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G7 e BCE: fim-de-semana alucinante para evitar segunda-feira negra nas bolsas mundiais

Posted: 7 de ago. de 2011 | Publicada por por AMC | Etiquetas: , , ,

Leio em O Público:

O G7 e o Banco Central Europeu desdobram-se hoje em conversas telefónicas e reuniões de emergência para tentar acalmar os mercados, perante as crises europeia e norte-americana e evitar uma segunda-feira negra nas bolsas.
Hoje, um dia depois do corte no rating da dívida norte-americana, pela agência Standard & Poor’s (S&P), a Bolsa de Telavive foi suspensa, após uma queda de seis por cento no índice TA-100 dos primeiros cem valores, informou a rádio pública israelita.
Para tentar acalmar os ânimos, antes da abertura dos mercados asiáticos, realizam-se hoje uma série de negociações e debates internacionais. Até porque a S&P deverá anunciar amanhã os resultados da revisão que fez à classificação de entidades ligadas ao Governo norte-americano, como as agências financeiras Fannie Mae e Freddie Mac, alerta hoje o jornal "Financial Times".
Os ministros das Finanças e os administradores dos bancos centrais do G7 – que reúne Estados Unidos, Alemanha, Japão, França, Canadá, Itália e Reino Unido – vão debater hoje o que fazer para combater o pânico nas bolsas e deverão divulgar uma declaração comum durante o dia, informam os media japoneses.
Por seu lado, os administradores do Banco Central Europeu vão reunir-se hoje, de emergência, para debater se vão, ou não, começar a comprar dívida italiana, avança esta manhã a BBC.
O Presidente francês Nicolas Sarkozy e o primeiro-ministro britânico David Cameron falaram ontem ao telefone durante cerca de meia hora acerca da situação financeira mundial, avançou fonte do Eliseu à AFP.
A crise na zona euro deu já lugar na quarta-feira a uma série de troca de telefonemas entre o Presidente francês, o primeiro-ministro britânico, o presidente norte-americano, Barack Obama, a chanceler alemã, Ângela Merkel, o primeiro-ministro italiano, Sílvio Berlusconi e o primeiro-ministro espanhol, José Luis Zapatero. Os dirigentes dos países da Zona Euro estão dispostos a fazer esforços concertados depois de terem verificado que o acordo firmado a 21 de Julho para fazer face à crise não convenceu os mercados.
A crise internacional conquistou nova gravidade depois de a agência de notação financeira Standard & Poor’s ter diminuído ontem de AAA para AA+ a classificação da dívida norte-americana, o que acontece pela primeira vez na história do país. “A diminuição é motivada pelo facto de a consolidação fiscal acordada entre o Congresso e a Administração ficar aquém do que seria necessário para estabilizar a dinâmica da dívida do Governo a médio prazo”, indicou a agência em comunicado. Esta diminuição "reflecte a nossa visão de que a eficácia, estabilidade e previsibilidade da elaboração de políticas americanas e das instituições políticas enfraqueceram num momento de desafios fiscais e económicos", acrescentou.

Leio no Estado de S. Paulo:
O rebaixamento da nota dos títulos da dívida dos Estados Unidos pela agência Standard & Poor"s detonou uma descarga elétrica mundo afora. Horas depois do anúncio, líderes das potências europeias começaram a se mobilizar para evitar o contágio. Além da Espanha e da Itália, França e Reino Unido, segunda e terceira maiores economias do bloco, tentam evitar rebaixamentos em cadeia - o que agravaria a crise no bloco.
O governo Obama tentou desqualificar a revisão e, nos bastidores, pressiona a S&P a recuar - até agora sem sucesso. Segundo a Casa Branca, Obama também vai "encorajar" os partidos a se unirem e buscarem uma solução para a crise.
A China disse que os EUA estão "viciados em dívidas" e pediu garantias para seus ativos no país. A China é a maior credora dos EUA.
No Brasil, enquanto economistas divergem sobre os efeitos da revisão, fontes do governo começam a falar em novas medidas para reforçar para proteger o País da crise internacional.
Na Europa, líderes políticos dos principais países participaram ontem de reuniões telefônicas, interrompendo suas férias. Do sul da França, o presidente Nicolas Sarkozy tinha agenda com a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e com o primeiro-ministro da Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero, para discutir a crise na Europa. Silvio Berlusconi teria contatos com o premiê espanhol e com o presidente da União Europeia, Herman Van Rompuy.
O primeiro ministro britânico, David Cameron, que também trocaria telefonemas com Sarkozy, marcou reuniões com seu ministro do Tesouro, George Osborne, e com autoridades do Bank of England.
Por outro lado, a antecipação da reunião do G-7 de setembro para agosto, anunciada por Berlusconi, não foi confirmada pela França. O Palácio Eliseu hesita em antecipar a reunião, pois planeja o anúncio de medidas fortes para a economia global. Na avaliação dos líderes europeus, o impasse no projeto de aumento do teto da dívida americana e o consequente rebaixamento dos EUA transformaram a crise das dívidas, antes focada na zona euro em um problema global.
O receio é que os seis países AAA da zona euro - Alemanha, Holanda, Áustria, Finlândia, Luxemburgo e França -também sejam rebaixados. Para Ciaran O"Hagan, estrategista do banco Société Générale, a decisão da S&P abre as portas para um mundo sem a nota máxima
Ontem, o ministro da Economia francês, François Baroin, manifestou apoio a Washington, minimizando o rebaixamento. "A França tem total confiança na solidez e nos fundamentos da economia americana, assim como na determinação do governo de implantar o plano aprovado pelo Congresso", disse.
Mas o temor na Europa é que a avaliação de S&P leve ao aumento da dificuldade de refinanciamento dos EUA, o que intensificaria as dificuldades da Espanha e da Itália. 

Cf. também:

Bancos brasileiros estão mais expostos à economia americana

Os bancos brasileiros aumentaram a exposição sobre a economia americana em 53% em apenas um ano e o mercado dos Estados Unidos é hoje a praça financeira onde as instituições nacionais têm maior atividade na concessão de créditos e empréstimos. Hoje, os bancos nacionais registram uma vulnerabilidade à economia americana de US$ 20,1 bilhões.
Em processo de internacionalização e fortemente capitalizados, os bancos brasileiros registraram uma expansão nas atividades de créditos e empréstimos em diversos países do mundo. Abriram agências no exterior e passaram a atuar no mercado de créditos.
Mas foi a expansão nos EUA que impulsionou esse crescimento. Em março de 2010, o volume dos créditos de bancos brasileiros no país se limitava a US$ 13 bilhões. Três meses depois, chegava a US$ 17 bilhões e, em dezembro, a US$ 22,1 bilhões. Nos 27 países da UE, a exposição total dos bancos nacionais é de US$ 23 bilhões.
A deterioração da situação americana em 2011, porém já teve impacto nas atividades dos bancos nacionais. De uma exposição de US$ 22,1 bilhões, os bancos reduziram seus créditos no mercado americano em US$ 2 bilhões em apenas três meses. No mesmo período em que os bancos reduziam sua exposição no mercado americano, cresciam as atividades desses bancos em paraísos fiscais.
Na estratégia de internacionalização, os bancos brasileiros passaram de uma exposição no mundo de US$ 64 bilhões em março de 2010 para mais de US$ 84 bilhões no primeiro trimestre de 2011. Uma das últimas iniciativas nessa direção veio do Banco do Brasil, que comprou o Eurobank, com sede em Miami. O negócio custou ao BB cerca de US$ 6 milhões e permitirá que o banco brasileiro atue no varejo, com créditos e contas.

Choque

Bancos em todo o mundo têm o equivalente a mais de 10% do PIB do planeta expostos na economia americana e a decisão da agência de classificação de rating de rebaixar a nota dos EUA promete causar ondas de choque pelos mercados. A exposição de bancos no mundo à economia americana chega a US$ 5,8 trilhões.
Os bancos europeus são os mais interligados à economia dos EUA e, portanto, os mais vulneráveis. Não por acaso, ontem eram os mais nervosos diante do anúncio da S&P. Hoje, acumulam uma exposição na economia americana de US$ 3,7 trilhões.
Os dados são do Banco de Compensações Internacionais, com sede na Suíça e que serve de BC dos BCs. Nos últimos anos, os bancos europeus chegaram a reduzir a exposição em mais de US$ 400 bilhões na economia americana, diante da recessão e dos temores em relação à dívida. Mas com a crise ganhando força na Europa, a direção dos empréstimos e créditos se voltou ao mercado americano.
No mercado europeu, os bancos passam o fim de semana contando o prejuízo que podem ter diante da nova situação dos EUA. "Nas primeiras horas do sábado, todos os analistas foram convocados a avaliar o que a decisão da agência significava para cada setor", disse um funcionário do UBS em Zurique. Os bancos suíços, por exemplo, tem uma exposição de US$ 720 bilhões na economia americana.
O Credit Suisse havia feito cálculos mostrando que uma eventual moratória americana significaria perdas nas bolsas mundiais de cerca de 30%. O rebaixamento não terá o mesmo impacto. Mas para bancos que já sofrem com sua exposição à Grécia, Espanha, Itália, Portugal e Irlanda, a notícia sobre os Estados Unidos não contribui.

publicado em O Estado de S. Paulo

Apesar da piora do quadro externo, Mantega diz que Brasil está preparado

Com o agravamento do quadro internacional, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse, nesta quinta-feira, 4, que o País está preparado para enfrentar o problema com o mínimo de danos para a economia brasileira.
"Houve um agravamento da situação internacional que tem atingido as bolsas no mundo todo e aqui também no Brasil, e isso reflete o enfraquecimento dos EUA e a situação europeia que não está resolvida. Eu espero que não continue esse agravamento", avaliou o ministro em rápida entrevista na portaria do Ministério da Fazenda antes de embarcar para o Peru.
A opinião do ministro é compartilhada pelo presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, que afirmou, também nesta quinta, que o Brasil está "preparado" e tem "capacidade" de enfrentar um ambiente internacional mais difícil nos próximos meses, "se for o caso" de "agudização" do cenário econômico.Para ele, o acordo sobre o aumento do teto da dívida dos Estados Unidos trouxe "alívio". "O impasse foi superado", mas ele ponderou que a situação da economia internacional inspira "cuidados". Tombini destacou que a economia mundial cresce menos do que o esperado, com revisões de expansão para baixo.
No entanto, para a presidente Dilma Rousseff, o cenário parece ser outro. Em reunião com centrais sindicais nesta tarde, ela se referiu à crise econômica como uma "pneumonia crônica".
Segundo Mantega, o Brasil nunca esteve tão bem e tão preparado para enfrentar as consequências de uma nova crise. "Nós não só temos mais reservas, como temos os mecanismos, os instrumentos que criamos na crise de 2008 e que poderão ser implementados a qualquer momento", disse. O ministro disse que o governo tem de ficar alerta e olhar as consequências desse quadro internacional na economia. Mantega disse que não acredita no overshooting do dólar, mas espera um "movimento relativo" da moeda.
Mantega disse ainda que é difícil avaliar qual será a avaliação do mercado com o agravamento da crise internacional porque não se sabe, agora, onde está a segurança. "Não sabemos qual é a reação do mercado, porque, no passado, nós sabíamos: era fuga para a segurança. Hoje eu pergunto: onde está a segurança? Temos dúvidas que o comportamento será o mesmo", avaliou o ministro sobre o agravamento do quadro nos mercados internacionais.
Ele disse que o Brasil "certamente" oferece segurança, mas, novamente, repetiu que não acredita em overshooting do dólar, apenas em flutuação relativa. Apesar de dizer que o Brasil está preparado, ele reconheceu que poderá haver consequências como recuo da Bolsa, do comércio e também "um pouco de queda do crédito". "Temos que ficar alertas, olhando as consequências. É claro que sempre haverá consequências".
Mantega informou que embarca para o Peru, onde participará de reunião da Unasul para discutir com os ministros da Fazenda dos países estratégias conjuntas para enfrentamento dessa crise. Segundo ele, os ministros estudarão mecanismos de defesa, principalmente se houver fuga de capitais, "o que não é problema para o Brasil". 
Entre as medidas, ele citou um banco de compensação financeira ou fortalecimento dos que já existem. Os ministros também vão discutir estratégias comuns de defesa dos mercados com relação à invasão de produtos de outros países que não têm mercado. "É uma agenda muito importante para a América Latina principalmente nesse momento de agravamento da crise externa", disse.

publicado em O Estado de S. Paulo

Cf. também:

A Standard & Poor's e o rebaixamento dos Estados Unidos

por Paul Krugman

Pois é, a Standard & Poor"s fez o que ameaçava fazer: rebaixou o rating dos Estados Unidos. É uma situação estranha.
Por um lado, agora justifica-se a afirmação de que a loucura da direita tornou os Estados Unidos uma nação fundamentalmente doente. Porque, de fato, é a loucura da direita: se não fosse o radicalismo dos republicanos, sempre contrários a impostos, seria possível chegar, sem nenhum problema, a um acordo que garantiria a solvência a longo prazo.
Por outro lado, é difícil imaginar uma entidade menos qualificada para passar um julgamento sobre o nosso país do que as agências de rating. Então as pessoas que classificaram os títulos respaldados em empréstimos subprime agora se declaram os juízes da política fiscal? É mesmo? E, para a coisa ficar mais perfeita, ficou claro que a S&P errou nos cálculos em US$ 2 trilhões; depois de muitas discussões reconheceu - e rebaixou a classificação. Mais do que isso, tudo o que já ouvi sobre as exigências da S&P indica que a agência está falando absurdos a respeito da situação fiscal dos EUA. Ela sugeriu que o rebaixamento se deu por causa do montante da redução do déficit que havia sido negociada para a próxima década, e aparentemente acenou com o mágico número de US$ 4 trilhões.
Entretanto, a solvência dos EUA não depende do que acontece a curto e até mesmo a médio prazo: mais de U$ 1 trilhão de dívidas representa um aumento de apenas uma fração de um ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) aos custos dos juros futuros. Portanto, U$ 2 trilhões a mais ou a menos não têm grande significado a longo prazo. O que importa é a perspectiva a prazo mais longo, que, por sua vez, depende em grande parte dos custos da saúde.
Então, do que é que a S&P estava falando?
Supostamente, ela possuía alguma teoria segundo a qual a restrição agora é um indicador do futuro - mas não há nenhuma boa razão para se acreditar nesta teoria, e seguramente a S&P não tem nenhuma autoridade para fazer esse tipo de vago julgamento político.Em suma, a S&P fez uma asneira - e, depois da débâcle das hipotecas, não tem mais esse direito. É um escândalo - não porque os EUA estejam numa boa situação, mas porque estas pessoas não têm condições de julgar.

publicado no NY Times via Estadão

Um contágio de ideias ruins 

por Joseph E. Stiglitz

A Grande Recessão de 2008 se transformou na recessão do Atlântico Norte. São principalmente a Europa e os Estados Unidos que ficaram atolados em crescimento lento e alto desemprego. E são a Europa e os Estados Unidos que estão marchando para o desenlace de uma grande débâcle. Uma bolha estourada acarretou um grande estímulo keynesiano que evitou uma recessão muito mais profunda, mas que também alimentou déficits orçamentários substanciais. A resposta - cortes maciços de gastos - assegura que níveis inaceitavelmente altos de desemprego continuarão por anos.
A União Europeia se comprometeu a ajudar seus membros financeiramente abalados. Ela não tinha escolha. Com o turbilhão financeiro ameaçando se espalhar de pequenos países - como Grécia e Irlanda - para grandes - como Itália e Espanha -, a sobrevivência do euro estava cada vez mais ameaçada. Os líderes da Europa reconheceram que as dívidas dos países encrencados se tornariam intratáveis a menos que suas economias pudessem crescer.
Mas, ao mesmo tempo em que os líderes europeus prometiam que essa ajuda estava a caminho, eles insistiam na crença de que os países que não estavam em crise precisavam cortar gastos. A austeridade resultante obstruirá o crescimento da Europa, e com isso o das economias abaladas.
As discussões antes da crise ilustraram o quão pouco foi feito para corrigir fundamentais econômicos. A veemente oposição do Banco Central Europeu (BCE) ao que é essencial a todas as economias capitalistas é a evidência da fragilidade do sistema bancário ocidental.
O BCE argumentou que os contribuintes deviam pagar a conta toda da dívida soberana ruim da Grécia, temendo que algum envolvimento do setor privado (PSI, na sigla em inglês) desencadearia um "evento de crédito", que obrigaria grandes pagamentos de credit default swaps (CDSs), possivelmente alimentando um novo turbilhão financeiro. Mas, se esse é um medo real para o BCE, ele devia pedir que os bancos tenham mais capital. Da mesma forma, o BCE devia ter barrado os bancos do arriscado mercado de CDS, no qual eles ficam reféns das decisões de agências de classificação de crédito.
E as coisas estão pouco melhores no outro lado do Atlântico. Aqui, a extrema direita ameaçou fechar o governo americano, confirmando o que a teoria dos jogos sugere: quando os que estão irracionalmente comprometidos com a destruição não se confrontarem em seu caminho com indivíduos racionais, os primeiros prevalecem. Por conseguinte, o presidente Barack Obama aquiesceu numa estratégia desequilibrada de redução da dívida, sem nenhum aumento de impostos.
Os otimistas dizem que no curto prazo o impacto do acordo para aumentar o teto da dívida americana e impedir o default será limitado. Mas a redução dos impostos retidos na fonte (que colocará mais de US$ 100 bilhões nos bolsos dos americanos comuns) não foi renovada, e com certeza as empresas, antecipando os efeitos contrativos futuros, ficarão ainda mais relutantes em emprestar.
O fim do estímulo em si é contrativo. E com os preços dos imóveis ainda em queda, o crescimento do Produto Interno Bruto vacilando, e o desemprego permanecendo teimosamente alto, é preciso mais estímulo, e não austeridade. O motor isolado mais importante do aumento do déficit é a arrecadação fiscal fraca em virtude do fraco desempenho da economia; o melhor remédio isolado seria colocar a América para trabalhar de novo. O recente acordo da dívida vai na direção errada.
Os descaminhos financeiros dos Estados Unidos jogaram um importante papel no desencadeamento dos problemas europeus, e o tumulto financeiro na Europa não seria bom para os Estados Unidos. Mas o problema real deriva de outra forma de contágio: ideias ruins cruzam facilmente as fronteiras, e noções econômicas equivocadas em ambos os lados do Atlântico vêm se reforçando mutuamente.

publicado no Project Syndicate via Estadão

Cf. também:

e ainda:

Terremoto

por Celso Ming

O rebaixamento dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos (conhecidos por treasuries) por uma das mais importantes agências de classificação de risco, a Standard & Poors (S&P), deve agora provocar um terremoto no mercado financeiro global, de consequências nem um pouco previamente mensuráveis.
Este é um acontecimento sem precedentes na história financeira global. O título do Tesouro americano ocupou até agora o posto de referência internacional em excelência de ativo. Não é mais. Um punhado de países (Alemanha, Canadá, Suiça, Holanda, Áustria, etc) terá uma dívida melhor do que a dos Estados Unidos.
A perda do primeiro A no conjunto de três equivale a admitir que passou a haver certo risco de calote da principal economia do mundo. Essa é consequência da insustentabilidade técnica da dívida do Tesouro americano, agora acima de US$ 14,3 trilhões, e da velocidade com que vai crescendo. O que a S&P está dizendo é que a atual equação entre receitas e despesas públicas do governo federal dos Estados Unidos não garante plena capacidade de que a dívida seja honrada.
Se a lei ou disposições estatutárias forem observadas, grande número de instituições não poderá agora manter treasuries rebaixados em carteira. São bancos centrais, fundos de pensão, seguradoras e fundos conservadores. Os treasuries também entram como garantia (colateral) em operações de recompra de outras dívidas. Por essas razões, deveria começar agora uma impressionante desova desses ativos. O problema é que não há com que substituí-los. Isso sugere que todo o mercado deverá agora adequar-se a uma situação nova. Além disso, muitas instituições só começarão essa operação de troca de ativos financeiros se mais de uma agência importante de classificação de risco rebaixar a qualidade do ativo.
De qualquer maneira, o dólar deverá perder valor nos mercados em relação ao ouro e às outras moedas fortes. Sempre que isso acontece, as commodities (especialmente petróleo e alimentos) aumentam de preço, em geral fixado em dólares. Por aí já se antevê forte potencial inflacionário que só poderá ser relativizado se a recessão derrubar a procura.
Uma rejeição em massa dos treasuries deverá aumentar seu rendimento (yield), porque menos dinheiro comprará o mesmo título, que paga juros fixos. Sempre que isso acontece, ficam estabelecidas condições para alta dos juros.
É preciso ver agora como reagirá o Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos), que recentemente avisou que um rebaixamento da qualidade da dívida americana seria "inadmissível e insustentável". Coincidentemente, terça-feira, reúne-se o Comitê de Política Monetária do Fed, já sob o impacto desse rebaixamento. Ficou mais provável que anuncie nova rodada de recompra de títulos do Tesouro, nos moldes das operações de afrouxamento monetário quantitativo.
Estão agora reforçadas as condições para que mais moeda estrangeira procure refúgio em economias emergentes, entre os quais a do Brasil. Dependendo do volume do desembarque de dólares, novas pressões sobre o câmbio interno devem acontecer. A economia brasileira está em melhores condições para enfrentar o tranco. Mas não se sabe ainda qual será a magnitude das ondas de choque.
O mercado financeiro abrirá amanhã atordoado. Levará bom tempo para absorver e precificar todas as consequências.
CONFIRA
Esforço inútil
Os altos funcionários do Tesouro dos Estados Unidos tentaram de tudo até o início da noite de sexta-feira para convencer os diretores da Standard & Poors de que falta consistência técnica para esse rebaixamento.
S&P Tea Party
É provável que dirigentes e políticos redobrem as críticas às agências de classificação de risco. Foi também o que fizeram há algumas semanas o presidente da França, Nicolas Sarkozy, e o primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi. Vão dizer que a Standard & Poors foi mais fundamentalista do que a facção Tea Party do Partido Republicano.
Elas erraram
As agências foram fortemente criticadas em 2008 e 2009, por ocasião do estouro da bolha das hipotecas, por terem anteriormente atribuído nota máxima a ativos que logo em seguida foram considerados lixo tóxico. Mas desta vez não há como atacá-las. Alguém tem de examinar e atestar a qualidade dos títulos de dívida, sejam eles emitidos por países soberanos (tesouros nacionais) ou por empresas.


Nota mais baixa, custos mais altos

O rebaixamento da nota de risco de títulos do governo americano pela agência S&P adiciona um elemento dramático, mas não muda o roteiro da evolução da crise global. Esse roteiro já deixava claro que absorção da grande contração atualmente em curso, depois da explosão da grande bolha de crédito que começou a se formar há mais de duas décadas, cobraria um alto preço sob a forma de restrição ao crescimento econômico.
É preciso entender que se esgotou - e de um modo traumático - o mais recente ciclo de expansão da economia mundial. Impulsionado por uma potente alavancagem financeira, ele produziu, além de teorias canhestras sobre as delícias da globalização, um superendividamento generalizado. Esse superendividamento, inicialmente privado, foi transferido aos governos, à moda do que ocorreu, ao longo do último terço do século passado, nas crises da dívida dos emergentes, em especial na América Latina.
A novidade dessa crise é o colapso das dívidas soberanas de economias maduras. A maior novidade dentro das novidades é que esse colapso, espantosamente, atingiu a dívida pública dos Estados Unidos. O rebaixamento dos títulos de longo prazo do governo americano é o ato simbólico de inscrição do mundo econômico num novo ciclo de mais incertezas, sem a existência de papéis totalmente "livres de risco" - aqueles que permanecem classificados como tal não oferecem liquidez suficiente para atender a todos na função de novo porto inteiramente seguro.
De todo modo, mesmo não mais "livres de riscos", os papéis do governo americano, muito provavelmente, continuarão demandados como um porto seguro possível - só que, agora, com a aceitação de menos qualidade.
Ainda que o rebaixamento dos títulos americanos venha a ter efeito limitado nos mercados, o impacto da redução para AA+ dos papéis de longo prazo do Tesouro provavelmente adicionará complicações para tirar a economia americana - e com ela o resto do mundo - do atoleiro. Trazer a dívida pública, hoje acima de 10% do total da produção, para um nível mais manejável, exigirá mais sacrifícios por tempo mais longo.
Em primeiro lugar porque as despesas com juros da dívida, que somam, atualmente, US$ 250 bilhões anuais, deverão se elevar, com o inevitável aumento dos custos de colocação dos títulos, alargando o déficit. Depois, com o rebaixamento dos títulos do governo, também deverão ser rebaixados outros papéis de empresas vinculadas a ele, caso, por exemplo, das financiadoras de hipotecas Fanny Mae e Freddie Mac. Assim, tenderão a aumentar mais ainda os cortes nos gastos públicos e os custos dos cruciais refinanciamentos de hipotecas. No fim dessa rodada de aumentos de custos, podem-se vislumbrar restrições ainda maiores à retomada do consumo e, por consequência, dos investimentos.

Cf. também:

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