Lideranças indígenas do Vale do Javari afirmam que suas terras estão sendo invadidas por pescadores ilegais. foto: Antônio Lima
A pesca ilegal e a caça de animais silvestres em terras indígenas praticada por brasileiros, peruanos e colombianos aumentou desde que a Fundação Nacional do Índio (Funai) extinguiu a administração executiva regional em Atalaia do Norte (a 1.336, 12 km de Manaus), na fronteira do Brasil com o Peru e a Colômbia.
A denúncia consta na carta enviada esta terça-feira, dia 8, pelo presidente da Associação Marubo São Sebastião (AMAS), Ewerton Oliveira Reis ao presidente da Funai, Márcio Meira.
A desactivação da administração, que passou a ser apenas uma coordenação local, também provocou a desestruturação da representação do órgão em Atalaia do Norte.
«Antes era complicado, mas os ‘regionais´ (não-indígenas) respeitavam a Funai porque ela possuía uma base aqui. Hoje, nem isso. Os invasores não se intimidam mais. Fazem o que querem», queixa-se Clóvis Rufino, da União dos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Clóvis salienta que, por ser uma área de fronteira, o Vale do Javari, onde vivem aproximadamente 4 mil indígenas (alguns deles em condição de isolamento), deveria ser fiscalizado por um órgão indigenista estruturado. «Agora, são apenas os índios, sozinhos, que estão fazendo a fiscalização», explica.
Clóvis adianta que as áreas mais procuradas pelos invasores estão situadas na região do rio Pardo, afluente do rio Curuçá que, por sua vez, vem a ser afluente do rio Javari. «Se a Funai não tomar nenhuma providência há risco de haver briga e conflito entre indígenas e regionais. Muitos índios estão sendo manipulados pelos invasores e também podem brigar com outros índios», avisa.
De acordo com Ewerton Oliveira Reis, a fiscalização está a ser dificultada porque os quatro antigos postos da Funai estão abandonados. Outro problema apontado é a falta de condições no sistema de vigilância. «Os rádios da organização indígena estão com problema, bem como falta gasolina e meio de transporte. O único meio é a denuncia que vimos apresentando a vossa excelência, para providencia através das organizações», escreve Reis, na carta enviada à Funai.
Aliciamento dos indígenas torna-se um problema social grave
Acresce ao cenário um grave problema social que também está a causar preocupação entre os indígenas: o aliciamento de jovens indígenas, o aumento da prostituição e a entrada de bebidas alcoólicas nas aldeias.
Casos de suicídio, como aquele que ocorreu no final de 2010, também começam a surgir nas aldeias do Vale do Javari. «Estamos preocupados com a atitude do presidente Márcio Meira, que não dá a mínima. Não está fazendo nada pelo Vale do Javari. Aqui tem tido muita invasão, retirada de filhote de arunão. Os pescadores clandestinos agem à vontade», desabafa Clóvis.
Entretanto, a assessoria de imprensa da Funai informou, esta quinta-feira, que a carta da Amas ainda não chegou à presidência do órgão e explicou que é preciso localizar a carta para que seja dada a «devida resposta». Ainda assim, a assessoria avançou quee na reestruturação da Funai, a definição das localidades em que estão instaladas as unidades descentralizadas (Coordenações Regionais - CR e Coordenações Técnicas Locais - CTL) levou em consideração critérios de relação entre etnias, aspectos geográficos para deslocamento (logística e bacias hidrográficas) e vulnerabilidade social das comunidades. Garantiu ainda a Funai que as CTL estão a ser dotadas de equipas, equipamentos e recursos que possibilitem o atendimento adequado aos indígenas.
De acordo com a assessoria, com a reestruturação também foram criados os Comitês Regionais e caberá aos indígenas definirem quem serão seus representantes neste Comitê. Dentre outras atividades, o Comitê Regional poderá solicitar à Funai que modifique a localização de uma CTL para melhor atender às comunidades. A expectativa é que, dessa forna, o trabalho se torne mais eficiente, aumentando igualmente a participação dos indígenas nas questões que lhes dizem respeito. Esclarece, nomeadamente a assessoria que, no último concurso público da Funai, foram contratados mais 4 funcionários para a Coordenação Técnica Local de Atalaia do Norte. Um desses funcionários, contudo, teve um problema de saúde e está em tratamento, acrescenta sem deixar de sublinhar que, mesmo só dispondo de três novos funcionários, a Coordenação se encontra em melhor condição do que a anterior.
Para ler na íntegra fica a carta que a Funai alega ainda não lhe ter chegado:
CARTA Nº. 004/AMAS/2011.
Atalaia do Norte-AM, 08 de Fevereiro de 2011.
Assunto: Invasão na área indígena do Vale do Javari
Senhor Presidente,
Após a extinção da Administração Executiva Regional da FUNAI de Atalaia do Norte – AM, que passou para Coordenação Local, como dito, a Terra Indígena do Vale do Javari, se tornou uma situação de descaso, por falta de fiscalização permanente, tendo em vista que os quatros antigos postos, estão abandonados na região, pela indefinição do funcionamento da sede do órgão indigenista na nossa área.
Como já vimos apresentando em documentos e notas dos descasos cometidos pelos invasores pela ausência do órgão indigenista, que com administração funcionando, já era problema. E agora, está ficando pior a cada dia, situação mais frustrante na historia dos povos indígenas do Vale do Javari nesses últimos anos, dos quais a Vossa Excelência, já tem conhecimento a fundo sobre o caso e que não foram tomados providencias urgentes até esta data.
Nos trechos do médio Rio Javarí e Curuçá, na terra indígena, há grande presença de invasores, capturando alevinos “piaba” e filhote de peixe ARUANA, explorando lagos e igarapés, para e sendo contrabandeada a noite nos motores de velocidade pelos Brasileiros, Peruanos e Colombianos, os financiadores destes pescadores ilegais na nossa área.
No verão temos um grande problema com a retirada de quelônios e carne de animais silvestres, isso vem acontecendo todos os anos, sem que pudéssemos ter um efetivo controle, porque as nossas comunidades estão sem condições para vigilância.
Pois, os rádios da organização indígena, estão com problema de matéria, bem como a falta de gasolina e meio de transporte, o único meio é denuncia que vimos apresentando a vossa excelência, para providencia através das organizações.
A pior situação, é que os invasores estão aliciando jovens que estão sem alternativa de geração de renda, para convencer suas lideranças tradicionais, para exploração ilegal em troco de açúcar e outros objetos sem valor, que por muitas vezes, são aceitos por não terem alternativas de geração de renda, por falta de projeto de sustentabilidade, onde as comunidades possam desenvolver atividades.
Pois no órgão, falta técnico que pudesse apoiar a desenvolverem atividades de sustentabilidade dentro das comunidades.
Com este aliciamento de indígenas, os invasores estão levando bebidas alcoólicas e fazendo festas, embriagando indígenas e ficando as mulheres, é como está aumentando prostituição nas comunidades, outro fator que está aumentando é DST entre os povos indígenas que residente na faixa de fronteira.
Lembrando que já houve dois suicídios, sendo uma mulher Mayuruna no final do ano de 2010 e outra adolescente de 15 anos também do povo Mayuruna no mês passado, por não conseguir impedir o uso da cachaça na aldeia.
Quando era administração, tivemos uma iniciativa importante pelo servidor por nome de Eduardo, que deu prioridade de conseguir alternativa para as comunidades, assim, conseguindo projetos de criação de peixe, criação de quelônios e criação de galinha caipira para as populações indígenas da região.
No entanto, estes projetos estão parados e abandonados, os materiais adquiridos, a maioria não foi entregue nas aldeias, e daqueles que foram entregue, não conseguiram implantar o projeto, por falta de orientação de técnicos, o qual quando os projetos foram montados, foram prometidas as comunidades que iria ter apoio técnico.
Os tubos adquiridos para construção de açude estão amontoados no pátio da sede da FUNAI, sem previsão de entrega e a construção dos mesmos, estão sem sucesso. Os chefes de postos que são atuais técnicos locais, estão sem condições de subirem aos rios e estarem desenvolvendo atividades nos seus postos de trabalho, porque estão esperando oportunidade. Também, não tem o que levarem que para fiscalização, porque não têm meio de transporte, gasolina, rádio, etc. Os quais suas necessidades são a estruturação dos antigos postos onde possam realizar suas atividades no interior da terra indígena.
O fator preocupante é no Médio Javari e o Rio Jaquirana, onde se faz as duas fronteiras do (Brasil e Perú), onde ocorrem maior trânsitos de narcotraficantes, que coloca em risco aos indígenas das comunidades residentes na margem desses rios, por aliciamentos dos mesmos, caso isso acontecer, será difícil controlar e pode haver conflito armados entre não índios e outros povos, dos quais, não pudemos duvidar da capacidade desses povos se confrontarem, em querem rebater contra traficantes, pela falta da presença permanente do órgão indigenista oficial, são riscos que os indígenas vêm sofrendo.
É como a organização vem agindo, tendo como exemplo, a vigilância da área pelo projeto PPTAL, nas décadas de 2000 a 2003, onde os indígenas assumiram o papel da FUNAI, fazendo presente, na fiscalização no Rio Jaquirana, aprendendo madeira, balsa de garimpeiros na aldeia 31 pelos Mayuruna, onde o exercito auxiliou. E a FUNAI foi ultimo, a saber, na época. E agora na boca do Rio Pardo, esta associação se obrigou a preparar um grupo de jovens Marúbo e Mayuruna para vigilância do Rio Pardo e Curuçá, onde não estamos tendo o apoio da FUNAI, o está sendo realizada vigilância na cara e coragem.
Que para nós a FUNAI vem fazendo, vista grossa e não valoriza nossas atividades, onde estamos lutando para fechamento da boca do Rio Curuçá e ter um controle efetivo da região, porque estamos cansando de ver a presença de invasores e que não está sendo prioridade da FUNAI, em vista dos invasores estarem perseguindo canoas dos indígenas que estão descendo no trecho do Médio Rio Javari, descendo ao rio para receberem suas aposentadorias, bolsa famílias, e outros benéficos, que na oportunidade levam gasolina para seus benefícios, bem como levam materiais e gasolina também, dos Pólos Bases para atividade de atenção a saúde indígena, pela falta de fiscalização permanente.
Tudo isso acontece pela fragilidade do órgão indigenista que está sem condições de realizar vigilância e nós continuamos sem saber como vai funcionar a coordenação regional do Vale do Javari, entendendo que a coordenação é do Vale do Juruá. E os servidores lotados no Juruá, ainda permanecem, e as atividades de vigilância bem como outras atividades do órgão indigenista estão totalmente abandonadas.
Diante exposto, vimos pedir providencia de uma fiscalização urgente, e contamos com a sua valiosa atenção. No aguardo de uma resposta urgente. e que exigimos ainda que seja feito o seminário que foi prometido para a comissão de lideranças que tiveram com Vossa Excelência quando tiveram em Brasília, no mês de outubro.
Desde já agradecemos a vossa atenção e colaboração urgente. No mais, as nossas saudações indígenas.
Atenciosamente
Ewerton Oliveira Reis
Presidente da AMAS
Ao Excelentíssimo Senhor
Dr. Marcio Meira - Presidente da FUNAI
Brasília – DF
publicado no jornal A Crítica
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