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A propósito do dito popular: "Pimenta no c** dos outros é refresco!"

Posted: 12 de mai. de 2012 | Publicada por por AMC | Etiquetas: , , , ,


Confrontado pelos jornalistas, no almoço da Chairmen’s Conference da YEPP (Juventude do Partido Popular Europeu), sobre as críticas da oposição às suas afirmações sobre o desemprego, Passos Coelho respondeu: «Sei bem o que disse e mantenho o que disse».
Para retocar um pouco a face, foi dando uma no cravo outra na ferradura, queixou-se de más interpretações intencionais, insinuou que existe quem queira criar «crises artificiais», negou a contradição com a percepção da situação que, no mesmo dia, o ministro das Finanças fez e lá voltou à carga: «As pessoas que estão desempregadas percebem que precisam de novas oportunidades na sua vida e que essa situação não as vai vencer. É uma situação que elas têm de vencer».

É aflitivo que o primeiro-ministro insista em fazer 'considerandos' ao arrepio da realidade que se vive em Portugal. O desemprego de longa duração é hoje em dia o que mais se acentua no país, ou seja, o de pessoas que buscam trabalho há pelo menos um ano sem sucesso. Dentro deste, é assustador o número de desempregados que persistem nessa missão impossível há dois anos ou mais. Os números constam das estatísticas quer do INE, quer do Eurostat. Basta consultá-las. Ainda esta semana, a UNICEF divulgou um relatório que coloca Portugal entre os países onde as crianças são mais maltratadas, muito por conta da insuficiência económica dos pais, para lhes garantirem uma refeição quente diária e os cuidados de saúde devidos. As pessoas já venderam quase tudo o que tinham, perdem inclusivamente as suas casas, estão a passar fome, a prescindir de remédios e tratamentos e as taxas de suicídios e depressões disparam para níveis sem precedentes.
Às classes mais desfavorecidas soma-se hoje uma massa de gente que, por ter estudado, por ter investido na formação e na especialização, por ter tempo de trabalho, experiência acumulada, curriculum feito nesta e naquela área, se vê completamente rejeitada pelo Portugal que agora há, que lhes vira as costas, encolhe os ombros, sacode a água do capote e reza para que emigrem de uma vez e lhe desampararem a loja.

Os desempregados a que Passos Coelho se dirige são pessoas que, à conta do seu esforço e do empenho das suas famílias depois do 25 de Abril, tinham atingido mínimos de dignidade e conforto, gente que, de uma hora para a outra, não consegue pagar a conta da luz e da água, que cancela o contrato para continuar a ter telefone e televisão, que já vendeu o carro ou não tem dinheiro para lhe pôr combustível, que não pode pagar os transportes públicos; gente que se viu obrigada a tirar os filhos das escolas, que deixou de ir ao dentista, que nunca mais soube o que era comprar um livro ou ir ao cinema, que prescindiu de descanso e de férias, que nunca mais viajou a não ser até ao fim da rua do bairro onde mora; gente que se alimenta a custo e mal, a si e aos seus, mesmo que crianças ou velhos; gente que estremece quando abre o correio, que entra em pânico se lhe tocam à campainha, num quotidiano aterrorizado pelas dívidas e pelas contas que não tem mais como pagar; gente que perde o sono e passa noites em branco a perguntar se amanhã voltará a acontecer um milagre para sobreviver a mais um dia; gente que tem as energias esgotadas de tanto lutar pelo básico, que tem o cérebro exausto e totalmente preenchido por uma única preocupação: manter-se vivo mais um dia.

É a esses desempregados que Passos Coelho vem – pela segunda vez em dois dias – dizer que «ser despedido» não é mau, que pode até ser ainda melhor do que continuar empregado. Para não causar a repugnância de lhe cuspir na cara só por causa disso, era preciso que, ao menos tivesse experimentado na pele os efeitos da receita que recomenda. Era preciso que não tivesse a leviandade de falar de cor, de ousar impingir aos outros o que nunca quis para si, de defender o que nem sequer conhece. Não obstante, é a esses desempregados que Passos Coelho vem – pela segunda vez em dois dias – mostrar a sua indignação, acusando-os de não acreditarem, criticando-os por não se deixarem convencer que «ser despedido» pode «mudar-lhes» a vida para melhor.
Bem pode ensaiar teorias: as pessoas conhecem na prática o que elas custam e significam.

As declarações do primeiro-ministro provocam asco pela hipocrisia que transportam. O homem que, com as suas políticas e medidas, está empurrar a vida de milhares de pessoas para a impossibilidade de sobrevivência, ainda ousa vir dizer-lhes para se deixarem de pieguices e verem a coisa por outro ângulo: aquilo que lhes parece uma calamidade é um imenso favor que deviam agradecer. Podem morrer de fome, mas não podem dizer que o Governo não se esforçou por as ajudar a «mudar de vida»: ontem tinham um emprego? Pronto, hoje já não têm. Se a mudança foi para pior, não importa. O que interessa é que mudaram e isso «é positivo». Não lhes agrada? Meus amigos, o Estado não é 'paizinho'!... Resolvam o problema. Ninguém nos pode ajudar a não ser nós próprios.

Acontece que só um alienado social acredita que existe vício e prazer em sobreviver diariamente no limiar da pobreza. Como se alguém se conseguisse acomodar a este nível de degradação da existência e não matasse os dias, as noites, a cabeça e o lombo a tentar encontrar solução que lhe devolva, pelo menos, as condições mínimas. Como se as pessoas não estivessem, elas próprias, desesperadas pela tal «oportunidade» de «mudar de vida» de que fala o primeiro-ministro! A questão, aliás, reside precisamente aí: os portugueses já não aguentam esperar mais tempo para saírem da lástima para onde os governos sistematicamente ruinosos do país as lançaram, não obstante o que se prepararam, estudaram, esforçaram, provaram, construíram.

Os jovens, por seu lado, aqueles que Passos Coelho acusava nessas mesmas declarações de serem pouco «empreendedores» e se encostarem ao trabalho por conta de outrem, em vez de se lançarem na criação do seu próprio emprego ou negócio – os jovens, esses, são aqueles que estão a ser forçados a abandonar as universidades por não as poderem pagar, aqueles que confessam às reportagens passarem a semana a comer fruta para poupar para as despesas de estudo, aqueles a quem o Governo ainda veio cortar bolsas e permite a ameaça de verem suspensas as licenciaturas, caso não paguem as propinas em atraso. Esquece o primeiro-ministro que esses jovens são os que já estão endividados antes mesmo de concluírem os seus cursos, por força dos empréstimos que se viram obrigados a contrair no banco para os custear. Esses jovens, são os que nem sequer conseguem um primeiro emprego e que, quando o conseguem, recebem salários inferiores a 600 euros, sem direito a contrato de trabalho que lhes garanta outra coisa que não a precariedade. Esses jovens são aqueles que não estão condenados à casa dos pais para lá dos 30 anos, que não conseguem tornar-se independentes, morar sozinhos, casar, formar uma família, viajar, trocar experiências, ampliar horizontes.

Passos Coelho esquece que o Governo e a sua trupe, orgulhosos e ufanos de irem muito para lá do que seria razoável ou admissível, se encarregam diariamente de esvaziar as pessoas de tudo: emprego, dinheiro, saúde, comida, casa, opções, alternativas, oportunidades, liberdade, ideias, imaginação, ânimo, alento... tudo. Aquilo que lhe falta perceber é que depois de aprisionar a vida alheia com tantos e tão cegos nós, de ter as pessoas de pernas cortadas, de pés amarrados e mãos atadas, as lançou irremediavelmente para um estado de completa impotência. Há já muito pouco que consigam fazer. A não ser votar, quando chegar a hora. Votar para o estancar: para o tornar tão impotente como as tornou a elas e ao país.
Inventar todos os dias uma forma de, pelo menos, matar a fome é, por agora, sinal renovado de empreendedorismo bastante.

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