por Lúcio Flávio Pinto *
O cancelamento da propriedade da maior grilagem do mundo, feita no Xingu pode ser agora definitiva. Basta que se confirme que o suposto proprietário, Cecílio do Rego Almeida, não recorreu da sentença do juiz da 9ª vara federal. Mesmo morto e sem terra, o espectro do grileiro ainda comanda a justiça estadual.
Em 25 de outubro do ano passado, o juiz substituto da 9ª vara da justiça federal em Belém mandou cancelar a matrícula de uma área de 4,7 milhões de hectares, conhecida como Gleba Curuá ou Fazenda Curuá, na Terra do Meio, no Xingu. A área foi registrada no cartório de imóveis de Altamira, em nome da Incenxil (Indústria, Comércio, Exportação e Navegação do Xingu, Ltda). Por trás dela estava a Rondon Agropecuária. E, por trás dela e de outros testas-de-ferro, o empresário Cecílio do Rego Almeida, tido como um dos homens mais ricos e poderosos do Brasil.
O juiz Hugo Sinvaldo Silva da Gama Filho reconheceu que os direitos conferidos por aquele registro eram nulos, “em razão de todas as irregularidades que demonstram a existência de fraude no tamanho da sua extensão, bem como a inexistência de título aquisitivo legítimo”. Além de mandar cancelar a matrícula do imóvel, ele ordenou “a devolução da posse às comunidades indígenas nas áreas de reserva indígena que se encontram habitadas por não-índios”. Condenou a empresa ao pagamento das custas processuais e da verba honorária, que fixou em 10 mil reais.
No dia 9 de dezembro a sentença foi publicada pela versão eletrônica do Diário da Justiça Federal da 1ª Região. No último dia 15 de fevereiro os autos do processo, com 1.411 páginas, foram devolvidos à subseção federal de Altamira, em cumprimento à portaria, baixada em novembro do ano passado. Ela determinou “que a competência em matéria ambiental e agrária deve se limitar apenas aos municípios que integram a jurisdição da sede da correspondente Seção Judiciária”.
É provável que a única intervenção do juiz de Altamira seja para extinguir a ação e arquivar o processo. Tudo indica que a Incenxil não recorreu da decisão do juiz Hugo da Gama Filho. Ou por perda do prazo, que já foi vencido, ou porque desistiu de tentar manter em seu poder terras comprovadamente usurpadas do patrimônio público através da fraude conhecida por grilagem.
A sentença confirma o que reiteradas vezes declarei neste jornal: Cecílio do Rego Almeida era o maior grileiro do Brasil – e talvez do mundo – até morrer, em 22 de março de 2008. Por ter dito esta verdade, reconhecida pela justiça federal, a justiça do Estado me condenou a indenizar o grileiro. Tomada inicialmente por um juiz substituto, que fraudou o processo para poder juntar a ele sua sentença, a decisão foi mantida nas diversas instâncias do poder judiciário paraense, mesmo quando a definição de mérito sobre a grilagem foi deslocada (e em boa hora) para a competência absoluta da justiça federal.
Se a Incenxil não recorreu, a grilagem que resultou na enorme Fazenda Curuá foi desfeita. Mas essa decisão não se transmitiu para o meu caso, o único dos denunciantes da grilagem (e, provavelmente, o único que mantém viva essa denúncia) a ser condenado. Em um livro-relâmpago que estou lançando junto com esta edição especial do Jornal Pessoal, reconstituo a trama urdida para me levar a essa condenação.
Como vítima de uma verdadeira conspiração entre empresários, advogados e membros do poder judiciário, considero a minha condenação um ato político. Seu objetivo é me calar. Mas calar não só aquele que denuncia a grilagem e a exploração ilícita (ou irracional) dos recursos naturais do Pará (e da Amazônia). É também punir aquele que acompanha com muita atenção a atuação da justiça e a crítica abertamente quando ela erra, de caso pensado.
Decidi tirar uma edição exclusivamente dedicada ao meu caso não para me defender, mas para atacar. Não um ataque de retaliação pessoal, mas uma reação da opinião pública contra os “bandidos de toga”, que usam o valor da justiça para atingir alvos que só a eles interessa; que se disfarçam de julgadores para agir como partes; que recorrem aos seus poderosos instrumentos para afastar todas as formas de controle que a sociedade pode ter dos seus atos.
Por isso decidi não recorrer da condenação que me foi imposta e conclamar o povo nesta luta pela limpeza do poder judiciário do Pará. Nossa força é moral. E ela deriva do fato de que temos a verdade ao nosso lado. A verdade é a nossa arma de combate. Com ela iremos ao tribunal, no dia em que ele executar a sentença infame contra mim, para apontar-lhe a responsabilidade que tem. Não satisfeito em defender os interesses do saqueador, do pirata fundiário, ainda nos obriga a ressarci-lo porque a verdade lhe causa dano moral.
Que moral é essa? A dos lobos, que predomina quando é instituída a lei da selva. Sob sua vigência, vence o mais forte. O resultado é essa selvageria, que se manifesta de tantas e tão distintas formas, sem que nos apercebamos da sua origem. Frequentemente ela está no poder judiciário, o menos visível e com menos controle social de todos os três poderes estabelecidos na constituição.
Esse poder absoluto precisa acabar. Para que, com ele, acabe um dos seus males maiores: a impunidade. Queremos um Pará melhor do que esta selvageria em que o estão transformando. Chega.
Reuni nesta edição uma seleção de matérias que surgiram na imprensa e no mundo virtual da internet. Há de tudo nesta edição. Da mais vetusta publicação a uma revista dirigida aos jovens – e, por isso, usando a sua linguagem Quase tudo do caro e distinto leitor, a razão de ser deste jornal, do judiciário e de todas as coisas humanas que há sobre a Terra.
publicado na Adital
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