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"O Código Florestal e a 'esquerda' no Brasil"

Posted: 3 de mar. de 2012 | Publicada por por AMC | Etiquetas: , ,

por Agostinho Vieira

Já vai longe o tempo em que as grandes bandeiras nacionais eram o fim da ditadura, a anistia aos presos políticos, a realização de eleições livres e diretas e a instalação da Constituinte. Temas que separavam progressistas de reacionários, a esquerda da direita e os bons e justos dos equivocados. Claro que ninguém sente saudades do regime militar e nem dos velhos embates entre Arena e MDB, mas não há dúvida de que era mais fácil assumir uma posição naquela época.
Que o digam os deputados que hoje representam no Congresso os outrora chamados partidos de esquerda ou de centro-esquerda. Não falo do PMDB ou do PTB, que sempre foram sacos de gatos, mas aqueles sobre os quais não pairava dúvida, como os comunistas do PCdoB e do PPS, os trabalhistas do PDT, os socialistas do PSB, os social-democratas do PSDB e o PT. Na semana passada, na votação do Código Florestal, 62 representantes destes partidos, costearam o alambrado, como diria Leonel Brizola, e votaram, junto com os ruralistas, pela mudança do código.
A importância dessa votação não é só política, mas histórica e matemática. Se esses 62 votos estivessem do lado oposto, a proposta do Senado, muito mais razoável e equilibrada, teria sido aprovada. O resultado oficial foi 274 a 184. Mas poderia ter sido 246 a 212. Os tucanos e os trabalhistas do PDT chegaram a orientar as suas bancadas para que votassem não. Apenas o PSOL, o PV e o surpreendente PRB, do Acelino Popó, foram unânimes na aprovação do texto do Senado. Dos 80 representantes do PT, só um votou contra a proposta defendida pelo Governo.
Mas o que terá levado estes parlamentares a cerrarem fila com alguns dos maiores representantes do atraso? Se olharmos o copo meio cheio, eles podem ter pensado que votavam a favor dos pequenos agricultores e do combate à fome. Mas isso seria ingenuidade demais. Até porque a proposta do Senado protegia esses setores. Já o copo meio vazio nos leva a interesses políticos mesquinhos, questões domésticas e dívidas de campanha. Se estivessem vivos, como teriam votado figuras emblemáticas como Miguel Arraes, Mário Covas, Ulisses Guimarães e Brizola?
E o mais interessante é que nenhum desses 62 votos de “esquerda” foi um voto de protesto ou ideológico, como se via no passado. Ninguém votou contra o texto do Senado porque achou ruim, equivocado. Boa parte dos ambientalistas, entre eles a ex-ministra Marina Silva, consideravam que as duas versões postas em votação trariam danos às florestas, ameaçavam as áreas de proteção permanente e facilitariam novos desmatamentos. Mas, ao que parece, isso não sensibilizou ninguém.
Neste século XXI, época do aquecimento global e do desenvolvimento sustentável, talvez expressões como esquerda, direita, progressistas e reacionários não façam mesmo mais sentido. O escritor Otto Lara Resende dizia que o mineiro só é solidário no câncer. A ditadura teria sido o câncer que juntou por um breve tempo essas legendas. Ou talvez não seja nada disso e, como diria Tim Maia, o Brasil continua sendo o único país onde puta goza, cafetão sente ciúme, traficante se vicia e deputados de esquerda votam com ruralistas.