O estilista Ronaldo Fraga apresenta hoje, às 15h, a sua colecção Outono-Inverno no São Paulo Fashion Week (SPFW), inteiramente inspirada na coreógrafa alemã Pina Bausch, falecida em Junho de 2009. Era público o apreço de Bausch pelo Brasil. Recorde-se que foi quando pela primeira vez viajou pelo país, ainda na década de 1980, durante uma temporada de apresentação com a sua companhia, Tanztheater Wuppertal, que recolheu inspiração para a coreografia Água. Desde então vários elementos da cultura e das paisagens brasileiras passaram a integrar o universo criativo da artista.
Escreve o estilista:
Meu primeiro contato com a obra de Pina Bausch foi no início dos anos 1990, através de uma imagem da peça Cravos, inspirada nas ditaduras sul-americanas: uma bailarina caminhava em meio a milhares de cravos e tocava bandoneon, vigiada por cães raivosos. Essa cena foi a primeira de muitas que ficariam para sempre tatuadas em minha memória. O estranhamento que suas peças provocam jamais me abandonaria.
Bausch rompeu os limites entre dança e teatro, palco e plateia, erudito e popular. Dançando, ela quebrava nossas pernas, mudava nossos membros de lugar, expunha nossas feridas mais ocultas, nos lembrava o quão pouco generosos somos. Sensível, construiu matéria fina e única a partir de situações prosaicas e cotidianas. Desamparo, ternura, medo, saudade e luto atravessam a infância, a violência, o amor e, sobretudo, a necessidade absoluta de ser amado. Muito além da dança, Pina nos oferece um olhar para um mundo mais terno, sem fronteiras, onde o fundo da humanidade é o mesmo para todos.
Ao fim de uma peça de Bausch, saíamos invariavelmente sem entender nada e entendendo tudo. Tudo daquilo que é cabeça, coração e corpo. Ao mesmo tempo. “Não me interessa o movimento das pessoas e sim o que movimenta as pessoas”, dizia ela, que marcou nosso tempo como Fellini fez cinema, como Lina Bo Bardi fez arquitetura, como Rei Kawakubo faz moda, como Caetano Veloso faz música… Quando nos preparávamos para o circo ela armava um teatro expressionista alemão. Em todas as peças ela nos fazia esquecer ou entender que a dança estava em nada e em tudo. A relação afetuosa do seu ofício com o seu tempo aparece em suas palavras: “uma carícia pode ser um movimento de dança”.
Serei eterno súdito.
Ronaldo Fraga, Dançando ela quebrava nossas pernas
“Foram poucos os países nos quais marcou presença tão significativa, a ponto de retornar seis vezes e fazer uma peça”, enfatiza Fabio Cypriano, crítico de artes plásticas do jornal Folha de S. Paulo, que teve a oportunidade de acompanhar Bausch durante sua passagem pelo Brasil em 2001, quando apresentou o espetáculo. O acesso privilegiado à intimidade do processo criativo da artista resultou no primeiro livro que resgata a sua trajetória completa, Pina Bausch (2005).
No ensaio, o autor recupera o percurso e o processo de trabalho da companhia de Bausch, o Tanztheater Wuppertal, na Alemanha, do início da “dança-teatro”, nos anos 70, até a criação de Água, à qual analisa detidamente. “Pina retratava a natureza com recorrência em suas peças, mas de forma crítica, e não idílica, no intuito de evidenciar contrates por meio da construção de um cenário bastante impactante”, destaca Cypriano
O crítico também discute no livro o método de pesquisa da artista, baseado na subjetividade de seus bailarinos, e a forma como se apropriava de elementos de diversas culturas em busca de uma linguagem universal. Segundo ele, o particular interesse de Bausch pela cultura popular levou-a a visitar, em São Paulo e Salvador, as casas de dança (pagode e forró) e o Candeal, além de terreiros, feiras e restaurantes populares.
O volume, que hoje é referência sobre a artista, traz também fotografias inéditas de Água tiradas pelo belga Maarten Vanden Abeele, além da relação de todas as peças da artista e bibliografia.
via "Aproximações”, por Fabio Cypriano [parte integrante de Pina Bausch]
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