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Posted: 24 de mar. de 2014 | Publicada por por AMC | Etiquetas: , , , ,


Os 50 anos do poema “Estatutos do Homem” e aniversário do poeta Thiago de Mello serão comemorados nesta quarta-feira (26) a partir das 17h, no espaço Cultural da Livraria Valer, na Avenida Ramos Ferreira, no centro. Na solenidade será dada abertura a semana de comemoração e exposição “Thiago de Mello/ 50 anos – Estatutos do homem”.

A exposição faz parte de uma programação e vai reunir dezenas de peças do arquivo pessoal do poeta amazonense. A mostra ficará aberta para visitação pública até o dia 29 de março, quando acontecerá o Café da Manhã comemorativo. No programa, consta a execução do poema musicado pelo maestro AdroaldoCauduro, da Universidade do Estado do Amazonas (UEA); leituras poéticas; e mesa redonda sobre Thiago e sua obra, com participação dos escritores Zemaria Pinto, Elson Farias e Tenório Telles.


Artigo I 
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II 
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo. 


Artigo III  
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança. 


Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu. 


        Parágrafo único:  
        O homem, confiará no homem
        como um menino confia em outro menino. 


Artigo V  
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa. 


Artigo VI  
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora. 


Artigo VII  
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo. 


Artigo VIII   
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor. 


Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura. 


Artigo X  
Fica permitido a qualquer  pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco. 


Artigo XI 
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã. 


Artigo XII   
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela. 


        Parágrafo único:
        Só uma coisa fica proibida:
        amar sem amor. 


Artigo XIII 
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou. 


Artigo Final.   
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.

O Poema

“Estatutos do homem” foi escrito em Santiago do Chile, em abril de 1964, na efervescência do regime militar, logo após Thiago ler o primeiro ato institucional da revolução de 1964. O poema ocupa na obra poética de Thiago de Mello um lugar de destaque. O texto é tratado como se fosse um título independente, um livro. Assumiu vida própria em relação ao livro de que faz parte ˗˗ Faz escuro, mas eu canto. Isso se deve ao seu conteúdo profundamente humano, evocativo do sonho mais caro ao homem: a construção de um mundo justo, fraterno e igualitário. É a representação poética do projeto utópico de redenção e civilização. O oema foi publicado em mais de 30 idiomas e serviu de fonte de inspiração para diversos artistas: o maestro Claudio Santoro o transformou em peça musical; o “Ballet Stagium” em espetáculo de dança. Diversos pintores o retrataram, como a chilena AgnaAguadé.


* Thiago de Mello declamando, acompanhado ao piano pelo Duo GisBranco (Bianca Gismonti e Claudia Castelo Branco), no Circo Voador, Rio de Janeiro, na abertura do Poesia Voa 2.0 que integrou o Festival Poesia Direitos Humanos em 10.Dez.2006.

O Poeta

Amadeu Thiago de Mello (Barreirinha-AM, 1926) é um dos maiores poetas brasileiros vivos. Dono de um estilo forte, simples e lírico, Thiago tem obras traduzidas para mais de trinta idiomas. Sua poesia ficou muito conhecida pelo seu engajamento no período da ditadura com os livros “A Canção do Amor Armado”, “Faz escuro mais eu canto” e “Poesia comprometida com a minha e tua vida”. “Faz Escuro, mas eu Canto” foi transformado em show e tornou-se um libelo da luta pela liberdade naqueles anos escuros. Preso durante a ditadura, exilou-se no Chile, e se tornou bom amigo de Pablo Neruda. Com o fim do regime militar voltou a sua pequena cidade natal, Barreirinha, onde vive até hoje. Thiago traduziu para o português obras de Neruda, Cesar Vallejo, Ernesto Cardenal.
“Sempre, desde o meu primeiro livro, fui um poeta comprometido com vida do homem (a minha de permeio). Escrevo sobre o que me comove, o que instiga a minha sensibilidade ou a minha inteligência. O que me alegra ou me dói. Quando a ditadura militar, com o seu terror cultural e a indignidade da tortura, feriu a própria dignidade da condição humana, os meus versos se ergueram em defesa do homem. Nunca fui panfletário (nada tenho contra o panfleto bem sucedido) nem populista. Não há porque negar que os meus livros Faz Escuro Mas Eu Canto e A Canção do Amor Armado me fizeram popular. O Faz Escuro vai hoje na sua vigésima edição. Não tenho culpa. “Escrevo sobre o silêncio sonoro da floresta ou sobre a menina que dorme com fome. Sobre as ancas da moça que passa ou sobre o milagre do telescópio que fotografou a luz fossilizada dos primeiros estilhaços do big-bang. Sobre a dor dos deserdados e a esperança de quem tem fé.”

Thiago de Mello
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Evento: Abertura da semana comemorativa aos 50 anos do poema Estatutos do homem e aniversário do poeta Thiago de Mello
Data: 26 de março de 2014 (quarta-feira)
Horário: 17h
Local: Espaço Cultural da Livraria Valer ─ Avenida Ramos Ferreira, 1195 ─ Centro

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