Ainda com Sócrates no Governo e já na condição de líder eleito do PSD, Passos Coelho fartou-se de ameaçar com um pedido de auditoria às contas mais que suspeitas apresentadas pelo anterior Executivo, que mudavam a cada golpe de vento e os próprios documentos oficiais tornados públicos se iam encarregando de desmentir dia após dia. Dir-se-á que foi o presidente Cavaco quem lhe travou o ímpeto de transparência e, de uma penada, tratou de lhe mandar guardar a viola no saco, em nome dos nervos dos mercados - que, como se sabe, já então precisavam de ser «acalmados» - e das lebres de suspeição e desconfiança que poderiam manchar ainda mais a reputação de Portugal «lá fora», caso desatassem a pulular por aí à solta.
Se Passos Coelho aceitou a rolha na boca e as mãos atadas atrás das costas é um problema que é dele e das suas convicções aparentemente tão robustas acerca das boas práticas de governança e da tal «nova forma» de «estar e fazer política». Se acreditava que necessitava de toda a verdade acerca das contas públicas para desenhar o Programa de Governo que pretendia apresentar ao país deveria ter ido até ao fim com a exigência. Se entendeu que, afinal, podia prescindir desses dados e ainda assim apresentar um plano rigoroso, medidas infalíveis e uma estratégia de recuperação nacional fidedigna, problema seu. Não se tivesse calado e desistido da sua fúria de verdade ou não o tivesse feito. Que, pelo menos, tivesse pensado duas vezes antes de arriscar e prometer dois colossos: primeiro, que nunca chamaria à pedra o anterior Governo nem evocaria o estado em que deixou as contas públicas (qualquer que ele fosse) à laia de desculpa; segundo, que não recorreria ao aumento dos impostos para dar conta de uma empreitada que, todos o sabíamos, não se anunciava fácil. Se não o fez, problema dele. Que se lembre agora de dar o dito por não dito, de voltar com a palavra atrás, problema nosso. De quem acreditou e lhe confiou o seu voto e de quem lho não entregou por dele ter imediatamente desconfiado.
Aquilo que Passos Coelho agora nos vem fazer não é nada de novo. É exactamente igual ao que Sócrates nos fez em 2009 e, antes dele, outros (tantos e tantos outros!) já nos tinham feito: ganhou as eleições jurando a pés juntos que não aumentaria os impostos e aumentou-os assim que foi eleito, por recurso a uma desculpa de igual calibre.
Mais «colossal», portanto, do que o desvio agora descoberto é Passos Coelho ter acreditado que a trapaça passava e a justificação pegava de estaca.
Que bom seria se Passos Coelho se quisesse ter suplantado ao desvio, afirmando-se, ele próprio, como o verdadeiro «colosso»!... Não precisaria de muito. Bastava para tanto que tivesse mantido a palavra dada e cumprido o que prometeu. O facto de não o ter feito, infelizmente e por maior indignação que esteja a suscitar, não constitui em bom rigor nada - absolutamente nada - de «colossal».
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