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Posted: 27 de jan. de 2012 | Publicada por por AMC | Etiquetas:

por Júlio Carignano

O atual projeto político-econômico em transição no país, com a opção pelo chamado "desenvolvimentismo", tem transformado comunidades tradicionais como os indígenas e quilombolas em verdadeiros entraves para esse modelo de "progresso" de estreita ligação com setores da elite brasileira como especuladores imobiliários e grandes produtores rurais.
Nesse modelo, comunidades vêm sofrendo uma violência de Estado - nem sempre caracterizada na forma explícita das ações repressivas e da brutalidade de seu braço militarizado - mas sim na ausência de políticas públicas que priorizem as camadas populares. Em meio a essa questão central - de projeto político de desenvolvimento - transcorreu minha conversa com o professor guarani Teodoro Tupã, uma das lideranças indígenas mais importantes do Paraná nos dias de hoje.
Ex-cacique e atualmente lecionando nas reservas do município de Diamante do Oeste, Teodoro aponta os retrocessos ocorridos ao longo dos últimos anos em relação às políticas públicas voltadas aos povos originários, especialmente na área da saúde indígena, processo que segundo ele tem se acentuado desde que a responsabilidade no setor passou da Funasa (Fundação Nacional da Saúde) para a Secretaria Especial de Saúde Indígena, criada no governo Dilma Rousseff.
Teodoro expõe que a Secretaria Especial de Saúde Indígena não tem apresentado resultados práticos, pelo contrário, tem precarizado o atendimento à saúde nas comunidades paranaenses. Para ele, o descaso com a saúde teve início com a suspensão do Projeto Rondon, iniciativa que era de responsabilidade de ONGs (Organizações Não-Governamentais).
Abaixo excertos da entrevista do professor Teodoro Tupã ao blog.

Descaso na saúde
Desde que nossa saúde passou da Funasa para a Secretaria Especial de Saúde Indígena só temos visto a redução no atendimento. Quando ela [Secretaria] foi criada a expectativa era boa e a promessa era de que as coisas iriam melhorar, mas estamos na espera há dois anos. Faz quatro anos que a saúde vem nessa situação, desde que o Projeto Rondon acabou só tem piorado, pelo menos essa é a realidade aqui na nossa região. Antes – ainda na época da Funasa – tínhamos duas viaturas para atender as duas comunidades da reserva em Diamante, a Itamarã e Añetete, agora temos apenas uma para as duas aldeias. Além disso, já tivemos até quatro motoristas trabalhando, se revezando, hoje tem apenas um motorista que precisa trabalhar 24 horas por dia. Também tínhamos mais agentes de saúde, hoje temos apenas duas auxiliares de enfermagem, que não recebem há dois meses, estão trabalhando de forma provisória, de graça, na raça, pelo compromisso com a comunidade. Isso é um desrespeito com esses trabalhadores.

Município
Nesta terça-feira (24) tivemos uma reunião com a Secretaria Municipal de Saúde [Diamante do Oeste] que tem nos ajudado em várias situações, pois não estamos mais recebendo a cota que era repassada pela Funasa para remédios, para os convênios com os hospitais, com restaurantes. Tem um momento que o município tem que dar a contrapartida, mas parece que pelo município estar fazendo sua parte, as demais autoridades parecem querer se isentar de suas responsabilidades. A Secretaria de Saúde de Diamante tem sido parceira e tem segurado as pontas como pode, mas a impressão é que a saúde parece não estar mais adequada a comunidade indígena de uma maneira geral. Com saúde não pode brincar, seja a saúde do índio, seja do não-índio.

FUNAI
Algo maior tem impedido que a Funai [Fundação Nacional do Índio] consiga desenvolver seus projetos. O problema maior é que precisamos da liberação de recursos, porque independente de quem estiver a frente da Funai, é preciso um projeto político para os indígenas. Temos várias lideranças indígenas preparadas que poderiam assumir até a presidência da Funai, inclusive aqui na região Sul do Brasil, mas não adiantaria de nada se o governo não ajudasse. Veja o exemplo do cacique Juruna quando foi deputado, ele acabou ficando sozinho lá lutando e perdeu a força que tinha. [Mario Juruna, ex-cacique Xavante, primeiro deputado federal de etnia indígena do Brasil]. Nós precisamos que os recursos sejam liberados para a criação de GTs (Grupos de Trabalhos) para darmos sequência nos processos de reconhecimento e demarcações de terras.

Demarcações
A pauta da Comissão de Terras para 2012 é fazermos um levantamento territorial das terras tradicionais guarani e avançarmos nas negociações. Em 2011 fizemos um levantamento de parcerias e hoje as autoridades não-índias respeitam a comissão e sabem do seu papel, como a Itaipu Binacional, o Ministério Público, universidades, o governo estadual por meio da Secretaria de Assuntos Fundiários. Apesar de termos esses parceiros, continuaremos na pressão, pois as autoridades precisam entender que o movimento indígena não é para atrapalhar o funcionamento da sociedade, mas sim para estar dialogando com ela sobre nossos direitos. Temos sete ou oito áreas ocupadas aqui no Oeste do Paraná em processo de reconhecimento, são espaços pequenos em média de 50 hectares. Em todo Estado, esse número deve aumentar para mais ou menos 20 áreas. Então nossa luta nesse ano será para mantermos as ocupações, fazermos levantamentos de outras áreas que são de origem guarani e pressionarmos pelo seu reconhecimento como terra tradicional.

Política
Já temos vários indígenas inseridos na política, mas precisamos avançar ainda. Os povos indígenas parecem que vivem ainda com um tapete escuro a sua frente e somente quando se abrir esse tapete os indígenas irão acordar. Quando decidi entrar na política foi para descobrir sobre o que realmente é a política, então descobri que a partir dela nossos povos podem cobrar uma educação melhor, uma saúde melhor, cobrar sobre nossas terras. Veja o exemplo da Escola Indígena que está sendo construída em Diamante do Oeste, não foi conquistada somente porque era um direito nosso, mesmo sabendo que aquele era nosso direito tivemos que cobrar das autoridades, ir atrás, fazer nossa política de cobrança e pressão.


* Teodoro Tupã Alves é professor bilíngüe nas comunidades de Itamarã e Añetete, que reúnem cerca de 240 famílias em duas aldeias no município de Diamante do Oeste (PR). Em 2007 foi candidato a deputado estadual pelo PCdoB, se tornando o primeiro indígena a disputar uma cadeira na Assembleia Legislativa do Paraná, considerando as três etnias indígenas presentes no Estado: Guarani, Kaiguang e Xetá. Atualmente coordena a Comissão de Terras Guarani do Oeste do Paraná, grupo formado para discutir os processos de reconhecimento e demarcações de terras tradicionais indígenas na região. 


Protagonismo e solidariedade Guarani

Fortalecer o protagonismo na luta pelos direitos dos povos indígenas e mostrar a solidariedade com os irmãos Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul semearam as discussões do V Encontro de Rezadores e Lideranças Indígenas do Oeste do Paraná, realizado nos dias 10 e 11 de dezembro na aldeia Yv’a Renda Poty, em Santa Helena (PR).
Líderes políticos e religiosos das comunidades de Itamarã, Tekoha Añetete, Ocoy, Pinhal, Lebre, Y’ Hovy e da própria Yv’a Renda Poty estiveram nos debates. O encontro ainda contou com autoridades não-índias da Assessoria de Assuntos Agrários do Governo do Paraná, além de alunos da Unila (Universidade da Integração Latino-Americana).
Desde o primeiro encontro, em junho do ano passado, os povos indígenas do Oeste do Paraná já obtiveram avanços. A atual situação da área onde foi organizado o evento é prova disso. Na oportunidade do I Encontro de Lideranças, as 17 famílias da comunidade de Yv’a Renda Poty viviam sob ameaça de intervenção da área. Hoje a aldeia é reconhecida pelo Estado do Paraná como uma terra guarani, um tradicional "tekoha".
Para os Guarani, os tekoha – mais do que serem simples espaços de subsistência – são locais sagrados onde se produz toda a cultura e o modo de ser de seu povo, onde é repassado o significado das lutas destes povos tradicionais. Neste espírito transcorreu o encontro em Santa Helena com a avaliação dos líderes indígenas dos trabalhos feitos ao longo de um ano e meio, desde a criação da Comissão de Terras, criada a partir do primeiro encontro.
Essa comissão vem discutindo junto às autoridades não-indígenas questões de políticas públicas e da demarcação de terras na região. Por meio de um grupo de trabalho, os indígenas vêm organizando um mapeamento dos locais. O processo de reconhecimento passa pela identificação da terra – se realmente se trata de uma terra indígena, a delimitação do espaço e, num terceiro momento, a área é demarcada. Ao final, a terra é homologada e é criada juridicamente a área.
O professor guarani Teodoro Alves Tupã, coordenador da comissão, fez uma avaliação positiva do trabalho. "Hoje a Comissão de Terras Guarani é reconhecida como um instrumento de luta política por todas entidades e associações indígenas, tanto Guarani como Kaingang no Paraná, e também pelas autoridades não-índias, como a FUNAI [Fundação Nacional do Índio], o Ministério Público e a Itaipu. Este reconhecimento – que foi construído por nossas lutas e mobilização – vem nos permitindo avançar na luta por nossos direitos".

Protagonismo

Apesar das conquistas, o consenso entre as lideranças é que é necessário avançar no protagonismo, pois apesar de reconhecerem o apoio à causa por parte de setores da sociedade como ONGs, universidades, movimentos sociais e entidades de classe, todos têm clareza que apenas o próprio indígena é "dono de seus direitos e devem ocupar mais espaço junto às políticas públicas e a própria Funai".
Deste debate nasceu um documento a ser apresentado as autoridades competentes apontado a necessidade do reconhecimento das terras tradicionais e a aceleração dos laudos antropológicos das áreas já ocupadas.

Solidariedade

Reforçando que fronteiras são linhas imaginárias criadas pelos não-índios, os indígenas do Oeste do Paraná também discutiram a questão das ameaças e violências contra os Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Sensibilizados pelo sofrimento que passa o povo irmão, os líderes regionais decidiram entrar em contato com a Aty Guasu (uma grande assembleia que reúne lideranças Guarani) e organizar uma comitiva para visitar a região de Amambái (MS) no final de janeiro.
Para os líderes guarani do Oeste do Paraná, o momento é de prestar solidariedade aos 'parentes Kaiowá'. "Os atentados contra as lideranças Guarani-Kaiowá são atentados contra todo o povo Guarani e deve ser respondido por todo o povo Guarani. A luta é a mesma e o povo é o mesmo", afirmou o rezador guarani Vicente Abogado.

 
Nota de repúdio da Comissão de Terras Guarani

Nos dias 10 e 11 de dezembro, foi realizado na Aldeia Yv’a Renda Poty, em Santa Helena, o V Encontro de Rezadores e Lideranças Indígenas do Oeste do Paraná, oportunidade onde foi prestada solidariedade aos irmãos Guarani-Kaiowá, do Mato Grosso do Sul. A Comissão de Terras Guarani do Oeste do Paraná também emitiu uma nota de repúdio ao assassinato do cacique Nísio Gomes. Segue abaixo a íntegra da nota.
Nós, caciques, rezadores e lideranças indígenas membros da Comissão de Terras Guarani do Oeste do Paraná, reunidos da aldeia de Yv’a Renda Poty, repudiamos o assassinato do parente Guarani-Kaiowá Nísio Gomes, da aldeia de Tekoha Guaviry, município de Amambaí. A sua execução por pistoleiros no dia 18 de novembro já vai fazer um mês e seus assassinos e mandantes ainda estão impunes, assim como dos vários indígenas mortos nestes anos. O assassinato do cacique Nísio se soma as duas centenas de parentes mortos somente nestes últimos oito anos, uma matança que já toma a forma de genocídio contra o povo Guarani e os povos indígenas do Brasil. Neste ano de 2011 aconteceram – somente no Mato Grosso do Sul – 150 ameaças de morte e 34 assassinatos, quase sempre lideranças do nosso povo envolvidos na luta pela terra tradicional. E nosso povo continua resistindo debaixo das lonas, nas beiras das estradas e nas pequenas aldeias cercadas pela soja e pelo agronegócio. Não podemos continuar assistindo calados os crimes cometidos contra nossos parentes, não podemos mais assistir tanto o poder judiciário como o executivo sendo utilizados para espoliarem nossas terras e assassinarem nossos líderes. É vergonhosa a tolerância do governo federal aos ataques no Mato Grosso do Sul!! Temos notícias que existem várias lideranças indígenas Kaiowá juradas de morte, entre elas o vereador indígena Otoniel Guarani, do município de Caarapó. Devido a isso, exigimos:

1.      Imediata intervenção do governo federal no Mato Grosso do Sul
2.      Proteção as lideranças ameaçadas
3.      Imediato reconhecimento das terras indígenas e sua demarcação
4.      Punição aos assassinos e mandantes
Comitê de Terras Guarani do Oeste do Paraná 
Dezembro de 2011

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