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A propósito da defesa do aumento de impostos sobre o consumo:

Posted: 8 de mai. de 2011 | Publicada por por AMC | Etiquetas: , , ,

Vejo e oiço o que defende Cavaco Silva. Desconfio que andou a ler o Finantial Times.



Portugal adia dor inevitável 

por Daniel Gros *


O acordo de ajuda externa a Portugal anunciado esta terça-feira tem sido vendido como uma forma de ganhar tempo. O pacote no valor de 78 mil milhões de euros, acordado com a União Europeia (UE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), é bem-vindo porque permite a Portugal adiar o ajustamento orçamental por mais alguns anos. No entanto, a vitória é sol de pouca dura, visto os problemas orçamentais não serem, por si só, a causa dos problemas económicos do país.
Diz-se que o acrónimo do FMI (IMF, na sigla inglesa) significa ‘It's mainly fiscal' - "É essencialmente orçamental". O FMI e a UE aplicaram esta máxima a Portugal, tal como já haviam feito com os outros Estados da zona euro em dificuldades. Porém, o problema de Portugal tem que ver com a dívida externa. Os rácios do défice público e da dívida pública face ao PIB são semelhantes aos da França, no entanto, França não vive na iminência de uma crise orçamental. Isto acontece porque a crise portuguesa deriva da dívida do sector privado, em particular dos bancos, e não do endividamento público.
A importância limitada da dívida pública é clara na Itália e na Bélgica. Os dois países têm rácios de dívida elevados, mas ambos pagam prémios de risco mais baixos porque os défices da balança corrente são inferiores. O caso da Bélgica é notável: apesar de não ter tido um Governo nos últimos 12 meses, o seu prémio de risco situa-se ligeiramente acima da média da zona euro.
Portugal não pode deixar que a dívida externa cresça.
Actualmente, o défice da balança de transacções correntes (BTC) é bastante elevado e deverá atingir os 8% do PIB este ano. Para evitar o agravamento da dívida externa, Portugal (tal como a Grécia) tem de reduzir o consumo de bens importados em cerca de 20% do PIB.
Portugal pode, apesar de tudo, registar um ‘boom' nas exportações. Esta seria a melhor solução, mas não é provável que aconteça, visto Espanha ser o maior mercado externo e ter problemas internos para resolver. As exportações também poderiam ser estimuladas através de cortes nos salários nominais - uma desvalorização interna -, porém, seriam precisos anos para que isso surtisse algum efeito.
A experiência dos países bálticos mostra-nos o que deve ser feito. Todos receberam elevados fluxos de capital durante o ‘boom' de crédito, que secaram quando a crise começou, em 2009. A Letónia foi um dos países mais afectados, mas recuperou e tem hoje acesso aos mercados de capitais a taxas de juro razoáveis. Ao manter a sua política de paridade com o euro, conseguiu a proeza de reduzir os custos laborais em 17% em dois anos, criando uma base de crescimento assente nas exportações. No entanto, o grosso do ajustamento da BTC - mais de 20% do PIB - foi obtido através de uma forte contracção no consumo interno.
Não é provável que se verifique igual contracção em Portugal enquanto as famílias tiverem acesso ao crédito bancário. Como o Banco Central Europeu (BCE) tem refinanciado os bancos portugueses (assim como os gregos) a 1,25%, o crédito hipotecário é mais barato do que na Alemanha. As famílias portuguesas podem vir a pagar impostos mais altos, mas é muito provável que continuem a consumir recorrendo ao crédito. Como os bancos da zona euro podem refinanciar-se a baixo custo junto do BCE, é natural que continuem a emprestar, adiando o necessário ajustamento.
É um erro pensar que a solvência de Portugal advém apenas, ou essencialmente, do ajustamento orçamental. É preciso reduzir o consumo privado, tal como fez a Letónia. Para isso, Portugal terá de tributar o crédito ao consumo e aumentar o IVA.
As políticas destinadas a reduzir o consumo são, obviamente, impopulares. O Governo português já mostrou que prefere um ajustamento "suave", que conserve a unidade política a curto prazo e adie a factura a pagar pelos cidadãos. Mas estas políticas só vão protelar o dia da verdade. Os défices externos continuados vão agravar a dívida externa e os mercados financeiros acabarão por perceber que o problema não está a ser resolvido, dificultando o acesso ao financiamento no futuro.
O BCE parece estar disposto a financiar Portugal durante algum tempo, mas as perdas potenciais na sua contabilidade levam a crer que não poderá fazê-lo por muito tempo. Quando retirar esse apoio, e tudo indica que isso vai acontecer, e os fundos europeus se acabarem, Portugal terá de aceitar o inevitável. Aí chegados, o ajustamento será ainda mais doloroso porque a dívida não parou de aumentar. Olhando para trás, é muito possível que Portugal venha a arrepender-se de não enfrentar hoje essa dor.

* director do Centre for European Policy Studies, ‘think-tank' com sede em Bruxelas.

publicado no Finantial Times
via Económico - tradução de Ana Pina

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