Finalmente, estreia hoje em Portugal. Ver aqui e aqui.
Vik Muniz: «O humor é a ferramenta de sobrevivência na lixeira»
Somos o que produzimos. E talvez até sejamos mais aquilo que deitamos fora. Vik Muniz, o artista brasileiro radicado em Nova Iorque que fez réplicas da Mona Lisa em manteiga de amendoim e fixou retratos em açúcar, passou dois anos no maior aterro do Rio de Janeiro a fotografar a rotina, ora briosa ora envergonhada, de quem separa dejectos. João Jardim filmou o "Lixo Extraordinário" do Jardim Gramacho - que chega hoje aos cinemas. Um trabalho sujo, que alguém tem de fazer. Ou tinha, porque alguns catadores viraram estrelas.
[ENTREVISTA]
Depois desta entrevista vai almoçar com Joe Berardo. Teremos uma exposição de Vik Muniz em breve no CCB?
A intenção é essa. Já estava marcada mas houve um contratempo administrativo e fez com que a exposição fosse atrasada. Estamos aqui a tentar viabilizá-la. É uma retrospectiva de todo o trabalho fotográfico que fiz durante 20 anos. A porta de entrada para a Europa é Lisboa. A exposição é, inclusive, a que aparece no documentário.
Documentário que já está no YouTube, completo. Sabia?
Ai já? Não sabia. Fico contente de saber que o trabalho pode ser visto por mais gente. Acho que quem tem dinheiro devia pagar um pouco para ver e quem não tem devia ver da mesma forma.
Que recordações tem do aterro passados quase três anos?
Há pouco houve um livro sobre o projecto e voltei ao aterro. Até falei com o prefeito do Rio de Janeiro. Existe uma quantidade enorme de lixões clandestinos que estão proliferando em volta de Gramacho - o que é muito preocupante.
Gramacho sempre fecha em 2012?
Vai ser já este ano, disse-me o prefeito. Já estão a fazer a transição para um aterro sem presença de catadores.
Que vai acontecer àquelas pessoas?
No futuro imediato, Gramacho vai ser um projecto do Tião. Ele juntou-se ao Gomes, que desenha projectos de investimento para fundos de pensões do Banco do Brasil, e já foi aprovado um projecto para a implementação de oito pólos de reciclagem gigantescos na área, que está a ser estudado até pelo escritório do Norman Foster. É um projecto enorme.
No seu projecto mostra muitas faces do aterro, do orgulho à vergonha.
A ideia era proporcionar uma visão plural, uma gama de impressões e opiniões sobre a vida no aterro. Tínhamos gente jovem, gente velha, homens, mulheres, gente que quer ficar e gente que quer sair, os que querem liderar e mudar o aterro, como é o caso do Tião.
É um dos mais proactivos.
Ele quer mesmo criar uma solução para a vida ali. Eu perguntava-lhe "como achas que vai ser a cidade depois do aterro?" Ele dizia que não queria nem pensar, achava que não tinha solução. Toda a economia local aqui é baseada em catar e reciclar. Há que quebrá-la para criar um novo sistema.
Estas pessoas, muitas delas sem instrução, dão-nos uma enorme lição sobre lixo e reciclagem.
É, eu estou aqui a falar sobre isto mas não tenho nenhuma autoridade. No outro dia o Tião ligou-me desesperado a dizer que tinha a "Folha de São Paulo" a perguntar-lhe sobre arte. "O que é que eu falo, cara?" Olha, também tenho todo o mundo a perguntar-me sobre lixo e estou a inventar o que dizer. Metemo-nos nesta, agora estão invertidas as posições. O Tião não precisa mais de megafone para expor as opiniões dele.
Tornou-se uma estrela?
O Tião tem assessor de imprensa, eu não tenho. Tem um poder enorme. Quer saber alguma coisa sobre este assunto, ligue para ele, ele sabe, viveu ali a vida inteira. É uma pessoa extremamente inteligente e criativa. É incrível o que ele está a conseguir fazer. Eu estou aqui a mostrar o meu trabalho às pessoas mas o Tião tirou um proveito muito maior do filme. Um documentário não dá dinheiro, não tem nem essa exposição toda, mas cria consciência, um contexto de transformação. É uma ferramenta muito poderosa.
O próprio Vik chegou a trabalhar com o lixo, nos EUA, correcto?
Já trabalhei com lixo de diversas formas. Já fiz tudo. Fui garçon, barman, trabalhei em supermercado, faxineiro, já dormi na rua. A minha vida nos EUA é bastante completa. Não fui para a Escola de Arte e resolvi ser artista. Venho de uma família muito pobre, de São Paulo, e tenho sempre uma comunicação muito directa com pessoas como o Tião. Lógico que no meu trabalho mostrar o catador e falar dele não resolve o seu problema, mas há cidadãos que se vão interessar.
Acredita que boa parte do público brasileiro mudou a sua opinião sobre este trabalho?
Muito, também pelo facto de o filme ter sido indicado ao Óscar. Mas mesmo para o brasileiro é difícil imaginar que existem crianças de sete anos a trabalhar no meio do lixo. Quando o mostrei no Rio de Janeiro, muita gente da zona sul não fazia ideia. E existe a alguns quilómetros do local onde moram.
Foi fácil o acesso ao aterro?
Não houve grande problema. Hoje o aterro é uma estrutura muito organizada. Tião está acostumado a filmagens e as pessoas são curiosas. Gramacho é muito interessante do ponto de vista perceptual.
Funciona quase como BI da cidade?
Uma coisa que se descobre é que uma sociedade não se define pelo que produz ou consome, mas muito pelo que joga fora. Sempre que deita lixo fora está a deitar fora um auto-retrato e está a expô--lo a desconhecidos.
E os catadores vêem tudo.
E mais, têm a capacidade de saber quem é o dono do lixo, é incrível. Tem alturas em que eles abrem uma sacola e dizem "esta mulher deve ser jovem, deve ter problemas de peso porque está a consumir muitos produtos de dieta, trabalha num escritório, não deve ser casada. Eles sabem tudo da pessoa, se é lixo de pobre ou de rico. Lixo de rico geralmente vem em saco grosso, caro, porque não querem que se veja o lixo, que se rasgue. Lixo de pobre é em sacolinha. E eu ponho o lixo em sacolinha, não gosto de desperdiçar sacos de plástico.
Também andou a olhar para lixo?
Achava óptima essa coisa de olhar o lixo dos outros. Era muito divertido seguir a análise deles. Eles eram muito bons. Em geral, as pessoas de Gramacho têm um sentido de humor infalível.
Naquele contexto é uma arma?
O humor é uma ferramenta de sobrevivência. O Tião tem uma história óptima. Às vezes o lixo da companhia aérea Varig caía ali e de repente no lixão inteiro só havia capitães e aeromoças. Eles vestiam os uniformes da companhia e ali ficavam. No Carnaval também. Logo depois que acaba, milhares de fantasias vão para o lixo. Andam todos fantasiados no meio do lixo. Gramacho são 40 anos de arqueologia urbana. Vai encontrar vinis, depois VHS, até CD, imaginando tudo o que já aconteceu.
A lixeira tem tanto de manual de história como de casa da democracia.
O lixo é o grande denominador comum, apesar de chegar em camiões diferentes. O do milionário que vive numa cobertura na Vieira Souto e o lixo do favelado do Complexo da Maré.
publicado no jornal i
O documentário “Lixo Extraordinário” é uma obra prima do cinema brasileiro
A coprodução entre Brasil e Reino Unido mostra o trabalho de Vik Muniz no Jardim Gramacho, o maior aterro sanitário do mundo, nos arredores do Rio de Janeiro, criando arte a partir do lixo com os moradores do lugar.
O documentário brasileiro “Lixo Extraordinário” chega a Portugal no próximo dia 28 de Abril.
Teve a sua antestreia na abertura do FESTin- Festival de Cinema Itenerante de língua portuguesa, com a sala principal do cinema S. Jorge esgotada.
No Jardim do Gramacho,o maior aterro sanitário do mundo, Vik Muniz passou dois anos transformando, com a ajuda dos catadores, material reciclável em arte, o que é retratado em "Lixo Extraordinário" ao lado da emocionante história de quem tira sustento do que é inútil a outras pessoas.
Após uma conversa com um seu amigo Fábio, Muniz decide sair de Nova Iorque, cidade onde vive, rumo ao Rio de Janeiro. Aí visita o Jardim do Gramacho, para então explorar as possibilidades de realizar um trabalho com aquele material.
Definiu como objectivo era fotografar cenas do aterro e reconstruí-las com o material reciclado apanhado pelos catadores (nome que é atribuido ao profissional do aterro).
Mas aconteceu o que não estava previsto, a sua grande envolvência com a comunidade local.
Conhecer as pessoas que trabalham no aterro é uma das partes mais interessantes do documentário. É a partir dali que aquelas pessoas observam o mundo. Classificam o que é "lixo de rico" e "lixo de pobre", imaginam as pessoa com base no acesso à literatura, ao cinema e passam a criar suas próprias interpretações - "Ah, Nietzsche era um cara que tinha uma filosofia muito maneira", explica Tião, presidente da Associação dos Catadores do Jardim Gramacho.
À medida que os catadores passam a fazer parte do processo de criação de Vik Muniz torna-se evidente que não ficam indiferentes com outros modos de vida e com a arte.
É o choque pós-moderno da população marginalizada com o artista famoso, como se estivessem saindo da gruta pela primeira vez.
Por vezes muito melodramático, o filme é impregnado do olhar estrangeiro de Lucy Walker. A figura de Vik Muniz também chega a incomodar, quando retratada como uma espécie de herói que chega ao aterro. Quando foca na produção das obras e na vida dos catadores, o filme passa a ser muito mais agradável.
Caridade à parte, a cineasta Lucy Walker, que assumiu a realização depois da passagem de Karen Harley e João Jardim, foi muito positivo o focar o documentário naqueles que são o objecto da obra, humanizando um filme sobre arte.
É a espontaneidade daquelas pessoas que salva o filme, pensado comercialmente para o exterior e falado por Muniz em inglês, idioma que prevalece também nas conversas com sua esposa e seu assessor, todos brasileiros.
E, sem entrar no mérito da arte de Vik Muniz, os enquadramentos pensados pelo artista conseguem encontrar no lixão sua beleza.
publicado na Hardmusica
A vida no lixo
Sim, Rivaldo ouviu falar vagamente do Jardim Gramacho. Muitos brasileiros ouviram falar vagamente do Jardim Gramacho, mais ainda desde que o artista plástico Vik Muniz decidiu usá-lo na sua obra, e isso deu um documentário candidato ao Oscar: "Lixo Extraordinário". Não ganhou, mas já ganhara prémios do público nos festivais de Sundance e Berlim, e continua a correr mundo. Terça-feira abriu o FESTin, no Cinema São Jorge, em Lisboa, com a presença de Muniz e de um dos realizadores, João Jardim, e desde ontem está em exibição nas salas portuguesas.
Disto, Rivaldo, o taxista carioca, não ouviu falar. Só sabe que Jardim Gramacho não é nenhum jardim. "É um lixão, não?", pergunta, crucifixo a balouçar no espelho do carro, Cristo Redentor atrás das costas, enquanto avançamos cada vez mais para Norte. Um lixão, sim. Mais exactamente, a maior lixeira do mundo: nove mil toneladas de lixo por dia, 60 milhões de toneladas já acumuladas. Vamos pela Linha Vermelha, a via rápida que vai do Rio de Janeiro ao aeroporto internacional. Só que depois do aeroporto continuamos, e continuamos, até Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Nem duques nem jardins. Fábricas, favelas, desolação, violência.
Tião tinha dito: primeira rua depois da Volvo. Tião, ou seja Sebastião Santos, o catador protagonista de "Lixo Extraordinário". Um catador é aquele que cata aquilo que se pode reciclar, e portanto vender. No Jardim Gramacho trabalham 1200 catadores. Vik Muniz encenou os retratos de alguns deles, trabalhou as fotografias, e o documentário - realizado por Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley - acompanhou todo o processo: idas à lixeira, escolha das personagens, trabalho em estúdio, leilões internacionais, a alteração das vidas dos catadores protagonistas.
O resultado emociona: plateias a chorar. Mas é possível alterar realmente aquelas vidas? E se for, é legítimo? Quem ganha com isso? O artista? Os catadores? O filme? Debates que o próprio filme esboça.
Além de dinheiro para uma casa nova, Tião viu-se em Londres e nos Oscars. Tem planos para melhorar a vida dos catadores e para projectos ecológicos.
Entretanto, no Jardim Gramacho, o debate é mais acerca da sobrevivência.
O segurança
"Não deu nem para mim ver o filme", diz José, negrão de tronco nu, cercado por sacos de lixo já escolhido. É o segurança da Cooperativa de Catadores liderada por Tião. E Tião, que combinou com o Ípsilon aqui? "Veio e foi", diz José.
Rivaldo, o taxista, está boquiaberto, braços apoiados na porta do táxi. Olha o lixo, respira o cheiro, adivinha o resto.Depois da fábrica da Volvo lá dobrámos à direita, baldios com gente de tronco nu caminhando no calor. O cheiro cada vez mais próximo: pesado, denso, podre.
Se há um fim do fim, é aqui.
Tião não atende o telemóvel. A mulher, em casa, atende e promete encontrá-lo. No telefonema seguinte explica que a mãe de Tião está no hospital e que ele teve de ir vê-la. Não, não vai ser possível estar com Tião hoje.
José vai continuar sozinho pela manhã. Está com 55 anos. "Catei até ao ano passado. Mas depois adoeci e não fui mais, não." O lixo em decomposição produz gás. "A minha pressão piorou muito." Como muitos dos catadores, veio de fora, neste caso de Minas Gerais. Catou durante 25 anos.
"Tudo o que vê aqui já catei", diz, apontando os sacos encardidos. "Alumínio, papelão, frascos, plástico fino, sucata..." Por cada um que sai, há um que vem. "É um rodízio, noite e dia, homem e mulher, só não tem menor. Mas no Verão, ali no meio do lixo, é um calor..."
À beira da cooperativa sempre está mais tranquilo, embora desarmado. "Eu e Deus."
A montanha
Para chegar à entrada da lixeira, há que atalhar por caminhos de terra cheios de barracos, e depois caminhos de asfalto, mas ainda com barracos. Entre os barracos, em vez de hortas, animais ou tralha, há lixo. Sacos de lixo para vender, Contentores a transbordar, e em volta os restos que não se vendem. Lixo, lixo, lixo.
Não é a lixeira, ainda. É o entorno da lixeira. A aldeia-satélite dos que vivem do lixo e no lixo. Crianças correm e saltam no lixo, como se fosse terra ou erva. E há placas a anunciar sorvetes e açaí. Rapazes em motas. Bebés em triciclos.
Mais perto da entrada oficial, uma Igreja Mundial do Poder de Deus, anunciando o seu Templo dos Milagres. Um ônibus 016 Duque de Caxias-Jardim Gramacho. Camiões do lixo saindo. Ao fundo a placa: Aterro Metropolitano do Jardim Gramacho. Além da placa, uma espécie de montanha ondulante, cor-de-barro.
"O lixo está todo ali por baixo", diz o segurança Marco, nordestino do Rio Grande. "É tipo uma balança. A terra é jogada em cima ao fim de dois, três dias, depois de o lixo secar." No filme vêem-se as grandes pilhas acabadas de chegar, antes de serem soterradas. Marco também não viu o filme, mas acha que "alguma gente fica rica e os catadores [ficam] na miséria". Aponta as barracas em fila, até à entrada: "Eles moram ali."
Maneco na esquina
Num dos barracos, mulatos de tronco nu fazem desenhos com cabelo, rapando partes do crânio.
À esquina, há um veterano sentado, uma espécie de rei. Um sofá esventrado e imundo faz as vezes de trono. "A minha história no lixo é longa...", avisa o veterano. Chamam-lhe Maneco.
Chega um rapaz, de lixo ao ombro. Maneco conta umas notas e paga-lhe. Já catou muito, agora compra o que outros catam.
E viu o filme, sim senhor. "O Tião é muito meu amigo, mas eu não gostei do que ele fez. Porque ele só envolveu pessoas novas, que chegaram há pouco tempo. Fez uma coisa boa em valorizar a nossa imagem lá fora, mas tinha de pegar as pessoas antigas. Ele procurou pessoas mais cultas, mais inteligentes. E tinha de procurar os lixeiros ignorantes, sem cultura, do jeito deles mesmo."
Passa um homem com um prato cheio de puré e uma coxinha. Aqui se come e se dorme, dinheiro no bolso.
"Um dia de trabalho de catador é de 100 reais para lá", diz Maneco. "E sem esforço", reforça um jovem Ramon que acaba de chegar.
A catar o quê? "Alumínio, papelão, plástico fino...", aponta o veterano. "Hoje em dia o material está todo em alta. Alumínio é o que dá mais dinheiro. Vem daqui: latinha, panela..."
Pega para mostrar.
Depois pergunta: "Quer ouvir minha história do lixo?" E lá vai: "Eu vim da Lixeira do Cajú. Menino já estava no lixo. Meu pai era dono de ferro-velho. Ele dizia: 'O dinheiro que arrumei é meu. Vocês se quiserem façam por onde.' Então como todo o mundo ganhava dinheiro do lixo, fui catar lixo com 13 anos. Até hoje, quando está ruim aqui, eu vou e cato. Quando a maré está brava, a gente arregaça as mangas e vai trabalhar."
É uma vida sem melhora. "Moro aqui mesmo, num barraquinho de madeira. Milhares de pessoas estão morando aqui. Cearenses, paraibanos, baianos, mineiros, pernambucanos, cariocas mesmo..."
E doença, não tem? "Tem em qualquer lugar, não tem? A gente bota uma luva, uma bota, um chapéu para tapar do sol. A gente não vai com o corpo aberto. A coisa é dura, mas é por isso que ganha dinheiro. Se fosse fácil, a gente não ganhava."
"Mas quando teve o incêndio a gente perdeu tudo", resmunga um rapaz sujo e tatuado. Chama-se Cleverson. Veio pequeno da Paraíba, lá no Nordeste. "Veio de lá comendo farinha!!!", zombam os outros.
O fim de Gramacho
Maneco, cavalheiro, descompõe um dos rapazes que entretanto deixa cair um saco sujo ao pés da repórter. Quer mostrar disciplina. Mas estamos perante um fim anunciado. Ontem mesmo começaram a chegar os camiões que lentamente vão transferir o lixo do Jardim Gramacho para o novo Centro de Tratamento de Seropédica, a bem da ecologia, anunciam as autoridades. "Estamos encerrando um crime ambiental que a cidade do Rio vem cometendo contra a Região Metropolitana e a Baía de Guanabara há anos", disse o prefeito do Rio, Eduardo Paes. Mais: "Esta é a maior vitória ambiental da cidade em toda a sua história."
Vai demorar, mas já começou.
"Eles estão querendo tirar o lixo daqui, dizendo que não está suportando mais, mas se o lixo acabar isso aqui vai virar uma Indonésia!", proclama Maneco. "A maioria das pessoas vai passar fome! Muita gente deixou de ter uma profissão lá fora."
Diz "lá fora" como se Gramacho fosse um mundo.
E mostra o relógio no pulso, os anéis nos dedos. "Aqui no Jardim Gramacho, com tudo se ganha dinheiro. Está vendo? Tudo isso é do lixo. Vai desperdiçar?"
Cleverson abre uma lata de atum com o bico negro de um facalhão, espeta pedaços e mete à boca.
"Ouro, dinheiro, jóias", prossegue Maneco. "Você acha tudo aqui... A vida é assim mesmo."
"É boa", comenta Cleverson, mastigando mais um naco.
"É muito dura", corrige Maneco. "Mas a gente se acostuma." Depois irrita-se com Cleverson por ele estar ali a comer como se tivesse tirado do lixo. "Depois vão dizer que a gente come do lixo. Eu não vivo de comida do lixo! Come besteira do lixo quem é burro!"
Cleverson mastiga impávido.
É avô, Maneco. E antes disso pai de 14 filhos, nada menos. Onde estão? "Variado", atalha ele. Filhos de várias mães. "O importante é que dei audiência para todos eles. Quando a gente é novo, tem os dentes todos, a pele lisinha, arrumar namorada é fácil..."
Isto para dizer que agora está sozinho.
por Alexandra Lucas Coelho
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