Adiamento
Nesta segunda-feira (6), mais de dez indígenas representantes da aldeia viajaram até São Paulo para assistir ao julgamento do agravo que pede a suspensão do despejo, no Tribunal Regional Federal 3ª Região. Depois do voto da relatora do processo, juíza Louise Filgueiras, no entanto, o presidente da sessão encerrou julgamento sob justificativa de que o caso é complexo e demanda maiores estudos. A decisão foi adiada sem data definida.
"Não é possível fazer um juízo de certeza sobre a legal ocupação tradicional da terra pelos indígenas. Porém, é certo que há indícios de que se trata de área tradicionalmente ocupada pelos índios, tendo em vista relatos históricos juntados pelo Ministério Público Federal e pela FUNAI”, avaliou Filgueiras, e continuou: “Não é demasiado dizer que a única solução justa e definitiva para esse caso passa necessariamente pela finalização dessa perícia. Todas as demais soluções serão paliativas."
Depois de argumentar a respeito das faltas de condições mínimas de moradia para qualquer lugar a que os índios poderiam ser encaminhados, Louise Filgueiras apresentou seu voto favorável à suspensão temporária da reintegração de posse: “Eu me posiciono parcialmente procedente o agravo determinando a suspensão da ordem de reintegração de posse até a realização da perícia antropológica”. Os dois votos restantes, no entanto, permaneceram indefinidos. O desembargador federal Luiz Stefanini, que presidia a sessão, pediu “vista dos autos” e adiou o julgamento, sem prazo para o processo voltar.
Medo e dor
Assim que receberam a ordem de despejo, o povo indígena da Tekoha (terra) Laranjeira Nhanderu escreveu uma carta pública a todas as autoridades das justiças do Brasil, na qual alertam que estão “coletivamente em estado de medo, desespero e dor profunda, já sobrevivemos em situação mísera e perversa há várias décadas. Hoje nós compreendemos claramente que nós não temos mais chances de sobreviver culturalmente e nem fisicamente neste país Brasil”. “Não queremos ser despejados daqui. Em outro espaço de terra distante não seremos felizes e nem seremos seguros para mantermos a nossa vida e prática culturais vitais já fortalecidos e preservados aqui no pequeno espaço antigo Ñanderu Larajeira”, afirmam. “Não queremos perder mais a nossa nova geração (crianças e jovens) para o mundo de violências existentes tanto nas aldeias superlotadas quanto nas margens das cidades e rodovias”, ressaltam.
Do lado de fora do Tribunal, em conversa entre os advogados, os indígenas e os militantes que acompanharam a sessão, o procurador federal Alexandre Jabur, que entrou com o recurso frente à ordem de despejo, salientou que “o voto foi ótimo, mas a situação está indefinida. O momento é delicado, importante que não haja muita circulação de outras pessoas que não são da aldeia, senão eles vão alegar que a área está se inflando, ou que está sendo infringido o direito de propriedade, qualquer coisa do tipo”. “O sonho nosso é só isso, nada de outras coisas. Só que seja feita essa perícia que vai mostrar que temos direitos às nossas terras ancestrais”, desabafou o cacique Faride.
Otimismo Sufocado
A relatora Louise Filgueiras entrou como juíza substituta de André Nekatschalow, que está de férias. Se por um lado os índios e advogados fizeram uma avaliação positiva do voto de Filgueiras que provavelmente não seria o mesmo caso Nekatschalow estivesse em seu lugar, o fato de os outros dois desembargadores optarem por ainda não se posicionar, deixou o otimismo sufocado.
“Agora temos dois trabalhos. Um é uma perícia judicial. O outro mais complexo e demorado é a perícia da Funai que vai garantir a posse da terra para os índios de forma mais definitiva. Essa perícia judicial nesse momento é o mais importante, é o que a gente está querendo fazer para garantir que ninguém seja removida da área”, explicou Jabur.
A ordem de reintegração de posse, por enquanto suspensa até o final do julgamento, determinou também que ninguém pudesse entrar na terra Laranjeira Nhanderu que não fosse a Funai. “As crianças de cinco anos, do prézinho, têm que andar três quilômetros para pegar o ônibus na rodovia e ir para a escola, porque o ônibus não está sendo permitido de entrar. E a BR é muito perigosa”, criticou Faride. “Lá tem uma senhora aleijada que não pode andar. Quando ela tem que receber a aposentadoria dela na cidade, como o taxista vai entrar? Nós temos que levar ela de bicicleta os 3 quilômetros”, conta. “Agora vamos esperar rezando”, comentaram os indígenas.
Histórico
Está longe de ser a primeira vez que os Guarani Kaiowá de Laranjeira Nhanderu enfrentam ameaças de despejo. Em 2007 resolveram sair das apertadas áreas que foram reservadas a eles (a força) pelo então Serviço de Proteção ao Índio (SPI) na década de 1920 e retomar sua terra originária, de 11 mil hectares, na agora Fazenda Santo Antônio. Desde então sofreram diversos ataques por pistoleiros e foram despejados três vezes, tendo suas casas de sapê queimadas.
Na última vez que foram desalojados, em setembro de 2009, ocuparam a beira da BR 163 por 1 ano e 7 meses. Ao menos cinco pessoas foram atropeladas na perigosa estrada (Josué Cabreira, 19, Serbino Ortiz, 15, Josimar Cabreira, 16 , Fantuir Barbosa Jorge, 8 e Ademir Ilto, 22 anos). A contaminação da água por veneno e agrotóxicos também já deixou mortes na comunidade. “Da última vez que recebemos notícia de que seríamos despejados, dois jovens de 14 e 16 anos se suicidaram. Um era o meu sobrinho”, relatou Faride.
Diante da falta de soluções e fartos de promessas vazias, reocuparam sua terra em maio do ano passado.
Veja depoimento da indígena Nhandecy, em Setembro de 2011, depois da retomada de sua terra Laranjeira Nhanderu e diante da ameaça de novo despejo:
via Guarani Filmes
publicado na revista Caros Amigos com fotos de Fábio Nassif
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