Hoje, percorrendo o site do Expresso, descubro a seguinte entrada: "SIC Notícias é o primeiro canal na Europa a transmitir documentário-sensação sobre a crise grega".
Abrindo o texto, lêem-se mais pormenores:
Considerado pelo "The Guardian" como o "melhor filme de análise económica marxista alguma fez feito", "Dividocracia" (ou "Debtocracy") foi financiado com donativos de cidadãos. Em poucos meses, tornou-se um fenómeno. (...) Lançado em Abril na Internet, num esquema de direitos de transmissão gratuitos, o documentário rapidamente se transformou num fenómeno de popularidade. Foi mostrado nas praças de quase todas as cidades gregas e começou a circular em cidades de outros países da Europa. (...) A verdade é que até agora, mais de dois meses depois do seu lançamento, e apesar de o filme ser gratuito, tirando o caso de alguns canais alternativos na Grécia, "Dividocracia" ainda não foi transmitida por qualquer televisão na Europa. "Nós não temos conhecimento de nenhum canal de televisão na Europa que o tenha posto no ar", admite Aris Hatzistefanou ao Expresso, "embora ele tenha sido falado e sido objecto de reportagens especiais em programas de televisão em todos os cantos do mundo, incluindo na BBC, na CNN, na Al Jazeera e em todas as outras".
Na sequência, anuncia-se que:
A SIC Notícias decidiu transmiti-lo este domingo, às 23 horas, tornando-se assim o primeiro canal de televisão na Europa a pô-lo no ar. A transmissão vai ser seguida de um debate moderado pelo jornalista Mário Crespo e com a presença dos economistas João Duque e Octávio Teixeira.
É certo que "mais vale tarde do que nunca", mas não deixa de pasmar o tom ufano do título, o alarde da notícia e o espalhafato com que se anuncia uma 'novidade' que, assim como assim, já leva uns bons meses.
Como se refere, e bem, o documentário foi disponibilizado gratuitamente: sem reservas à transmissão, nem custos com direitos de autor. O Conexão colocou-o, aliás, na íntegra aqui: no dia 8 de Maio (sem Mário Crespo e João Duque, é um facto, mas na íntegra e acessível a todos). E já ia atrasado, agradecendo com a devida vénia o repasse por parte de outros sites e blogs.
Acontece que nem o interesse que suscitou, nem a velocidade a que circulou e se espalhou, nomeadamente nas redes sociais, mereceu por parte de qualquer televisão portuguesa a menor atenção. SIC Notícias incluída. Ao contrário do que fizeram outras estações de «todos os cantos do mundo, incluindo na BBC, na CNN, na Al Jazeera», nenhum canal português falou do documentário e muito menos entendeu que merecesse ser «objecto de reportagens especiais em programas de televisão».
Repito: "mais vale tarde do que nunca". Ainda bem que «mais de dois meses depois do seu lançamento» a SIC Notícias acordou, enfim, para o valor de notícia e o interesse jornalístico deste documentário. Aleluia! que o exibe e acrescenta aos elementos-pensantes que diariamente coloca à consideração dos seus espectadores. Pena que o faça só agora. Em Abril/Maio, com a assinatura portuguesa do pedido de empréstimo financeira à troika ainda fresca e a campanha para as legislativas à porta, teria sido um melhor e mais útil contributo, não só ao debate das propostas políticas sobre a mesa, como à reflexão esperada de cada eleitor. Que o faça só agora e com tantos foguetes já me parece, no mínimo, ridículo e descabido. Como está mesmo bom de ver, 74 min. de documentário que apresentam «uma explicação detalhada sobre as causas da crise financeira que a Grécia atravessa neste momento, relacionando-a com toda a complexa situação mundial e apontando soluções possíveis para uma saída», constituem algo pouco relevante e ainda menos urgente. Especialmente quando se é um país da UE. Mais ainda tratando-se de Portugal, um país a viver uma realidade que nem em sonhos faz tangente com a da Grécia, como era e é o caso. Como está mesmo bom de ver, pesada a avaliação, o documentário só poderia ser considerado irrelevante para os portugueses: pouco interessante, do ponto de vista jornalístico; nada urgente, do ponto de vista da notícia.
O facto de ser «o primeiro canal da Europa» a passar o documentário não redime a SIC Notícias de ter padecido da mesma estreiteza de visão das restantes televisões «europeias». Pelo contrário, só vem demonstrar como também ela necessita de rever, com seriedade e urgência, os seus critérios de 'gatekeeping'. Sob pena de, além de chegar atrasada, prestar um serviço de informação coxo e estrábico. À imagem e semelhança, diga-se em abono da verdade, da forma e do molde da própria Europa: míope e ao retardador, incapaz de ir ao fundo e buscar o miolo, de antecipar e equacionar a tempo aquilo que lhe diz respeito. Em suma: de se focar no que é prioritário e consequente.
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