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Em Lisboa, o merceeiro do bairro já não é o 'Sr. António': agora chama-se 'Mohammed'

Posted: 28 de mar. de 2012 | Publicada por por AMC | Etiquetas: , ,

por Cláudia Sobral

São indianos, paquistaneses, bengalis, nepaleses. Tentam fintar o desemprego, conquistar algum prestígio nas suas comunidades. E acabam por fazer as vezes das antigas mercearias, que assim não desaparecem.
Dona Augusta gosta de se sentar mesmo em frente ao balcão. Passa horas à conversa com "Micó", que é como chama a Bhupendra Budha, um nepalês que trabalha numa das pequenas mercearias de imigrantes do subcontinente indiano que se têm multiplicado pelo seu bairro, Alfama, e também por Lisboa.
Há muito que o comércio tradicional está em crise e que se estudam e discutem possíveis soluções. Mas estes comerciantes parecem estar acima de tudo isso. Juntam ou mandam vir dos seus países o dinheiro necessário para o investimento inicial e do negócio não só tiram depois sustento, como dão emprego aos seus conterrâneos. Vêm da Índia, do Paquistão, do Bangladesh ou do Nepal. Em 2010, período a que se referem os números mais recentes do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, residiam em Portugal, ao todo, 9679 imigrantes dos quatro países.
Não se sabe quantas destas lojas já há. Sabe-se que quase todas são recentes. E que facilmente se tropeça nelas em qualquer bairro de Lisboa. Chegam a ser várias por rua. Um dos seus trunfos são os horários - normalmente estão autorizados a abrir das 8h à meia-noite -, o que permite diversificar o tipo de clientes.

Abastecem-se no Mercado Abastecedor da Região de Lisboa (MARL) e em armazéns grossistas. "Eles até têm bons preços", diz dona Augusta. "E são simpáticos." Sempre consegue comprar parte do que precisa sem ter de se deslocar às mercearias da Baixa, daquelas à antiga, onde gosta de comprar.
"Muitas destas empresas estão a ter muitas dificuldades", adverte Catarina Reis Oliveira, do Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI), autora de vários estudos sobre empreendedorismo imigrante. E explica que alguns destes empresários encontram a competitividade nas margens de lucro muito baixas. Ou então em "mais horas de trabalho, ou em salários mais baixos".
Mohammed Faruk, um bengali à frente de três mercearias, diz estar a passar por dificuldades: "Antigamente vendia 200, 300 euros num dia, agora vendo 40 ou 50". Só para renda do pequeno espaço da Av. Álvares Cabral vão 750 euros. Depois, lembra, ainda tem as contas da família para pagar. "Às vezes a literacia financeira também precisa de ser um bocadinho trabalhada", afirma Catarina Reis Oliveira, que diz ser frequente "misturar-se o dinheiro da empresa com o da família".

Investir as economias

Ele chegou a Portugal sozinho já lá vão cinco anos, à procura de trabalho. Há oito meses conseguiu trazer a mulher e a filha, que está agora na escola portuguesa - e isto é motivo de orgulho. Em cada loja tem dois empregados e cada um tem um ordenado de 500 euros. Diz que mesmo que o negócio não corra pelo melhor, pelo menos por uns meses está a dar emprego a alguns rapazes, de outra forma desempregados.
Depois de ter trabalhado ao balcão no Martim Moniz e no Colombo, decidiu que passaria a ser patrão de si próprio. Sempre que abre uma loja manda vir dinheiro do Bangladesh. "Uns dez ou 15 mil euros."
O antropólogo José Mapril, que fez a sua tese de doutoramento sobre a comunidade do Bangladesh em Portugal, não arrisca números, mas de uma coisa está seguro: este grupo de imigrantes investe cada vez mais nas pequenas mercearias de bairro com horários alargados, já para lá do Martim Moniz, onde surgiram as primeiras, mais vocacionadas para os produtos étnicos, importados dos países de origem. "É uma tendência do último ano e meio ou dois anos", constata.
Agora voltaram-se para produtos bem portugueses, ao jeito das mercearias, para servir a população local, diz José Mapril. "[A aposta neste tipo de negócio] é uma das tendências que se verifica mais acentuadamente nos imigrantes do Bangladesh." Tem havido "muita reconversão de capital", especialmente de lojas de vestuário grosso para mercearias ou lojas de souvenirs. A adopção destas estratégias empresariais, explica o antropólogo, tem a ver com estes imigrantes terem "algum capital educacional e económico".Estas lojas disputam a R. do Arsenal com mercearias como a Pérola do Arsenal. Rhada Bhownick, indiana, arruma caixas de tabaco em cima de um escadote, barriga empinada de fim de gravidez. Quando veio de Calcutá já o marido era dono de uma mercearia, na Rua de São Paulo, que entretanto vendeu. Ficaram com outras duas. Tarde de domingo, ninguém trabalha na Baixa. Excepto estes imigrantes. Que também já chegaram à periferia de Lisboa.

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