Jackie de Botton, uma das produtoras executivas do documentário. foto: Bruno Astuto
por Bruno Astuto
Vou entrar num vespeiro, com licença, mas alguém tem que falar. Desde que foi anunciado como um dos cinco concorrentes ao Oscar de Melhor Documentário, Lixo Extraordinário vem sendo o centro de uma megapolêmica sobre se o Brasil vai ou não levar a estatueta para casa, já que a Academia, que indica os "oscarizáveis", só levou em conta a parte inglesa da coprodução, deixando de fora os créditos a O2, do cineasta Fernando Meirelles.
Assisti ao filme no último domingo (6), numa exibição fechada no apartamento de uma de suas produtoras executivas, a multitudo Jackie de Botton, e de sua irmã, Andréa de Botton.
Um fim de tarde ameno, com a vista espetacular do pôr- do- sol da Praia de Ipanema, que teve como convidados Michael Roberts, editor de moda da revista americana Vanity Fair, o publicitário Nizan Guanaes e sua mulher, Donata Meirelles, Oskar e Nazareth Metsavaht, Antonio e Ângela Gouvêa Vieira, Marthinha Castilho, entre tantos formadores de opinião que saíram da sessão com os olhos marejados, emocionados com um dos documentários mais espetaculares já produzidos no Brasil.
O filme mostra o trabalho do artista plástico Vik Muniz com os catadores de materiais recicláveis no lixão de Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro, o maior do mundo. É duro, poético, envolvente; evidencia o poder transformador da arte na vida e na auto-estima dos catadores, assim como sua percepção do mundo. Impossível não se emocionar com aquelas histórias, com os sonhos (e a ausência deles) das pessoas que encontram no lixo - considerado o trabalho mais à margem da sociedade - seu sustento digno.
E que missão deu Jackie a sua tropa de elite? Aumentar o boca a boca para que ¿Lixo Extraordinário¿ saia do circuito cult e ganhe uma distribuição digna de sua grandeza. Não é possível que um documentário que tem boas chances de trazer o primeiro Oscar para o Brasil e que tenha sido quase inteiramente filmado no Rio de Janeiro, abordando o abismo social que cinge a nossa cidade, esteja atualmente em apenas sete cinemas por aqui, e em horários que, francamente, não permitem que se transforme num blockbuster.
E, se por um descuido, descaso ou trapalhada, o braço brasileiro da produção não está nos créditos da Academia, não há justificativa para se esconder essa obra-prima da arte e da vida, que revela um trabalho emocionante de superação das adversidades. Não é à toa que Tião Santos, líder dos catadores, fundador da associação de profissionais da área e um dos personagens principais do filme, virou estrela aqui e lá fora.
"A indicação ao Oscar é uma coisa maravilhosa, mas não é o objetivo do filme. Nós queremos ter a oportunidade de levar ao maior número de pessoas possível os exemplos incríveis do Vik e do Tião, e multiplicar essas ações, transformando-as em negócio para essas comunidades", diz Jackie, que conversou comigo depois da exibição do documentário.
[ENTREVISTA]
O Brasil não vai mesmo levar esse Oscar, se Lixo ganhar?
Eu acho que não, infelizmente. Porque, pelo que eu entendi, o Brasil não deu entrada na Academia como deveria, como um coprodução anglo-brasileira. Mas isso independe, porque o filme é brasileiro, tem um artista brasileiro, personagens brasileiros, diretores em sua maioria brasileiros, metade custeada por leis de incentivo brasileiras e fala de questões brasileiras, embora aborde um tema universal. Filho bonito tem muito pai e as pessoas saem do foco daquilo que importa. Ser indicado ao Oscar é bom porque teremos mais facilidade de cumprir o objetivo fundamental desse documentário, que é levar à maior audiência do mundo a saga dos catadores, considerados até então a última cadeia excluída da sociedade. Se conseguirmos multiplicar os bons exemplos do Vik e do Tião, teremos cumprido nosso papel. O que todas as histórias do filme têm em comum é que, em algum momento, aquelas pessoas não tiveram sorte, mas não se deixaram render pela prostituição ou pela droga.
O filme não é ecochato; pelo contrário, tem muita emoção. Houve essa preocupação?
Acho que o segredo é a forma como o Vik leva tudo, como ele consegue falar com todo mundo, da curadora de uma casa de leilões inglesa aos catadores. Ele tem o domo da massa; fala sobre transformação sem ser piegas, sem ser medíocre.
Por que o filme está num circuito restrito? O público não se interessa por documentários?
Não entendo tampouco. O filme não é um documentário didático, mas com emoção, aventura e até alguns lances de comédia. As pessoas saem das salas entre o riso e a lágrima. Elas se interessam por histórias que valem a pena ser contadas, independentemente do formato. Era para o Brasil estar calçando as chuteiras de Lixo Extraordinário. Até porque começou agora o lobby em Hollywood para que os membros da Academia deem seus votos. Tudo é influência lá; temos que nos dedicar a um network poderoso para que esse filme ganhe. Gostaria, por exemplo, de que a Dilma fizesse uma sessão no Planalto e desse seu apoio.
Você pertence a uma família muito tradicional do chamado soçaite, tanto do Brasil como da França. Como foi lidar com a realidade dos catadores, tão diferente da sua?
O interesse desse filme foi conhecer o ser humano por um outro ângulo; não pelo que ele deseja, mas pelo que ele não quer, pelo que ele descarta. Não renego minhas origens, não teria nem por quê. Acho que sou uma grande interlocutora, que tem diálogo tanto com os catadores quanto com a elite cultural e financeira, o que é importante numa produção. Nós temos que romper as grades da sociedade, para crescermos como pessoas. Cada vez mais eu valorizo a tradição, como é importante termos gerações de famílias que transmitam uma herança de gentileza no olhar. A grande virtude da educação é a gentileza no olhar.
Não teme que o destino dos catadores se perca depois que o frisson gerado pelo filme diminuir?
Eu sou, antes de tudo, uma empreendora. Vejo oportunidades de negócios e corro atrás. Disse ao Tião (Santos, o líder dos catadores) que, se ele sonhasse em virar um grande ator, a coisa iria se perder. Ele tem que ser, e está se tornando, um homem de negócios, um líder de 1 milhão de catadores, que está arrecadando recursos junto a fundos do Banco Mundial, da Caixa Econômica, do BNDES. Estamos traçando projetos de grande alcance social, ligados à sustentabilidade. Falamos de uma indústria que movimenta R$ 8 bilhões por ano no País, segundo dados do Ipea. Em relação à Europa, o Brasil está 15 anos atrás em termos de reciclagem. Temos que mobilizar a sociedade nesse sentido.
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