por Maurício Santoro
Na juventude, Rio Branco serviu como secretário de seu pai, o Visconde do Rio Branco, um experimentado político e diplomata cujas realizações só são comparáveis às do filho. Ele o acompanhou em diversas missões aos países da bacia do Prata e foi testemunha em primeira mão das devastadoras guerras que o Brasil travou na região entre as décadas de 1820-1870. Tais custos e sacrifícos praticamente sumiram da memória histórica brasileira, mas só no conflito com o Paraguai estima-se que morreram 50 mil soldados do país – uma cifra trágica, semelhante às perdas dos Estados no Vietnã nas décadas de 1960-1970. A guerra também destruiu financeiramente o Império, lançando o regime numa crise econômica da qual jamais se recuperou.
Os militares e civis que proclaram a República estavam cientes dos custos das guerras platinas e se esforçaram em reverter o curso da diplomacia imperial e estabelecer boas relações com as nações vizinhas, notadamente com a Argentina, que o Brasil enfrentara em dois conflitos, e com quem manteve uma tensa aliança contra o Paraguai. Nos anos finais da monarquia o barão começara um trabalho bem-sucedido de delimitação das fronteiras brasileiras por negociações pacíficas, sobretudo por arbitragens jurídicas internacionais. Esses foram os serviços que lhe renderam o título de nobreza (que no Império não era hereditária). A República lhe deu novas tarefas e o promoveu a ministro das Relações Exteriores, cargo que desempenhou para uma sucessão de presidentes entre 1902-1912.
Rio Branco foi bem-sucedido nas negociações porque era um exímio historiador, profundo conhecedor de temas militares e geográficos do Prata e do Amazonas. E um político habildoso que percebeu que a ordem mundial do século XX seria do declínio da Grã-Bretanha e da França, e da ascensão dos Estados Unidos, com o qual estabeleceu uma “aliança não-escrita”: apoiar suas ambições internacionais em troca de seu auxílio para as demandas brasileiras na América do Sul. A mais grave delas, a complexa fronteira com a Bolívia, envolvia empresas americanas interessadas em explorar os seringais da região.
A proximidade com os Estados Unidos veio acompanhada da preocupação da construção de boas relações com as nações mais importantes do Cone Sul, Argentina e Chile, na qual ele também foi bem-sucedido, apesar de rusgas com Buenos Aires, em particular sua longa rivalidade com o chanceler argentino Estanislao Zeballos, que vinha dos tempos em que ambos eram jornalistas de pena mordaz.
O barão foi um diplomata notável, mas morreu amargurado com os fracassos da modernização brasileira na República, e sua interminável sucessão de rebeliões, insurreições armadas e instabilidade política. Faleceu durante o carnaval e o governo tentou adiar a festa por decreto, gesto inédito e nunca mais repetido. Não funcionou, claro: o povo foi em massa ao seu funeral e depois comemorou nas ruas a festa. Duas vezes. Na definição precisa de meu amigo João Daniel Lima de Almeida, o Brasil deve ao barão não só suas fronteiras, mas também a invenção da Micareta, o carnaval fora de época. Boêmio e farrista em sua juventude carioca, Juca Paranhos, o barão do Rio Branco, certamente teria adorado.
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