* fotos: Milhas Náuticas
Leio em O Público:
Uma segunda embarcação de pesca naufragou esta manhã ao largo de Caminha com dois pescadores a bordo. Os dois homens foram resgatados com vida pelas equipas de busca que trabalham na zona para tentar encontrar dois outros pescadores desaparecidos após o naufrágio da sua embarcação, esta madrugada.
Quanto ao naufrágio do começo desta tarde ainda não se sabe. O da madrugada de ontem disse-se que foi por causa de "um golpe de mar". Como relataram os pescadores: «apareceram aquelas emboladas ali à nossa frente e não pudemos fazer nada. Fomos surpreendidos pelas ondas».
Para piorar, os tripulantes não estavam a usar os coletes salva-vidas. Segundo a Marinha, aliás, os naufrágios mais recentes foram todos «caracterizados pela não existência de transmissão de alertas de socorro pelas embarcações sinistradas» e pela não-utilização «dos equipamentos de salvamento individuais e colectivos».
Ainda assim. Argumentar as 13 mortes ocorridas, só nos últimos dois meses, numa imperiosidade de sair para a faina que não se compadece com o estado do mar, nem com as condições metereológicas adversas, é no mínimo hipócrita.
Cumpre lembrar que, se o mar é o mesmo que se conhece desde sempre à nossa costa, o Estado esse, pelo menos, conheceu (felizmente!) modificação assinalável ao longo do tempo. Os mecanismos de que hoje dispõe e os pressupostos cívicos em que assenta deveriam ser-lhe suficientes para assegurar que ninguém se veja forçado a arriscar a própria vida e a avançar para uma morte quase certa, em troca da sobrevivência.
De igual modo, também já não convence explicar estas tragédias atribuindo-as meramente à displicência quanto à prevenção e às normas de segurança, enfatizando-lhe o cenário com metáforas fatídico-românticas, ou com a épica imagem da têmpera bravia e da personalidade traiçoeira do Mar Português.
No caso dos últimos acidentes, porém, há ainda uma terceira ordem de razões que seria prudente não menosprezar. É impossível descurar a coincidência que resulta se traçarmos o mapa dos acidentes mais recentes. Qualquer coisa não está bem quando se percebe que a maioria dos naufrágios se dá à entrada da barra de Caminha, a poucas centenas de metros da costa.
Vítor Santos, 59 anos, pescador há 20, que esta madrugada se salvou por um triz quando a traineira Vimar cedeu às vagas mais fortes, é mais um dos que pontam o dedo ao assoreamento que está a transformar a barra de Caminha num «verdadeiro cemitério». «Aquele banco de areia tem de ser removido, aquilo tem de ser levantado», queixa-se ele.
Seria bom que alguém desse ouvidos. A ver se cortamos de vez com este estigma do povo enlutado, eternamente a vir chorar à praia as vidas que o mar lhe ceifa, de olhos impotentes postos no horizonte, pedindo apenas que lhes devolva os mortos para ao menos os carpir em terra firme.
Já vai sendo tempo de mudar o 'arquétipo estético' desta nossa relação com o tão saudoso 'Mar Português'. Ou, deverei antes dizer, com as nossas Gentes do Mar Português?
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