via TV Cultura
Construída com incentivos da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), a vila conta com 24 casas, além de escola, casa do professor, base de pesquisas da FAS, base de apoio aos agentes de saúde, centro comunitário para reuniões e unidades de produção agroflorestal.
Comunidades ribeirinhas no AM vencem o isolamento
Em uma curva do rio Jutaí, há quatro horas de hidroavião e 14 dias de barco de distância de Manaus, foi construída a Vila Cujubim com 24 residências de madeira, uma escola, uma casa de apoio à inovação tecnológica, uma casa do professor e toda uma infraestrutura com água e luz, que funcionam por meio de gerador. Nela, vivem 186 ribeirinhos que, decididos a escaparem do isolamento saíram de três comunidades (Pirarucu, São Raimundo e Goiabal) na selva, para formar um novo núcleo de desenvolvimento extrativista, em uma das áreas mais primitivas da Amazônia.
O investimento foi de R$ 1,278 milhão e contou,prioritariamente, com recursos da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), que, junto com a Secretaria de Desenvolvimento Sustentável (SDS) administra a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Cujubim, uma área de mais de 2,5 milhões de hectares, no município de Jutai.
“A gente vivia no meio da malária, da necessidade e do esquecimento, quando decidimos sair de nossas comunidades para formar a vila. Agora, estamos juntos e nos defendendo melhor”, disse o presidente da Associação do Moradores da RDS local, Edivar Bezerra de Moura, 59.
Dona Francisca Lopes dos Santos, 55, segura uma criança no colo e, ao mesmo tempo, corta castanha com o terçado. Antiga moradora da comunidade Pirarucu, ela disse que se mudou para a vila para encontrar mais paz no coração, depois de tanta malária, mortes e sofrimento.
“Vim para cá, porque nos disseram que teria luz, água e uma casa de madeira. Mas não é que esta gente que, praticamente, não conheço cumpriu a palavra. Parece até um sonho”. Ao seu lado, a jovem Maria Luzineide, 17, mãe de uma menina de nove meses acompanha a fala de dona Francisca, por quem tem admiração. “Ela é um exemplo de luta, eu custei a acreditar, mas estou aqui com o meu marido e a minha filha em uma casa novinha”, disse Luzineide.
Esperança
Na condição de presidente da comunidade Vila Cujubim, o extrativista José Praciano de Castro (José Galego), que também é pai de quatorze filhos, disse que o tempo da exploração e da miséria está acabando. “Nós estamos aqui, longe de tudo e tendo que se virar do nosso jeito para agüentar. Mas, agora, há esperança para os nossos filhos que têm onde estudar e morar”, disse em sua cozinha, ao lado do superintendente da FAS, Virgilio Viana, e de sua última mulher Maria Rossilda.
Índios isolados
Região rica em caça e pesca, a RDS Cujubim tem onças, antas, lontras, ariranhas, jacarés, águias, macacos de várias espécies e até mesmo índios isolados dizem os ribeirinhos, já que a RDS faz limite com a Reserva Indígena do Vale do Javari, onde vivem etnias desconhecidas no meio da floresta virgem.
Onças
Seu Luiz Teixeira de Oliveira, 64, é uma das pessoas mais queridas da nova Vila Cujubim. Ele conta que sempre viveu da caça e da pesca e que por diversas vezes se encontrou com onças. “Uma delas, a bandida, quase me comeu. Eu ‘tava’ numa estrada tirando seringa, quando a bicha avançou sobre a minha cadela, a Diana. A onça, uma daquelas grandes avermelhada, pegou nas costelas da cachorrinha e eu saltei na frente para tirar ela da boca e das garras da ‘miserável’, quase morri, mas me salvei dando com o balde do leite da seringa na cara dela e metendo o terçado na cabeça.Foi duro, mas escapei”.
Seu Oliveira contou também que de uma outra vez uma onça invadiu o seu terreiro saltando em cima da casa de palha. “Desta vez não me vi em apuros, mas a onça foi atrevida, imagine moço que ela foi na minha casa pegar os meus cachorros, vê se pode, eu não pensei duas vezes e meti chumbo nela, mas ela escapou”, disse.
Parcerias
É esta gente genuinamente cabocla, que a FAS, com o apoio das autoridades municipais de Jutai, do governo do Estado, através do IDAM, FVS, CEUC e de parceiros privados da Fundação: como o Bradesco, por exemplo, na cultura dos programas Bolsa Floresta, Bolsa Renda, Bolsa Associação e Bolsa Social, que está repensando suas práticas de produção, através da orientação de técnicos e especialistas em sustentabilidade econômica da floresta.
Produção Sustentável e viável para os ribeirinhos
Não basta apenas construir casas na floresta, é fundamental oferecer condições técnicas para uma produção sustentável e viável para os ribeirinhos. Foi pensando nesta direção, que os parceiros da FAS no projeto da vila Cujubim se articularam.
“Nós estamos trazendo 400 galinhas caipiras para que eles tenham ovos à disposição; fortalecemos o corte da borracha, através da abertura de novas estradas e fornecendo kits para os seringueiros; o manejo do pirarucu em lagos é uma das nossas prioridades para geração de renda; e o manejo da madeira já começa a ser introduzido ”, disse Marildo Ximendes , coordenador do Idam local.
Cantina
Uma cantina com diversos produtos de primeira necessidade serve como entreposto, para que os ribeirinhos possam comprar os alimentos necessários, dando em troca óleos de copaíba e andiroba, peixes salgados, como pirara e pirarucu, entre outros produtos da floresta e dos rios. Após o registro contábil, eles são levados para serem comercializados em Jutaí, com preços mais competitivos. Desta forma, a figura do atravessador, o regatão, sai de cena.
Malária
Na saúde, uma equipe formada por um agente de endemias Amazonas Fernandes de Souza e Maria Teixeira dos Santos, microscopista, combatem a malária. Em 2011, quando a vila não estava pronta, foram registrados 33 casos. Em 2012, 14 pessoas foram infectadas pela malária. “Aqui é uma região endêmica, mas nós adotamos um sistema de mosquiteiros com químicos, que tem ajudado a reduzir a malária dentro de casa e ainda fazemos o fumacê ”, disse Amazonas Souza.
Aposta em novo polo extrativista
Disposta a colaborar para o desenvolvimento da vila Cujubim, a prefeitura de Jutaí, através do vice-prefeito Antonio Cândido, também de origem ribeirinha, colocou seus técnicos agrícolas, em parceria com o Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas (Idam), para ajudar na elaboração de projetos de produção rural na vila Cujubim.“ Com as casas e toda esta infraestrutura proporcionada pela FAS vamos manter técnicos todo o ano aqui. A gente está feliz, porque nos foi repassada a escola também, onde temos três professores”, disse Cândido.
Comitiva
Uma comitiva municipal formada pelos secretários de Produção Rural, Saúde e o presidente da Câmara de vereadores, sendo eles: Edinaldo Gama, Aldemir Veras e Pedro Macário Barbosa, respectivamente, também esteve presente na inauguração da vila. Os ribeirinhos, surpresos com tanta gente graúda, como costumam dizer, tiveram um dia totalmente diferente de suas rotinas. “A gente quer ver este povo da cidade mais vezes, mas que tragam médicos, enfermeiros e recursos para a comunidade”, disse ‘José Galego’.
Polo de desenvolvimento
Pelo Estado, o assessor especial da Coordenação do Ceuc, Walter Costa Antunes, representando seu chefe Sérgio Gonçalves e a secretária da SDS, Nádia Ferreira, disse “que as ações na RDS local vão ser ampliadas com a criação da vila. “Trata-se de um novo polo de desenvolvimento extrativista que está nascendo com planejamento e isso é fundamental para os ribeirinhos”.
Francisco de Assis da Silva Moreira gestor da RDS Cujubim, disse que a proteção e fiscalização da reserva melhorou através da criação da vila Cujubim. “Há mais organização e os caçadores e pescadores ilegais não têm entrado na área onde vivem os comunitários. Agora, vamos tratar de aumentar e melhorar a renda das comunidades”.
Farinha
Com uma nova mentalidade empreendedora na região, o Idam disponibilizou o técnico Neuton Peres da Costa, especialista na fabricação de farinha, para que os agricultores da vila aprendessem a produzir com mais higiene e dentro dos padrões sanitários exigidos pelo mercado. “Eles não sabiam coisas básicas de tratamento da farinha, mas em pouco mais de uma semana aprenderam a produzir com qualidade”, disse Costa, junto a um grupo de jovens aprendizes na casa de farinha improvisada da vila. “Eu vou plantar, colher e fazer a minha farinha para vender na cidade”, disse Francisco dos Santos Pereira da Silva, aluno aprendiz.
O delegado pastor
O cabo da polícia militar Mário Jorge da Silva Alicatia, também é o delegado de Jutaí e pastor da Assembléia de Deus. Em sua cintura uma pistola e nas mãos a bíblia.
Junto com a irmã dominicana Gabriela do Monte Silva, ele fez as orações que antecederam a entrega das casas aos ribeirinhos. “Eu mantenho a ordem com os meus homens e as armas, mas a minha maior força é a palavra de Jesus Cristo, nosso Senhor”, disse Alicatia.
A irmã Gabriela, liderança respeitada na região, disse “que a vila que nascia deveria ser unida, que um graveto se quebra facilmente, mas que um feixe de madeira, a exemplo de um grupo unido, não se quebra”. Ela destacou que isolamento se combate com solidariedade e amor no coração.
Visionários
Na vanguarda da elaboração e execução do projeto que levou a construção da vila Cujubim está o superintendente da FAS, Virgilio Viana, que disse: "o que fizemos aqui na RDS do Cujubim, uma das áreas mais isoladas do Brasil, nos permite dizer que estamos prontos para atuar em qualquer região da Amazônia. Este povo vivia no isolamento, mas, agora, é referência de desenvolvimento sustentável. Isso é extraordinário, por isso investimos com firmeza, para preservar e conservar o que essa gente da floresta tem de melhor".
Na companhia de João Tezza, diretor técnico da FAS e de outros colegas como Francisco Ademar, Benjamim, Zenaura Maria de Freitas, entre outros tantos colaboradores da Fundação, Virgílio Viana, disse estar disposto a construir mais centros de desenvolvimento sustentável em outras unidades de conservação do Estado. Até o momento foram construídas apenas oito unidades.
publicado no jornal A Crítica
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