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Reportagem: Medo no Pará obriga 'jurados de morte' a abandonarem as suas casas e terras

Posted: 31 de mai. de 2011 | Publicada por por AMC | Etiquetas: , , , ,


Uma semana após a execução dos ambientalistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, o aparato estatal mobilizado pelos governos federal e do Pará com o objetivo de pacificar a região não foi suficiente para garantir tranquilidade às 500 famílias do assentamento Praialta-Piranheiras. Sem proteção policial permanente, parte dos moradores, mais ligados ao casal, abandonou suas casas sem data para voltar. Quem ficou evita sair de casa ou falar sobre a permanente tensão entre a população extrativista e madeireiros. Só nesta terça-feira a escola local voltou a funcionar, mas duas professoras foram embora, com medo de represálias. As ruas ficam a maior parte do dia desertas, e não se vê nem o habitual movimento de caminhões, que levam e trazem toras retiradas ilegalmente da mata.
Criado em 1997 por agricultores, entre eles José Cláudio e Maria, o assentamento é destinado à exploração de produtos da floresta, sem sua devastação. Os 22 mil hectares são hoje um oásis em meio a uma imensidão de áreas já desmatadas. É só o que se vê no caminho tortuoso de quase três horas, entre Marabá e o Praialtas. Só chegando lá se avistam as enormes castanheiras, símbolos do Pará e fonte de sustento e cobiça. Para lideranças locais, sem proteção, o projeto está em risco. Não é certo que outras pessoas estarão dispostas a se arriscar para defender a mata.

Sem proteção, moradores ligados a casal executado abandonam as suas casas
 
- Depois do que aconteceu, acho difícil alguém querer tomar a frente. A morte dos dois deixou todo mundo com medo - resume o agricultor Luiz dos Santos Monteiro, de 42 anos, cunhado de José Cláudio, que ontem foi ao local buscar seus pertences e os filhos: - Não voltamos enquanto não tiver proteção aqui. Estão nos matando como cachorros.
Luiz diz que está na hora de o governo federal assumir a defesa da população e do lugar, já que, historicamente, os apelos aos órgãos de fiscalização nunca adiantaram, cabendo à população se virar sozinha:
- Tinha de ter Exército aqui o tempo inteiro. Não para proteger só a gente, mas a floresta.
Outras quatro famílias ligadas ao casal assassinado foram embora e estão na expectativa de que o governo do Pará alugue casa para que vivam em Marabá.
- É suicídio ficar aqui. Minha mãe morava com várias crianças no assentamento. A casa da minha irmã é a três quilômetros dali. Como é que ela pode ficar nesta situação? Está apavorada, não quer voltar nunca mais - relata a irmã de José Cláudio, Claudelice Silva dos Santos, de 29 anos.
Desde o assassinato, a polícia tem feito diligências ao assentamento, mas sem presença permanente. Antes disso, segundo a dona de casa Dalvilene Barbosa Soares, de 31, vizinha do casal assassinado, raramente aparecia:
- Precisamos viver em segurança. Mas, por estes lados, polícia sempre foi bem pouco.
Para alguns moradores, o dilema é sair, deixando tudo para trás. Quem fica, tem medo de se engajar na luta contra a devastação.
- Eu me juntei com o Zé Cláudio e a dona Maria para fotografar caminhão de madeireira. Agora, não tenho mais coragem. Não quero pistoleiro me esperando no caminho - desabafa um vizinho, que não quis se identificar.
Restou na comunidade um amontoado de faixas penduradas no barracão onde o casal assassinado se reunia com assentados. Um cartaz pregado na parede perguntava ontem: "Autoridades, quem será o próximo?"
As polícias Federal e Civil do Pará continuavam nesta terça-feira ouvindo testemunhas e fazendo diligências na região, mas não deram detalhes das investigações.


Ameaçados de morte acusam policiais do Pará

Acusados de omissão em casos de ameaça à comunidade do assentamento Praialta-Piranheiras, policiais civis e militares do Pará também teriam participado de um atentado, ao lado de um fazendeiro, para expulsar moradores do local no fim do ano passado. Conforme denúncia da Comissão Pastoral da Terra (CPT), cinco agentes atearam fogo em barracos de um sem-terra e obrigaram outro a fazer sua mudança, com a família, num carro da polícia. As vítimas estão na lista de ameaçados de morte elaborada pela CPT. O caso foi levado à Polícia Civil, que nesta quarta-feira não apresentou resultados da investigação.
Maranhenses que passaram quase toda a vida trabalhando como "agregados" em fazendas alheias, Francisco Tadeu Vaz Silva, de 42 anos, e José Martins, de 57, o Zequinha, foram atraídos ao Praialta pelos ambientalistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, mortos na terça-feira da semana passada, para ocupar terras em processo de legalização pelo Incra. Instalaram-se em abril de 2010, com a condição de não derrubar a floresta para criar gado, plantar ou vender madeira. Desde então, começaram a sofrer intimidações de fazendeiros que reivindicam a posse dos terrenos férteis, banhados por um afluente do Rio Tocantins.

Fazendeiro teria oferecido R$ 3 mil pela desocupação

Em 16 de novembro, segundo o relato dos dois, quatro policiais militares fardados e um civil, todos lotados em Nova Ipixuna, teriam aparecido armados com o suposto dono das terras, identificado como José Rodrigues, dando um ultimato para que se retirassem.
- Os soldados chegaram às 11h, me chamando de pedófilo e mandando sair. Os meninos que estavam na roça começaram a tirar tudo, mas eles perderam a paciência e tocaram fogo na palha dos barracos. Gente pobre não tem nada mesmo. O cachorro morreu sapecado. Sorte que meus documentos não estavam aqui - conta José Martins, que perdeu no atentado a moradia, a casa de farinha, a cisterna e o galinheiro.
Na mesma manhã, os policiais bateram na casa de Francisco Tadeu, mandando-o sair em até 24 horas. O fazendeiro ofereceu R$ 3 mil, sendo R$ 2 mil à vista, pela desocupação imediata do lugar.
- Só aceitei por causa dos policiais. Se não concordasse, eles avisaram: sairia dali algemado. Fiquei com medo. Se fosse só o Zé Rodrigues mandando, ficaria - assegura o agricultor.
Fechado o "acordo", a família começou a pôr tudo no carro da polícia parado diante da porteira. Em seguida, foi levada para o povoado de Pajé, onde havia morado por seis anos, e reinstalada em um barracão. Francisco Tadeu relata que foi levado para a delegacia de Nova Ipixuna, onde assinou um documento para oficializar a "venda":
- A gente foi espremido no carro da polícia, até com o cachorro. Eles diziam que tinha de ser rápido, porque não podiam fazer mudança de sem-terra.
A sorte virou no dia seguinte, por obra de José Cláudio e Maria do Espírito Santo. Os dois levaram os agricultores à CPT para registrar a queixa. José Martins foi orientado a refazer o seu barraco de palha no mesmo dia, para evitar que um novo morador ocupasse o local; e Francisco Tadeu a não receber o dinheiro prometido, voltando imediatamente para casa. Foi a pedido dos ambientalistas que os agricultores entraram para a relação de ameaçados de morte.
- O negócio foi desfeito lá, mas depois fiquei com medo. Ainda mais depois que eles (os ambientalistas) morreram. Eles é que defendiam a gente aqui - afirma Francisco Tadeu.
O advogado da CPT, José Batista Afonso, remeteu a denúncia às ouvidorias agrárias do Pará e do governo federal. Semanas depois, oficiou o caso à Delegacia de Conflitos Agrários (Deca) de Marabá, com cópia das declarações das duas vítimas. Segundo ele, a ação foi "totalmente ilegal".
Os moradores do assentamento reconheceram os policiais, mas afirmam que eles não prestam mais serviço em Nova Ipixuna. A delegacia da cidade não soube informar ontem o paradeiro dos agentes. O delegado responsável, José Humberto Melo Júnior, disse desconhecer a denúncia apresentada pela CPT e que só agora, com a morte de José Cláudio e Maria do Espírito Santo, o caso está sendo investigado - as duas vítimas prestaram depoimento nesta terça-feira. O delegado alegou não ter como identificar os envolvidos.
Em cinco dias de fiscalização na região, o Ibama aplicou R$ 752,3 mil em multas. Cinco madeireiras em Nova Ipixuna foram fechadas. Uma delas já tinha sido multada 18 vezes entre 1997 e o ano passado. Segundo o Ibama, a Serraria Tico-Tico Ltda tinha sido embargada em junho do ano passado e ontem foi novamente lacrada porque estava funcionando irregularmente. Os fiscais do Ibama também destruíram fornos ilegais de carvão. Assentados associados a madeireiros também foram autuados.

publicado com fotos de Fábio Fabrini em O Globo (aqui  e aqui)

VÍDEO PARA VER AQUI

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