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17 de Março: «MARINA MORENA, MARINA, VOCÊ SE PINTOU! »

Posted: 2 de abr. de 2010 | Publicada por AMC | Etiquetas: ,

por Reinaldo Azevedo:

É preciso ler primeiro o post abaixo, que dá conta do esforço de Marina junto aos formadores de opinião — alguns, a minoria, de apelo popular.
Pois bem. O esforço está dando resultado. Ontem, a Folha publicou um editorial elogioso a Marina em cena aberta. Em cena aberta? É, o texto se referia a uma entrevista de Guilherme Leal, pré-candidato a vice na chapa de Marina,  publicada no jornal naquele mesmo dia, o que é raro acontecer. Os editoriais costumam ser feitos, no mínimo, no dia seguinte.  Já volto ao ponto. Antes, uma digressão que nos aproxima do assunto.
Farei uma metáfora para os admiradores de futebol. Eu sempre torço para a Portuguesa de Desportos aqui em São Paulo, exceto se o adversário for o Corinthians. E todas as outras torcidas têm esse time como segunda opção.  Consta que é assim com o América no Rio. E há, claro, a minoria de torcedores que é portuguesa de coração, como Américo Martins, jornalista de talento hoje aportado “no navio que Deus na Mancha ancorou”, como diria Castro Alves sobre a Inglaterra.
Pois é. Essa Marina a favor do bem e contra tudo o que está aí precisa tomar cuidado para não ser a Portuguesa de Desportos da política, de quem não exigimos um futebol assim tão bom, embora admiremos a sua garra e persistência.
O editorial da Folha elogioso a Marina faz um esforço para tirar a sua postulação de uma certa esfera de utopia e irrealidade. 
Leiam este trecho:

A idéia de uma opção eleitoral “pós-Lula”, que resiste à desgastada e por vezes enganosa oposição entre petistas e tucanos, é uma estratégia pertinente.
Ajusta-se, antes de tudo, à marca da candidatura, que prescreve novas relações entre economia e ambiente - algo difícil de ser enquadrado nos surrados rótulos esquerda e direita. A pauta ambiental, aliás, desperta com frequência rejeições das duas alas, embora tenha-se tornado eleitoralmente vantajoso posar de defensor da natureza.
Essa ambiguidade é nítida na súbita “conversão” ao discurso contra o efeito estufa da ministra Dilma Rousseff -a “mãe” do desenvolvimentismo estatal. De maneira análoga, na oposição é comum a transigência com agressões ao ambiente, embora o governador José Serra também tenha anunciado metas de redução de emissões em São Paulo.

Vamos ver: quais são “as novas relações entre economia e ambiente”? Podem ser especificadas? “Novas” quer dizer necessariamente “melhores”? O padrão de produção agroindustrial, por exemplo, a que chegou o Brasil, com o que isso tem gerado de benefícios para o país, ajusta-se a essa “nova” perspectiva?
É injusto, a despeito das gafes de Dilma em Copenhague, afirmar que a ministra “se converteu” ao ambientalismo — tomo Dilma aqui como representante do governo. Lula pode não ter cumprido a agenda estrita dos ambientalistas, mas irresponsável ou açodado (do ponto de vista… verde) na área, ah, isso não foi. Até permitiu, para gáudio dos radicais, notórios abusos do ministro Carlos Minc. Um governo não tem como cumprir a pauta da militância.
O compromisso de Serra com o ambientalismo não surgiu depois da lançada a candidatura Marina. Isso é falso. Pegue-se o programa de extinção das queimadas de cana-de-açúcar no estado como exemplo. Nada evidencia que, não fosse Marina, seriam outras as metas de emissão de carbono no estado.
Ao mesmo tempo em que se tenta conferir ineditismo à candidata, há o esforço para demonstrar uma Marina com os pés no chão. 
Leiam este outro trecho:

“Sabe-se que a candidata dará ênfase à educação; que defenderá uma concepção moderna de Estado, mais leve e eficiente; que será favorável à racionalização tributária; que preservará a autonomia do Banco Central; e que manterá o Bolsa Família. Para quem imaginava uma postulação confinada a clichês verdes, Marina Silva vai-se revelando uma boa surpresa.”

Bem, aí o editorialista há de me desculpar, não é? Que candidato se apresentaria assim:

“Defenderei uma concepção atrasada do Estado, mas pesado e menos eficiente; lutarei por um cipoal tributário; o Banco Central atenderá aos interesses da política; e vou extinguir o Bolsa Família”.

Acho que estou sendo logicamente claro, não? Estando qualquer candidato impedido de dizer os absurdos que listo acima, sustentar aquela “plataforma” do editorial da Folha não é mérito, não é boniteza, não é qualidade. É tudo apenas PRECISÃO  — naquele sentido da motivação que Guimarães Rosa dá ao pulo do sapo. Marina não diz aquelas coisas por gosto ou boniteza, não é mesmo? O que há de realmente distintivo ali?
Uma Marina vitoriosa teria de governar com alguém, não é? Ela — secundada por  Leal,  pré-candidato a vice e grande empresário “verde” (já falo dele) — talvez dissesse, e já a vi esboçar algo parecido, que o faria com os melhores do PT, com os melhores do PSDB, com os melhores até do PMDB… Não me digam! A propósito: eu adoraria saber se Marina manteria Minc no Meio Ambiente e Reinhold Stephanes na Agricultura e por quê. Eis uma questão que eu faria a ela: Stephanes ou Minc? Os dois ou nenhum? Como analisa os resultados a que ambos chegaram?
Quem opta deliberadamente por governar com os piores? Nem Lula! Por mais que a Folha se esforce para fazer de Marina uma candidata que traz a novidade (a nova — qual? — relação entre economia e ambiente) aliada aos bons princípios, o fato é que boa parte dos seus eleitores — isto é uma percepção; não tenho pesquisa — vota nela movida por uma espécie de repulsa à política. Trata-se de gente que já não agüenta mais “isso tudo que está aí”. “Se tudo o que está aí deu errado, então vamos tentar algo realmente novo, que venha para submeter a vida pública a uma espécie de purificação.”  Mas esperem: boa parte do que está aí, meus caros, está é DANDO CERTO!
Em grande parte, os “marinistas” convictos pretendem que a política seja o que a política não pode ser: um jogo da pura transparência, de verdade absoluta. Há um certo impulso selvagem de retorno a um mundo edênico — e, não por acaso, a mulher vem da floresta. Não por acaso também, seus maiores entusiastas certamente estão entre os que eu chamaria “hiper-urbanos”.  Marina parece nos convidar a rever nossos pecados.
Ocorre, e lamento se decepciono alguns, que isso também é uma construção.ideológica . Como qualquer outra. Pegue-se, então, o caso de Guilherme Leal, o bilionário pré-candidato a vice do PV, o “empresário de Marina”. Sócio da Natura, é um dos homens de negócios mais bem-sucedidos do país e do mundo. Transformou o discurso ecológico numa mercadoria rentável — rentabilíssima. E louvo-lhe o talento. Mas, já na largada, de cara, a sua relação com o partido é assim tão transparente quanto a pregação da candidata? Quem paga, por exemplo, os custos dessa pré-campanha — incluindo pesquisas de opinião, assessoria, trabalho de relações públicas, viagens etc? É o PV ou é  Leal?
Um empresário que exercesse esse mesmo papel em qualquer outra legenda estaria sendo visto com os olhos benevolentes do mecenato ecológico? Acho que não! Os eleitores têm o direito de se iludir. A imprensa tem a obrigação de ser um pouquinho mais rigorosa.
Não! Não estou dizendo que Marina é falsa. Só estou afirmando que ela não é nem mais nem menos sincera do que os políticos podem ser. Noto que o PT já ocupou esse lugar que ela ocupa agora. E, igualmente, seduziu a imprensa — seduz ainda, o que custa caro à institucionalidade às vezes. Até que chegou a hora, porque sempre chega — Maquiavel tratou do assunto em O Príncipe —, de fazer o necessário ou manter a palavra empenhada nos tempos da sedução. Acreditar que Marina estaria, por qualquer razão, livre desse destino que pode reunir Churchill, Lula ou Obama é querer extrair da política o que ela não pode oferecer.
Já sabemos o que Marina faria de igual — todas aquelas medidas de bom senso. Agora quero saber o que ela faria de diferente em situações realmente aplicadas: desenvolvimento da agroindústria, obras de infraestrutura, reforma agrária… A exemplo de todo mundo, simpatizo com ela e com a Portuguesa — no Rio, o América . Mas sei que a política é mais do que o milagroso creme anti-rugas de sempre vendido ao som dos tambores da floresta.
E só para encerrar: não ignoro que há gente sinceramente convertida à causa que ela representa. É uma escolha. Se há, no entanto, quem espere votar na política Marina em nome da antipolítica, aí eu advirto: é fazer mais um contrato com a decepção. Sou capaz de jurar que muitas dessas pessoas já foram devotas de Lula. Trata-se, obviamente, de uma impossibilidade. Inexiste a política que é a antipolítica — ou existe: é o fascismo. E Marina, claro!, não tem nada a ver com isso.
A fome de verdade, de transcendência e de beleza pertence ao terreno da estética, não da ética; diz respeito àquela esfera em que o possível e impossível coexistem, sem que precisemos escolher um ou outro. Deus nos livre de uma política estetizada! Seria o extremo do arbítrio. Mas, neste ponto, seria ir além da conta. Fica para a mesa de bar.

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