Leio em O Público:
Dilma vai começar a conceber o seu governo e toma posse a 1 de Janeiro. O que espera o Brasil? A visão de dois analistas, de diferentes gerações.
O veterano Jânio de Freitas, da Folha de São Paulo e o dinâmico José Roberto de Toledo, do Estado de São Paulo, duas gerações no jornalismo brasileiro, conversaram com O Público sobre o que traz de novo para a cena política brasileira a eleição de Dilma. Tanto para o Governo como para a oposição, agora que o Presidente Lula sai do Palácio do Planalto.
É Portugal: à procura de críticos, analistas e comentadores que o ajudem a compreender um irmão que passa muito tempo sem ver e de quem, por demasiado longas temporadas, nem tão pouco está interessado em saber. Só muito de quando em vez: 'quando o rei faz anos', que é como quem diz, quando há eleição de algum presidente.E depois fica assim: intrigado e aos papéis, a perguntar-se pelo «seu futuro próximo», sem saber sequer muito bem a quem melhor perguntar e a contentar-se com o que lhe conta quem aceita responder-lhe!... Enfim.
Seguem as perguntas e as projecções:.
1. Que governo se pode esperar de Dilma?
O primeiro indicador possível foi o discurso que Dilma Roussef fez na noite da vitória, um bom discurso para atalhar dúvidas e receios, concordam os analistas.
"Não estou pessimista", diz Jânio de Freitas. "Dilma é uma pessoa competente. E é o primeiro caso de alguém que é eleito pela primeira vez logo para Presidente, mas com a experiência de ter vivido anos no centro do poder, tendo passado pelas mãos dela quase todos os assuntos administrativos do governo, desde a saída de José Dirceu." O poderoso ex-chefe da Casa Civil de Lula que caiu na sequência do escândalo Mensalão (mesadas que o PT dava a deputados), em 2005. Dilma substituiu-o no posto, que representa um dos eixos internos do governo.
"No caso da Dilma, as pessoas confundem inexperiência eleitoral e inexperiência geral", crê Jânio de Freitas. "O governo dela vai mostrar algo diferente do que as pessoas pensam." Domingo à noite, o discurso escrito de 25 minutos foi já "destinado a prevenir acusações, receios, certa propaganda negativa que estava começando", sobretudo em relação à situação económica. "Nem eleita estava, e já surgiam artigos com os problemas que alguns economistas prevêem."
De resto, avalia este analista, "Dilma tem condições de montar uma boa equipa", com nomes como José Eduardo Cardozo, José Eduardo Dutra ou Marco Aurélio Garcia, que tiveram um papel importante na campanha.
Sobre Antônio Palocci, um pêtista que também foi importante na campanha, Jânio de Freitas mantém "uma restrição ética", pelas suspeitas de corrupção que o envolvem.
Dilma Roussef vai naturalmente continuar as políticas de Lula, mas fará "um governo diferente", adianta José Roberto de Toledo. A começar por isto: "A composição de forças é distinta." Dilma foi eleita por uma coligação com dez partidos, em que o PMDB teve muito peso. "Desta vez, o PMDB foi sócio do PT desde o início da campanha. Então vai reivindicar uma participação maior, a ocupação de cargos. Dilma terá de administrar o conflito permanente entre PT e PMDB. Acho que esse vai ser o maior desafio dela."
Quanto a medidas concretas, "ela insinuou no discurso a ideia de ajustes fiscais, de botar a casa em ordem", sublinha Toledo. "No primeiro ano vamos ter algum tipo de ajuste, uma possível diminuição do ritmo de crescimento."
Este analista acha que o discurso "foi um bom exemplo" do que poderá ser o governo Dilma. "Ela leu do começo ao fim, sem improvisação, zero de carisma. Mas todo o conteúdo estava lá. Ela falou mais de liberdade de imprensa ali do que o Lula em oito anos. Então, a forma é fraca, mas o conteúdo foi muito bom. Pareceu-me mais autêntico, realmente o que ela pensa, e com todos os sinais para o mercado financeiro, para a oposição, para a imprensa, para os aliados, com a meta da igualdade. Assumiu compromissos necessários e importantes, em contraste com o comportamento do Serra, que foi deselegante", diz.
Serra, sublinha Toledo, "conseguiu a proeza de ligar à Dilma para dar parabéns durante o discurso dela. E apareceu depois dela. Uma deselegância inacreditável."
2. Lula terá que papel?
"Acho que nem ele sabe", resume Toledo. Dilma emocionou-se no fim do discurso, ao agradecer a Lula, e para quem a viu tão hirta e artificial ao longo da campanha esse momento surgiu como uma emoção genuína. "Mas a relação com Lula vai ser problemática", calcula este analista.
"A partir do momento em que ela começar a tomar decisões, vai querer procurar o Lula. Se tomar decisões com que ele não concorda, a tensão vai crescer. Ele fala muito em sair pelo mundo, levando a experiência dos programas sociais brasileiros, o que seria uma forma de se distanciar. Tenho dúvidas."
O Lula tem um papel que só ele será capaz de desempenhar. A Dilma não é uma líder carismática, não tem uma ligação directa com o eleitor. Só Lula tem. Não sei até que ponto vai ser necessário usar a liderança dele para aprovar, por exemplo, coisas impopulares", sublinha Toledo.
Jânio de Freitas também acha que é difícil ter ideias claras do que vai acontecer entre os dois. "Tenho dúvidas de que o próprio Lula já saiba como se conduzir. As circunstâncias vão ditar as soluções. O mais provável é que ele busque um tipo de inserção no país que mantenha o prestígio dele, e no exterior uma inserção que lhe dê possibilidades semelhantes às que tem Clinton, que continua a ser uma figura presente na política internacional, ou Jimmy Carter."
3. Aécio vai ser o líder da oposição?
No Brasil há uma tradição chamada "política de café com leite". O café que se produzia em São Paulo, e o leite que se produzia em Minas Gerais. Então a política de café com leite era a alternância tradicional entre líderes paulistas e líderes mineiros.
Dilma é uma mineira. Mas há outro mineiro em ascensão no Brasil, o jovem e carismático Aécio Neves, neto de Tancredo Neves (antigo Presidente do Brasil). A revista Veja chegou a fazer capa com ele durante esta segunda volta, dizendo que Aécio seria determinante.
Minas é o segundo estado do Brasil com mais eleitores (depois de São Paulo). Os mineiros preferiam que tivesse sido Aécio, e não o paulista Serra, a correr pelo PSDB contra Dilma. E penalizaram Serra no voto por causa disso.
Serra perdeu. Toda a gente pensava que esta seria a sua última oportunidade de ser Presidente, e que se retiraria, se perdesse. Mas José Serra fez questão de dizer no seu discurso de derrota que aquilo não era um adeus. E não mencionou sequer o nome de Aécio nos seus muitos agradecimentos.
Serra e Aécio vão lutar dentro do PSDB?
Ou Aécio, que foi eleito senador nestas eleições, vai ser o líder da oposição?
"Não", descarta Jânio de Freitas. "Nunca será líder da oposição a ninguém. Não é a índole dele. Ele poderá ser o candidato do PSDB a Presidente, mas nunca terá a marca de um candidato da oposição. A não ser que o governo Dilma tome um rumo tão ruim que seja conveniente haver um líder de oposição extremado. A tendência natural e política do Aécio é manter boas relações, na pior das hipótese relações sinuosas. Como foi com Lula em Minas, em que o Aécio não se colocou como oposição ao Governo."
Jânio acha que "Serra mais que insinuou, foi bastante claro", quanto a querer ser candidato novamente. "Acho que corresponde à ambição que norteia a vida do Serra. Ele continuará achando que é um grande injustiçado, que o país ainda não o compreendeu, que os céus decidiram que ele será Presidente e os brasileiros não entenderam."
E ter sido ele a correr em 2010 contra Dilma pode ter sido uma estratégia do próprio Aécio, aponta Jânio. "Francamente não sei se o Aécio perdeu [ao não ter sido ele o nomeado pelo PSDB para a corrida de 2010]. Ele estabeleceu um prazo para Serra e o PSDB se definirem, e ao fazer isso forçou deliberadamente uma situação que o deixaria livre dessa condição de disputante. Ele tem um instinto político muito forte. Tenho a convicção de que percebeu que seria difícil derrotar um Presidente que andava perto de 80 por cento de aprovação. E percebeu que o melhor era candidatar-se a senador e fazer de um desconhecido governador de Minas."
Assim foi, na primeira volta. Antônio Anastasia, o desconhecido proposto por Aécio, tornou-se governador. "O Aécio ficou numa posição altiva e forte, do ponto de vista político, para ter uma posição forte dentro do PSDB. Tem um património de êxito."
José Roberto de Toledo tem outra visão
"O Aécio vai ter muita dificuldade em ser líder pela omissão do nome dele no discurso de Serra. Serra não o citou e citou todo o mundo, e fez essa conversa sem-vergonha do "não é adeus, é até logo". Eu acho que o Serra vai tentar ser líder, o que vai dar uma racha no PSDB. As pessoas não gostam dele. Já o Aécio será criticado pela derrota [agora na segunda volta] do PSDB em Minas. Acho que ele vai tentar ser o líder, mas não será fácil."
Toledo menciona críticas que entretanto já correram no Twitter de gente do PSDB-São Paulo a criticar Aécio. Sintomas do duelo PSDB-São Paulo-PSDB-Minas.
"O PSDB nasceu em São Paulo, de uma briga dentro do PMDB de São Paulo. Então eles [paulistas do PSDB] têm muita dificuldade em abrir mão da liderança."
Mas as hipóteses do paulista Serra também não são brilhantes. "Ele está com 68 anos, em 2014 terá 72. Já perdeu duas eleições e vai ficar quatro anos na chuva." Ou seja, sem palco.
"Duvido que seja candidato a prefeito em São Paulo, porque já fez esse trajecto, e ainda por cima fez o que disse que não faria, que foi deixar de ser prefeito para se candidatar a outro cargo. Ele não tem palco, o que é fatal para os políticos. Daqui a pouco as pessoas páram de lhe ligar. Vai ser um líder de si mesmo."
Em suma, Serra "não tem perspectiva de poder", e Aécio não tem o PSDB de São Paulo do seu lado. "Vai depender também do desempenho de Dilma. Se ela governar bem, a tarefa do Aécio vai ser difícil. Ele tem muito carisma em Minas, mas por enquanto é uma liderança regional." Além disso, a imprensa em Minas, diz Toledo é "dócil", o que lhe tem facilitado a vida, mas a imprensa nacional não será assim.
4. E que fará Marina?
Na primeira volta, Marina Silva arrecadou 19 por cento dos votos, um capital bem mais amplo do que o do Partido Verde (PV), pelo qual concorreu. Não é o seu partido de origem. Marina fez o seu percurso no PT, e foi ministra do Ambiente de Lula, até sair, há dois anos, por divergências quando à política de ambiente. Que fará agora ao seu capital de votos, num partido que se desagregou em diferentes apoios durante a segunda volta, e onde muitos dos que apoiaram a candidatura de Marina não se revêem?
"O grande problema dela é que não tem partido", diz Toledo. "E eu tendo a achar que ela não vai conseguir administrar as contradições dos seus apoiantes." O lado dos evangélicos - Marina é evangélica - e o lado dos ambientalistas. "Será impossível conciliar. Ela vai ser sempre um nome procurado para dar palpites, mas sem um partido será muito difícil."
E num país com tantos partidos já, não haverá espaço para mais, crê este analista. "É um óptimo negócio no Brasil, ter um partido, quase como ter uma Igreja. Temos o quê, 20 partidos? Tudo o que o Brasil não precisa é de um partido novo. O problema da Marina é que ela saiu do partido dela e não tem como voltar. Não me lembro de ninguém que tenha saído do PT e voltado. Ela criou muitos inimigos no PT. Ficou com carimbo de traidora. O futuro da Marina é muito difícil."
O PV não existe, em termos de influência política. Mas vai ser preciso ver "se Marina existe", resume Jânio de Freitas. "Não se sabe qual foi a proporção de votos que ela teve por ela mesma e ou pelas circunstâncias de oferecer uma saída ao eleitorado que não estava satisfeito com Serra nem com a solução de Lula para a sucessão dele."
É "interessante notar", diz este analista, "que ela perdeu no estado de onde vem", o Acre, na Amazónia. "E foi uma derrota muito clara. Então não se sabe bem. Muita gente descobriu Marina agora. Mas quanta dessa simpatia se traduz em adesão não sabemos."
0 comentários:
Postar um comentário