via SIC
Ainda Lisboa não estava refeita da notícia de que a Livraria Portugal, há 70 anos na Rua do Carmo, não tinha conseguido sobreviver à crise e seria obrigada a encerrar, quando descobriu que a centenária Ourivesaria Aliança, na Rua Garrett, seguiria o mesmo destino. Não são apenas mais duas lojas. Ambas representam redutos histórico da Baixa-Chiado e se confundem com a memória e a identidade da própria cidade. Premiada inúmeras vezes, a Ourivesaria Aliança, é ela mesma uma jóia arquitectónica do património municipal. Fecha as portas daqui a três semanas. O novo proprietário promete manter o estilo Luis XVI dos interiores, mas a dona da ourivesaria mostra-se apreensiva quanto ao seu destino depois de vendida.
Uma das ourivesarias mais bonitas de Lisboa tem os dias contados
O tecto da sala que acolhe os visitantes foi pintado em 1914. Prédio foi comprado por empresa de aluguer de apartamentos
Quem nunca lá entrou, tem três semanas para o fazer. A centenária Ourivesaria Aliança, na Rua Garrett, ao Chiado, considerada uma das mais bonitas de Lisboa, vai fechar.
Os novos proprietários, uma empresa espanhola que comprou todo o edifício para ali instalar um negócio de aluguer de apartamentos de curta duração, garante que não vai adulterar os faustosos interiores do estabelecimento, mas a sócia-gerente da casa está apreensiva com o seu futuro. "Já andei de departamento camarário em departamento camarário, a avisá-los para estarem alerta quando eu sair e as obras de reconversão do prédio começarem", conta a proprietária. "Não quero que aconteça o mesmo que na antiga Casa Ramiro Leão", também no Chiado, onde a chegada da Benetton ditou uma descaracterização quase total dos interiores do edifício, dos quais praticamente só resta um antigo elevador.
"Oxalá que os interiores sejam mantidos. Entre os finais de 1800 e as primeiras décadas de 1900, havia muitas lojas assim nesta zona da cidade, de estilo rococó, exuberante, mas não restaram praticamente nenhumas", diz Guilherme Pereira, do Gabinete de Estudos Olisiponenses. Aos interiores glamorosos em tons pastel e dourado estilo Luís XVI, a ourivesaria soma uma fachada de ferro trabalhado de inspiração romântica. O tecto da sala que acolhe os visitantes foi pintado em 1914 por Artur Alves Cardoso, autor de vários trabalhos do género na Assembleia da República. "Éramos uma das grandes oficinas de ourivesaria da Península Ibérica", refere a sócia-gerente, recordando os vários prémios que a casa ganhou. Quando a sua família ficou com a loja, no começo da II Guerra, foi o Presidente Carmona quem inaugurou a ampliação então feita.
A passagem do edifício para as mãos da espanhola Solayme Real Estate, há poucos anos, mudou um cenário já de si pouco animador. "Não posso ter a porta aberta durante os dois anos que vai demorar a obra, porque não quero pôr em risco a integridade física de empregados e visitantes. Por outro lado, o negócio não é viável com os preços astronómicos que pedem pelas novas rendas no Chiado. Podia pagar oito mil euros, mas não 15 mil ou 20 mil". Perante este cenário, os proprietários da Aliança fizeram um acordo com o novo senhorio para se irem embora, imitando assim os habitantes dos pisos superiores do prédio. "Ficou escrito que quando a ourivesaria sair serão eles os responsáveis por este património", descreve a sócia-gerente.
"Depois das obras, a loja, que está classificada e protegida, vai ficar exactamente como está", promete um representante da Solayme, António Soler Rodríguez, ressalvando que ignora o estado em que o estabelecimento lhe vai ser entregue pela Aliança. "Não vamos fazer uma demolição, mas uma reabilitação". Quanto ao futuro da loja, "depende do mercado": "O ideal seria alugá-la a outro joalheiro, ou a um negócio similar", refere Soler Rodríguez. "Mas quem a quiser alugar terá de manter os interiores".
O facto de se encontrar numa zona protegida como o Chiado e de fazer parte do inventário municipal do património não são garantias suficientes para impedir a destruição dos interiores da Ourivesaria Aliança. Poucos metros acima, a também histórica Alfaiataria Picadilly foi recentemente transformada num pronto-a-comer. A preservação dos interiores das lojas tradicionais nunca foi alvo de legislação. O Público tentou falar com a Câmara de Lisboa sobre o caso da ourivesaria, mas ninguém se mostrou disponível para prestar esclarecimentos.
publicado no Público
0 comentários:
Postar um comentário