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'Global Voices': ampliar as vozes do mundo

Posted: 8 de mar. de 2010 | Publicada por AMC | Etiquetas: , ,


O “Global Voices” é uma alavanca para o jornalismo cidadão e marca uma forte e respeitada posição, propondo-se a «agregar, seleccionar e amplificar a conversação global online – iluminando locais e pessoas que os média convencionais geralmente ignoram».

Que as vozes isoladas ecoem além-fronteiras

O Global Voices Online (GVO) é uma iniciativa sem fins lucrativos do projecto “Global Citizens' Media”, criado em 2004 pelo Centro Berkman para a Internet e Sociedade da Escola de Direito de Harvard, uma incubadora de pesquisa focada, como diz o próprio nome, no impacto da Internet na sociedade. Desde 2006 que a equipa do GVO trabalha para desenvolver ferramentas, instituições e relacionamentos que ajudarão as vozes das comunidades geralmente mais sub-representadas nos media a serem ouvidas por mais gente, com mais segurança e até com anonimato sempre que necessário. O Global Voices, apesar de estar sediado em Harvard, é na verdade uma cooperativa global de colaboradores de dezenas de países.

“Com milhões de pessoas a alimentar blogs ao redor do planeta, como se evita a opressão pelo excesso de informação? Como se descobre quem é o mais influente ou respeitado “blogger” ou “podcaster” num determinado país, especialmente em locais diferentes?”

São algumas das questões levantadas pelo próprio GVO, às quais Paula Góes, editora de Língua Portuguesa do GVO, e voluntária do projecto “Lingua” do Global Voices em português, responde: “o grande poder do GVO está em trazer para o resto do mundo conversas que, muitas vezes por conta da barreira do idioma, ficariam restritas a uma determinada blogosfera. Com isso amplificamos o poder dos “bloggers” para lutarem por causas em que eles acreditam e, de certo modo, promovemos as mudanças que desejam”.
Diariamente são lançados novos conteúdos no site, que podem ir desde referências rápidas, em forma de links interessantes para textos de blogs de cada região, a artigos mais detalhados, lançando luz sobre as preocupações dos “bloggers” de um mundo interligado. Mensalmente são publicados cerca de mil textos, embora a maior parte sejam só referências rápidas a blogs. A média dos artigos mais longos é de dez por dia. Os meios utilizados baseiam-se numa extensa variedade de tecnologias - blogs, “podcasts”, fotos, vídeos, “wikis”, “tags”, agregadores e “chats” – que servem um propósito muito simples: chamar a atenção para diálogos interessantes e pontos de vista variados em todo o mundo, excepto “na Europa e América do Norte, por se considerar que esses países já contam com exposição demais nos media tradicionais”, acrescenta Paula Góes.

O projecto começou com um pequeno blog de apenas dois autores, e foi gradualmente crescendo até à actual rede internacional de mais de duzentos autores voluntários, editores regionais e tradutores, que são um autêntico guia para a blogosfera global. Segundo Solana Larsen, editora chefe do GVO, “tornar-se um autor GVO ou acontece por convite ou por pedido”. Refere ainda que “o mais incrível não tem a ver com os números, mas sim com o facto de serem tão globalmente expansivos” e que, apesar de não ser tarefa fácil, a equipa é “boa anfitriã e divertida no trabalho”.
Ainda sobre a equipa, Solana diz “não acreditar que existam muitas mais redes com tanta gente de países em desenvolvimento ou em guerra, vindas de comunidades de línguas, religiões e culturas diferentes, trabalhando harmoniosamente em conjunto” como no GVO.

Como funciona? Os editores em tempo parcial trabalham com as suas equipas de autores voluntários, pesquisando e escolhendo temas discutidos nas blogosferas, fóruns de discussão e veículos de jornalismo cidadão em geral. Para um resultado positivo deste trabalho de cobertura em equipa, é feito um esforço para que os artigos venham sempre ajudar e nunca prejudicar as pessoas e “bloggers” citados. Paula Góes realça o cuidado que é preciso ter para não “expor demais o que dizem, muitas vezes na semi-privacidade dos seus blogs” e recorda um artigo sobre o caso de uma adolescente grávida que foi expulsa do colégio "por motivo de parto". Nessa altura, Paula reparou na movimentação da blogosfera cabo-verdiana, com muitos blogs a falar sobre o assunto e até a fazer campanha aberta e abaixo-assinados pela volta da menina aos estudos. “Gerou um debate interessante, mas que normalmente se encerraria na própria blogosfera de lá, ou no máximo chegaria a outros países lusófonos de África. Ao trazer o assunto para o Global Voices, e consequentemente para os media de língua inglesa, o problema tomou uma outra dimensão. A BBC entrou em contacto comigo e mostrou-se interessada em fazer algo sobre o assunto. Passei o contacto de uma das “bloggers” citadas, que foi entrevistada. O artigo também foi traduzido para o português, espanhol e chinês – na China, pelo menos, raramente se ouve falar de Cabo Verde”. A verdade é que com a ajuda do Global Voices, poucos dias depois Paula recebeu por e-mail a boa notícia de que, com a interferência da Secretaria Nacional de Educação, a menina foi aceite de volta e pôde continuar os seus estudos.

A propósito desta história Paula diz que, em termos de equipa, “partilhar pequenas vitórias dentro do grupo é algo bastante importante para manter a motivação em alta”. A brasileira radicada em Londres conta ainda como surgiu a sua ligação ao GVO, dizendo que, ao ler o Manifesto GVO e ao descobrir os objectivos do projecto, sentiu uma identificação imediata, sendo uma forma de unir as suas duas carreiras até então paralelas, o jornalismo e a tradução.

Solana Larsen colabora com o Global Voices Online desde 2007 e recorda com um sorriso quando, ainda antes disso, um artigo seu foi citado pela primeira vez no GVO. Actualmente é dirigente editorial, com o desafio de ajudar as melhores ideias, que surgem entre os duzentos e cinquenta membros, a tornarem-se realidade, e de chamar a atenção dos media para aquilo que o GVO faz. Apesar do site ter já em média dez mil visitas por dia (e ainda mais em altura críticas ou de grandes notícias), Solana, juntamente com a restante equipa de gestão, tem a função de procurar sempre mais leitores, fundos e parceiros, para que o GVO possa continuar o seu trabalho. “Cada vez mais pessoas começam a usar as ferramentas de comunicação online à volta do mundo, por isso faz sentido que o GVO esteja a crescer – agora temos de fazer com que as pessoas ouçam o que está a ser dito.”
Questionada sobre os maiores desafios que o GVO enfrenta, ao pretender dar visibilidade àquilo sobre o que os “bloggers” estão a falar, Solana aponta que “se não há pessoas a actuarem como jornalistas cidadãos em determinada região, é difícil para nós cobrirmos o que se está a passar”. Mostra assim como a questão da censura no mundo, e os problemas de ligação à internet, são factores que tornam a produção de conteúdos online por vezes muito difícil. “São estes os nossos maiores desafios. Já tivemos autores de vários países a serem ameaçados ou presos pelas autoridades por estarem a exercer o seu direito à liberdade de expressão sempre que esta não é bem-vinda. Também temos de ser muito cuidadosos por vezes ao citar “bloggers”, porque estes podem ganhar mais visibilidade do que aquela que é segura terem.”
Como resposta a estes desafios emergentes, o GVO começou a multiplicar-se noutros projectos de impacto.

RISING VOICES.

“Ao identificarmos que a maioria dos “bloggers” do mundo em desenvolvimento vem de um background privilegiado, decidimos criar o Rising Voices, com o intuito de ajudar a lançar e financiar mais de vinte e dois projectos de blogging e de jornalismo cidadão em comunidades marginalizadas à volta do mundo… ” Solana Larsen

Desde meados de 2007 que o Global Voices desenvolve um programa de alcance para permitir que mais pessoas, cujas vozes provêm de comunidades marginalizadas à volta do mundo, passem a comunicar, entre si e para o mundo. Concretizando um dos principais objectivos iniciais do GVO, o Rising Voices promove o aparecimento de novas vozes cidadãs por meio de formação, tutoriais online e aumentando os meios por onde ferramentas livres e de código aberto possam ser usadas, de forma segura, por pessoas em todo mundo como meio de expressão pessoal.
Segundo Paula Góes, trata-se de um programa “que ajuda a quebrar a barreira da inclusão digital, trazendo ainda mais vozes para as blogosferas locais”.
Sobre os frutos colhidos pelo Rising Voices, Paula aplaude a dimensão e a projecção que o projecto tem vindo a ganhar, indicando como exemplo o amplamente noticiado golpe de Estado em Madagáscar, pelos jovens do Foko Blog Club, através dos seus blogs e até mesmo do twitter.

LINGUA. O projecto de tradução do Global Voices.

“Com isso [projecto Lingua], muitas vezes temos conversas e notícias que de outra forma seriam ignoradas pela imprensa (mas que nem por isso deixam de ser menos reveladoras para as suas comunidades) replicadas e debatidas em blogosferas diversas.” Paula Góes

No mesmo ano em que surge o Rising Voices, nasce também o Projecto Lingua com o objectivo de dar visibilidade ao Global Voices noutras líguas que não o inglês, através da ajuda de tradutores voluntários. O desafio foi lançado na cimeira Global Summit que decorreu em Deli nesse ano, e é hoje composto por uma comunidade que se dedica a traduzir os artigos do Global Voices em vinte idiomas, multiplicando assim a amplificação da conversação global a que o projecto-mãe se propõe. Solana Larsen mostra-se satisfeita e optimista em relação ao crescimento do Lingua, ao qual, diz, “já estão associados setenta e cinco tradutores activos”.

“Os assuntos tomam uma outra dimensão quando são trazidos ao mundo anglófono e de lá traduzidos para uma dezena ou duas de idiomas”, defende Paula Góes, explicando a necessidade de afiliar outros idiomas de forma a alcançar outros mundos para além do anglófono, e continua: “Com isso, muitas vezes temos conversas e notícias que de outra forma seriam ignoradas pela grande imprensa (mas que nem por isso deixam de ser menos reveladoras para as suas comunidades) replicadas e debatidas em blogosferas diversas”.
Representando um potencial enorme para o diálogo mundial, o projecto Lingua permite já que as vozes daqueles que falam desde o Albanês ao Suáhili, sejam agora ouvidas.

GLOBAL VOICES ADVOCACY. A DEFENDER A LIBERDADE DE EXPRESSÃO ONLINE

“Estamos constantemente a lançar novas ideias e a motivar pessoas para as concretizarem.” Solana Larsen

O principal objectivo do projecto Advocacy do Global Voices Online, lançado no início de 2007, é construir uma rede global anti-censura de “bloggers” e activistas online dedicados à protecção da liberdade de expressão e ao livre acesso à informação online. Isto é, este projecto advoga a liberdade de expressão ao redor do mundo e protege os direitos dos jornalistas cidadãos em reportar eventos e opiniões sem receio de censura ou perseguição
Com o apoio da Hivos, instituição holandesa sem fins lucrativos com o objectivo de promover o desenvolvimento humano globalmente, é actualizado diariamente com artigos relacionados com a luta pela liberdade de expressão, e tem ajudado pessoas que provêm de regiões ou comunidades onde forças maiores as impedem de comunicar.
Solana defende que a rede de advocacia, e os projectos que ali são criados, essencialmente “apoiam e protegem membros da nossa comunidade [Global Voices Online] (e “bloggers” de qualquer lugar) daqueles que os querem castigar por exercitarem a liberdade de expressão online”.

Global Voices, colhendo frutos para um mundo melhor

Concluindo nas vozes de Paula e Solana, dois membros chave da equipa GVO, fica o testemunho dos melhores frutos colhidos desta iniciativa que quebra os limites das fronteiras:

“No Global Voices nós criámos um microcosmos para aquilo que desejamos que seja a forma do mundo funcionar. Pessoas que trabalham e comunicam em conjunto e em paz cruzando continentes, religiões e culturas. Acho que o melhor resultado do Global Voices desde que iniciou é a criação de uma rede e plataforma onde novos projectos globais e oportunidades podem ser testados. Estamos de um novo movimento de media que os media convencionais têm observado de perto, mas estamos também a promover um espírito de empreendedorismo e criatividade entre pessoas talentosas à volta do mundo.” Solana Larsen

“Na minha opinião, a grande contribuição colectiva do GVO para o mundo é tornar possível que um povo conheça outros povos sem o filtro, os interesses e a interferência dos media. É quase como se as pessoas pudessem ler os blogs umas das outras, e conhecer um pouco sobre a realidade de pessoas de outros países, como elas vivem, o que elas sonham, aspiram, temem, suas opiniões e visões do mundo. Temas e assuntos esses que, muitas vezes, não teriam a oportunidade de ultrapassar as "bordas" de uma determinada blogosfera, principalmente por causa da barreira do idioma.
Acho que com o Global Voices o planeta Terra se torna de verdade uma pequena vila, onde todos são mais próximos. E se descobrirmos vida em outros planetas, pode apostar que estaremos logo trazendo aquelas vozes extraterrestres para compartilhar como todos aqui na terra também!”Paula Góes

Encontro Voices Summit em Budapeste, Junho de 2008. Os gestores, editores e autores convidados do Global Voices encontram-se fisicamente em algum canto do planeta a cada 1.5 anos mais ou menos.
Fotografia: Joi Ito, Board of Directors do Global Voices.

Mais fotografias:
http://www.flickr.com/photos/joi/2623889633/in/set-72157605875973583/
http://www.flickr.com/photos/nehavish/2621954475/in/set-72157605845209515/
http://www.flickr.com/photos/nehavish/2622794358/in/set-72157605845209515/

Sobre as entrevistadas:
Paula Góes: Jornalista e tradutora brasileira radicada em Londres desde 2002. Dentre seus interesses estão o jornalismo cidadão, o impacto da internet e das novas tecnologias na mídia e sociedade, e tradução colaborativa e literária.

Solana Larsen: Jornalista e activista dinamarquesa-portoriquena radicada em Nova Iorque. É actualmente a editora chefe do Global Voices, e foi anteriormente editora do openDemocracy.net. O seu blog pessoal é solanasaurus.com, e escreve em dinamarquês sobre tecnologia em blogbyblog.dk. (uma entrevista em: http://globalvoicesonline.org/2008/06/15/blogger-of-the-week-solana-larsen/)

por Sara Moreira 
via IM Magazine

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