Ontem, o Estado-Maior da Armada contabilizava que, desde o início do ano, dos 6 naufrágios na costa portuguesa resultaram 13 vítimas (5 mortos e 8 desaparecidos).
A dada altura, referia o comandante João Barbosa o seguinte:
Na nossa análise, estes incidentes devem-se a um elevado risco que os pescadores correm, sobretudo em condições meteorológicas adversas. [Para trabalharem], têm de sair para o mar e operam depois em condições marginais, sem respeitarem as mais elementares regras de segurança. É muito importante apostar na prevenção, nomeadamente com o uso de coletes salva-vidas e de protecção térmica.
A avaliação evoca, pois, duas questões::
- O elevado risco corrido para poder trabalhar
- O desrespeito pelas regras elementares de segurança
A 2ª questão esbarra no seguinte argumento dos pescadores: o uso de coletes não é prático, nem está adequado ao exercício da profissão. Explica o presidente da associação Pró-Maior Segurança dos Homens do Mar que «pura e simplesmente, não se consegue trabalhar com eles vestidos e, por isso, ninguém os usa».
A associação já apresentou uma candidatura ao programa “Promar”, para dotar 4500 pescadores de fatos flutuantes e equipar 400 embarcações com equipamentos de salvamento, comunicações e ajuda à navegação, desde VHF até GPS, rádio-balizas e balsas salva-vidas.
O projecto está orçado em 4 milhões de euros e será financiado com 3,6 milhões, cabendo aos pescadores dividir entre si os restantes 400 mil euros. “Estes equipamentos garantem uma segurança muito maior na faina, em caso de acidente. Com os fatos, muito práticos e maleáveis, ao passo que o outro equipamento permite saber imediatamente a sua localização e, assim, agilizar os meios de socorro. São muitas mortes que se poderão evitar”, disse José Festa.
Mais imediata, mas não menos imbricada é a 1ª questão, relativa aos elevados riscos a que os pescadores se sujeitam para poderem trabalhar, sobretudo quando o mau tempo o desaconselha.
O presidente da Mútua dos Pescadores, entidade seguradora da classe, resume bem o cenário:
Os homens fazem-se ao mar em condições perigosas e a sua frágil condição económica faz com que os pescadores evitem gastar dinheiro em seguros. (...) Os apoios que existem estão desajustados das reais necessidades dos pescadores e a sua excessiva burocratização faz com que muitas vezes os pescadores os utilizem.
De facto, em 1999 foi criado um Fundo de Compensação Salarial, a que os pescadores podem recorrer em situações de mau tempo e que prevê que
os profissionais da pesca que, por razões excepcionais e não repetitivas, se encontrem em situações de imobilização total ou parcial das respectivas embarcações possam dispor de um mecanismo compensatório da perda da sua retribuição.
Para o fundo poder ser activado é preciso que se verifiquem as seguintes circunstâncias:
- que se esteja em presença de uma catástrofe natural e imprevisível, que origine falta de segurança na barra e no mar
- que a barra esteja encerrada durante um mínimo de dez dias consecutivos ou 15 dias interpolados
Basta que os pescadores saiam uma vez para o mar, por considerarem que nesse dia as condições metrológicas melhoraram, para que a contagem dos 15 dias seja interrompida e os dias que estiveram sem poder trabalhar deixarem de ser tidos em conta. Caso o tempo volte imediatamente a piorar e se siga novo período sem irem ao mar, volta a ser necessário esperar outros 15 dias para que o Fundo possa ser accionado. Além de para a maioria dos pescadores, 15 dias representarem já um período insustentável sem ganhar, o processo é demasiado burocrático, obrigando sempre à apresentação de uma candidatura cujo provimento caberá à obrigatória apreciação da Direcção-Geral das Pescas.
Para agravar, como quem decide o encerramento das barras são as capitanias dos portos, o que geralmente acaba por acontecer é que, apesar do mau tempo que impede os pequenos pescadores de se fazerem ao mar, a barra é considerada navegável por navios de porte, pelo que se mantém aberta. Ou seja, embora não possam sair com os barcos para o mar, os pescadores não podem activar o Fundo.
Condicionantes de força maior, como este, explicam porque razão os pescadores correm tantos riscos. Com as consequências negras que se conhecem e que este Inverno têm sido recorrentes devido ao mau tempo.
É por isso também que o Sindicato Livre dos Pescadores e Profissões Afins propõe que:
(...) a avaliação sobre a possibilidade de as embarcações se fazerem ao mar fique a cargo de uma comissão onde estejam representados a capitania do porto, a Associação dos Armadores, a Câmara Municipal ou Junta de Freguesia, os sindicatos e a Docapesca.
Esta solução resolverá também o problema de locais de pesca onde não existem barras, mas praias ou baías, como é o caso da Costa da Caparica, da Trafaria, em Almada, e de Cascais.
Propusemos também que o período mínimo de dias que a barra tem que estar encerrada para que o Fundo possa ser activado desça para cinco dias.
A meio da tarde, o ministro da Agricultura e o secretário de Estado das Pescas anunciaram que vão reunir 6ª feira com associações e sindicatos de pescadores:
(...) para analisar os problemas da classe e dialogar sobre as suas soluções. (...) Face a um inverno extremamente rigoroso, difícil para os homens do mar, e num cenário em que já se perderam demasiadas vidas, há que encontrar soluções, porque as que estão em vigor não são satisfatórias
Menos mal. Mas para usar o diagnóstico do Governo, não deixa de ser pungente que só quando «já se perderam demasiadas vidas» se considerem reunidas condições para concluir o óbvio e começar a agir para as evitar.
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