Homi Bhabha e o Arjun Appadurai que são personagens da diáspora e surgem no contexto dos estudos pós-coloniais. No entanto existe essa falta de “novas narrativas” que não tenham de se construir exclusivamente na diáspora ou que necessitem dela para se afirmar. Qual é a dificuldade de as encontrar quando o “Próximo Futuro” aponta para contextos geográficos como África, América Latina e Caraíbas?
R: Em relação à primeira parte da sua pergunta é inacreditável como há três anos atrás o campo dos estudos culturais e pós-coloniais era uma realidade relativamente vaga entre nós. Foi por isso que na altura achei que era importante a apresentação dessas propostas. Era algo que não se podia adiar mais. Penso que visto à distância “O estado do Mundo” foi um programa clássico, mas foi algo que fazia sentido naquele momento preciso. Agora o que é importante é ter novos protagonistas que não sejam globetrotters. Contudo há problemas que se colocam e que têm a ver com as distâncias físicas e geográficas que são impedimentos reais à circulação de pessoas. Há outro problema que é o do acesso à informação, ou seja, para conhecer o trabalho dessas pessoas é necessário existirem redes especializadas. É precisamente isso que tenho vindo a desenvolver há alguns anos e que é importante para conhecer o trabalho de algumas pessoas que vivem nestes países e que têm as suas redes locais. Em alguns casos essas pessoas, por não frequentarem as grandes universidades mainstream, têm menos acesso às fontes de informação privilegiadas, mas isso não quer dizer que não sejam absolutamente extraordinárias e que não tenham um discurso bastante inovador construindo narrativas novas quer em relação a si próprias quer em relação a nós. O que este programa tem de confortável é precisamente permitir que algumas dessas pessoas venham pela primeira vez até Portugal. Ao mesmo tempo há um desafio pelo facto de não serem muito conhecidas nem serem grandes estrelas que atraem multidões.
P: Mas acha que é possível a “procura” dessas “novas narrativas” sem uma certa dose de paternalismo e sem cair no exotismo?
R: Do meu ponto de vista acho que sim. Como sabe nestas questões a atitude do receptor também é fundamental. Acho que em alguns casos vamos ficar absolutamente surpreendidos com a qualidade dessas narrativas e sobretudo com a sua erudição porque muitas destas pessoas têm o “benefício” da periferia: leram tudo aquilo que nós europeus lemos e mais aquilo que os americanos escreveram e mais aquilo que eles próprios produziram, e isso é uma vantagem enorme.
P: Enquanto lia os textos de apoio à programação descobri a Ruth Simbao, que desconhecia e me interessou bastante, sobretudo pelo facto de questionar a utilização de uma africanidade, com ou sem aspas, pela arte contemporânea. Depois li o texto do Alberto da Costa e Silva que está precisamente nos antípodas do texto da Ruth Simbao, ao recriar uma espécie de cenário idílico de convivência entre África e Brasil. Não estando a falar da mesma coisa, são visões completamente distintas em relação ao “outro” e o facto desses dois textos se apresentarem juntos como textos principais do “Próximo Futuro” levou-me a pensar se seria ou não contraditório tê-los ali a ambos… Acha que é importante que estas duas posturas convivam na discussão das temáticas do programa?
R: Creio que sim, e que é bom que convivam com tudo o que têm de contraditório. Acho muito fascinante o seu comentário porque na realidade o Alberto da Costa e Silva é um pioneiro neste tipo de estudos e é um dos grandes especialistas nestas questões em que começou a trabalhar há sessenta anos. Contudo, e como muitos outros dessa geração, ele é de algum modo um herdeiro do luso tropicalismo, mas era importante conhecer o Alberto da Costa e Silva independentemente da sua “linha”, independentemente de acharmos que ele poderia ser revisto. Gosto de manter algum respeito pelas pessoas que foram fundamentais para aquilo que nós hoje pensamos. O Alberto da Costa e Silva escreveu o referido texto no hospital o que foi de uma generosidade imensa e pela qual lhe ficarei profundamente grato. Mas creio que vai haver situações de inevitável confronto, por exemplo entre intelectuais e pensadores do norte de África e da África subsahariana. Tudo isso pode ser muito interessante.
P: Há também uma certa ideia de urgência e de preocupação com o tempo que percorre todo o programa. Acha que hoje em dia devemos apontar a nossa intervenção para o futuro mais do que para o presente?
R: De algum modo podemos intervir no futuro. O tempo hoje é tão comprimido e tão veloz que a capacidade em intervir directamente no presente está muito relativizada…
Programa "Próximo Futuro". Fundação Calouste Gulbenkian
Programa "Distância e Proximidade". Fundação Calouste Gulbenkian
Programa "O Estado do Mundo". Fundação Calouste Gulbenkian
Programa "Próximo Futuro". Projecto Toldos e Poemas no Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian
Programa "Próximo Futuro". Cinema ao Ar Livre no Anfiteatro na Fundação Calouste Gulbenkian. © Catarina Botelho
Programa "Próximo Futuro". Música/Concerto: Orquestra Imperial.
Programa "Próximo Futuro". Projecto Toldos e Poemas no Jardim da Fundação Gulbenkian
Programa "Próximo Futuro". Projecto "A Casa" de José Bechara. © Catarina Botelho
Programa “Próximo Futuro”. Projecto Toldos e Poemas no Jardim da Fundação Gulbenkian
R: Não sei se será o desfecho mas é com certeza uma continuidade dos dois programas anteriores. O que aconteceu foi que “O estado do Mundo” formulou um conjunto de problemas e apresentou também algumas soluções num determinado contexto. Essas questões acabaram por desenvolver outras e felizmente acho que este é um processo sempre inacabado. Há um discreto historiador, o Aby Warburg, que tinha uma teoria extraordinária acerca dos livros afirmando que cada um deles buscava o seu melhor vizinho. Na minha perspectiva este programa também funciona desta forma: cada espectáculo procura um espectáculo, cada seminário procura um seminário. Para já não faço ideia qual será o conjunto de actividades até 2011 mas espero que se siga este processo.
P: Precisamente, o “Próximo Futuro” tem uma duração maior, estando previsto que dure até 2011. Porque é que ele foi concebido com mais fôlego em comparação com os anteriores?
R: Uma das razões é de natureza material: é possível que isto venha a acontecer porque o meu contrato com a Fundação Gulbenkian acaba no final de 2011 e tenho tempo para programar com a ponderação necessária. Por outro lado, a experiência de “O Estado do Mundo”, que durou um ano e meio, deu-me a ideia de que era possível constituir um programa que pudesse estender-se mais no tempo pois havia bolsas de público suficientemente interessadas no desenvolvimento de um projecto deste género. Ao mesmo tempo, há uma linha de investigação e de produção teórica que só tem sentido se for pensada a médio prazo, da qual se espera a saída de algum conjunto de teses ou de teorias. Nela vão estar envolvidos dezoito centros de investigação em Portugal, que com certeza têm uma grande expectativa sobre o resultado dessas reuniões. Desse ponto de vista era também importante que este programa cimentasse um trabalho continuado.
P: Sendo que maior parte desses dezoito centros de investigação são da área das ciências sociais e que esta colaboração não aconteceu de forma tão evidente nos programas anteriores, o que é que espera que a colaboração com esses centros de investigação possa trazer ao “Próximo Futuro”?
R: No “O Estado do Mundo” houve colaboração com alguns mestrados da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade Católica. Houve também alguns cursos de várias universidades que participaram de uma forma mais passiva e que vinham apenas assistir às conferências. No caso concreto do “Próximo Futuro” estes centros vão introduzir no seu calendário linhas próprias de investigação que tenham a ver directamente com o programa e há já investigadores que estão a começar a trabalhar nas áreas adjacentes. A minha ideia é que este possa ser um fórum permanente de investigação com uma componente fortemente internacional e que envolva especialistas em várias áreas.
P: O facto do “Próximo Futuro” ter iniciado as suas actividades teóricas com uma conferência do Nicolas Bourriaud, visando a discussão da proposta do conceito de Altermodernidade, pode ser visto como uma procura de respostas aos desafios e às questões suscitadas pelos anteriores programas? Este programa procura essas respostas?
R: O programa procura sobretudo encontrar formulações adequadas aos tempos de hoje. Não sei se encontrará respostas mas o que eu considero um sinal dos nossos tempos é a própria dificuldade na formulação de perguntas. A tentativa será de desenvolver um conjunto de enunciados que nos ponham frente ao mundo contemporâneo. A conferência do Nicolas Bourriaud acontece por várias razões: a primeira é porque penso que ele tem uma proposta interessante, mas não é nem a única nem é aquela que pode enformar todo o programa “Próximo Futuro”. É uma proposta que tem tido um debate importante em toda a Europa, sobretudo depois da realização da Trienal da Tate Britain, quer nos media quer nas universidades. Claro que houve pessoas a favor e pessoas contra, mas considero que entre nós existe tanta falta de debate, sobretudo a uma escala internacional, que era importante trazê-lo. Ele colocou as suas questões, infelizmente não houve tantas perguntas como seria desejável, mas aí está a formulação de um problema sobre o qual vale a pena reflectir. A par desta conferência haverá mais um conjunto delas e posso quase garantir que o Néstor Canclini virá a Portugal, e esse vai ser igualmente um momento importantíssimo do nosso programa. Também o filme de Paul Virilio, “Penser la Vitesse” que passará no dia 8 de Julho é um documento notável e incontornável que parte do princípio que a contemporaneidade não é estática. Nós de alguma forma não nos acomodamos à ideia da contemporaneidade quer espacial quer temporal pois ela não é estática. Outros olhares mais descentrados do que aqueles que nos chegam do Atlântico Norte, aos quais estamos mais habituados, são muito importantes e podem trazer-nos algo de novo.
P: No texto que assina e que dá o mote ao “Próximo Futuro” fala da necessidade de novas narrativas, isto depois de os anteriores programas terem tido convidados como o Homi Bhabha e o Arjun Appadurai que são personagens da diáspora e surgem no contexto dos estudos pós-coloniais. No entanto existe essa falta de “novas narrativas” que não tenham de se construir exclusivamente na diáspora ou que necessitem dela para se afirmar. Qual é a dificuldade de as encontrar quando o “Próximo Futuro” aponta para contextos geográficos como África, América Latina e Caraíbas?
R: Em relação à primeira parte da sua pergunta é inacreditável como há três anos atrás o campo dos estudos culturais e pós-coloniais era uma realidade relativamente vaga entre nós. Foi por isso que na altura achei que era importante a apresentação dessas propostas. Era algo que não se podia adiar mais. Penso que visto à distância “O estado do Mundo” foi um programa clássico, mas foi algo que fazia sentido naquele momento preciso. Agora o que é importante é ter novos protagonistas que não sejam globetrotters. Contudo há problemas que se colocam e que têm a ver com as distâncias físicas e geográficas que são impedimentos reais à circulação de pessoas. Há outro problema que é o do acesso à informação, ou seja, para conhecer o trabalho dessas pessoas é necessário existirem redes especializadas. É precisamente isso que tenho vindo a desenvolver há alguns anos e que é importante para conhecer o trabalho de algumas pessoas que vivem nestes países e que têm as suas redes locais. Em alguns casos essas pessoas, por não frequentarem as grandes universidades mainstream, têm menos acesso às fontes de informação privilegiadas, mas isso não quer dizer que não sejam absolutamente extraordinárias e que não tenham um discurso bastante inovador construindo narrativas novas quer em relação a si próprias quer em relação a nós. O que este programa tem de confortável é precisamente permitir que algumas dessas pessoas venham pela primeira vez até Portugal. Ao mesmo tempo há um desafio pelo facto de não serem muito conhecidas nem serem grandes estrelas que atraem multidões.
P: Mas acha que é possível a “procura” dessas “novas narrativas” sem uma certa dose de paternalismo e sem cair no exotismo?
R: Do meu ponto de vista acho que sim. Como sabe nestas questões a atitude do receptor também é fundamental. Acho que em alguns casos vamos ficar absolutamente surpreendidos com a qualidade dessas narrativas e sobretudo com a sua erudição porque muitas destas pessoas têm o “benefício” da periferia: leram tudo aquilo que nós europeus lemos e mais aquilo que os americanos escreveram e mais aquilo que eles próprios produziram, e isso é uma vantagem enorme.
P: Enquanto lia os textos de apoio à programação descobri a Ruth Simbao, que desconhecia e me interessou bastante, sobretudo pelo facto de questionar a utilização de uma africanidade, com ou sem aspas, pela arte contemporânea. Depois li o texto do Alberto da Costa e Silva que está precisamente nos antípodas do texto da Ruth Simbao, ao recriar uma espécie de cenário idílico de convivência entre África e Brasil. Não estando a falar da mesma coisa, são visões completamente distintas em relação ao “outro” e o facto desses dois textos se apresentarem juntos como textos principais do “Próximo Futuro” levou-me a pensar se seria ou não contraditório tê-los ali a ambos… Acha que é importante que estas duas posturas convivam na discussão das temáticas do programa?
R: Creio que sim, e que é bom que convivam com tudo o que têm de contraditório. Acho muito fascinante o seu comentário porque na realidade o Alberto da Costa e Silva é um pioneiro neste tipo de estudos e é um dos grandes especialistas nestas questões em que começou a trabalhar há sessenta anos. Contudo, e como muitos outros dessa geração, ele é de algum modo um herdeiro do luso tropicalismo, mas era importante conhecer o Alberto da Costa e Silva independentemente da sua “linha”, independentemente de acharmos que ele poderia ser revisto. Gosto de manter algum respeito pelas pessoas que foram fundamentais para aquilo que nós hoje pensamos. O Alberto da Costa e Silva escreveu o referido texto no hospital o que foi de uma generosidade imensa e pela qual lhe ficarei profundamente grato. Mas creio que vai haver situações de inevitável confronto, por exemplo entre intelectuais e pensadores do norte de África e da África subsahariana. Tudo isso pode ser muito interessante.
P: Há também uma certa ideia de urgência e de preocupação com o tempo que percorre todo o programa. Acha que hoje em dia devemos apontar a nossa intervenção para o futuro mais do que para o presente?
R: De algum modo podemos intervir no futuro. O tempo hoje é tão comprimido e tão veloz que a capacidade em intervir directamente no presente está muito relativizada…
Programa "Próximo Futuro". Fundação Calouste Gulbenkian
Programa "Distância e Proximidade". Fundação Calouste Gulbenkian
Programa "O Estado do Mundo". Fundação Calouste Gulbenkian
Programa "Próximo Futuro". Projecto Toldos e Poemas no Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian
Programa "Próximo Futuro". Cinema ao Ar Livre no Anfiteatro na Fundação Calouste Gulbenkian. © Catarina Botelho
Programa "Próximo Futuro". Música/Concerto: Orquestra Imperial.
Programa "Próximo Futuro". Projecto Toldos e Poemas no Jardim da Fundação Gulbenkian
Programa "Próximo Futuro". Projecto "A Casa" de José Bechara. © Catarina Botelho
Programa “Próximo Futuro”. Projecto Toldos e Poemas no Jardim da Fundação Gulbenkian
PRÓXIMO FUTURO
www.gulbenkian.pt/proximofuturo
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