foto: Joana Freitas
Três espaços míticos da noite lisboeta, no Cais do Sodré, vão ter as portas fechadas pelo menos até ao início da próxima semana. Uma parte da estrutura interior do prédio em que estão instalados o bar Europa e as discotecas Jamaica e Tokyo, na Rua Nova do Carvalho, cedeu na terça-feira passada, o que levou a Câmara de Lisboa e a Polícia Municipal a "desaconselharem" a abertura daqueles espaços de diversão nocturna até que estejam garantidas condições de segurança.
O edifício de seis andares está devoluto e já não é habitado há alguns anos. O telhado está em mau estado, nas fachadas há janelas semiabertas e diversos vidros partidos, por onde entram os pombos e a chuva. Na terça-feira, uma parte do segundo piso abateu-se sobre o primeiro andar, acusando o mau estado do soalho de madeira. Além do estrondo, os vidros das janelas que foram projectados para a rua assustaram quem por lá passava e os bombeiros foram chamados ao local.
O edifício foi depois vistoriado pela Protecção Civil, pela Polícia Municipal e pelos técnicos do gabinete de reabilitação urbana da Câmara de Lisboa, que decretaram o encerramento temporário das discotecas e do bar. "Não interditaram os espaços, mas desaconselharam a abertura ao público", diz Fernando Pereira, gerente do Jamaica, que está ali desde 1971.
A discoteca está fechada hoje e sábado, tal como o Tokyo e o Europa, enquanto removem o entulho de dentro do edifício e procedem ao escoramento da área que cedeu, intervenções que estão a ser pagas pelos arrendatários daqueles espaços de diversão. Só no início da próxima semana será feita uma nova avaliação do edifício.
"Estamos a substituir o senhorio, que não tem feito nada", critica Fernando Pereira. Os senhorios foram notificados, já em 2004, pela autarquia para fazerem obras de beneficiação do prédio. Desde então, o processo tem tido avanços e recuos, mas as obras continuam por fazer.
Diogo Tavares de Carvalho, um dos proprietários do imóvel, culpa a autarquia. "A Câmara de Lisboa é um ninho de direcções e repartições que não se entendem", acusa. Isto porque os proprietários apresentaram em 2005 um projecto, já aprovado pela autarquia, para realizar "obras profundas" no prédio, mantendo apenas as fachadas. "[Porém]enquanto um departamento aprova o projecto, outro intima-nos a fazer obras de beneficiação", critica Diogo Tavares de Carvalho.
O responsável, que não foi informado do incidente de terça-feira nem das vistorias, diz que a intenção de recuperar o prédio mantém-se, mas foi adiada. No início deste ano, os senhorios pediram a prorrogação do prazo para iniciar as obras. "Entretanto veio a crise e os nossos parceiros têm tido dificuldade em conseguir financiamento junto dos bancos", lamenta Tavares de Carvalho. O proprietário não esconde, porém, que "seria melhor" recuperar o edifício sem as discotecas instaladas no rés-do-chão. "Queremos construir apartamentos e espaços comerciais. Será difícil a venda, se as discotecas se mantiverem lá", afirma.
Enquanto as obras não avançam, os gerentes do Jamaica, do Tokyo e do Europa tratam de garantir o funcionamento dos espaços e até já pediram um relatório pericial para averiguar que intervenções são necessárias nos pisos superiores. "Se o senhorio não faz nada, fazemos nós."
No final, vão apresentar a factura das intervenções em curso ao senhorio e vão avançar para um processo judicial. "Queremos ser indemnizados por causa dos prejuízos que vamos ter com a quebra das receitas e a má imagem. Além disso, há compromissos com empregados, fornecedores e patrocinadores que temos de cumprir", sublinha Fernando Pereira.
publicado em O Público
Cais do Sodré - (Post.1940) Foto Maria de Oliveira (Vista Aérea do Cais do Sodré, Praça Duque da Terceira e Jardim Roque Gameiro) in AFML
fotos: Joshua Benoliel e Mário Novais - Revista Panorama, 1947
Cais do Sodré - (Post. 1928) Foto Kurt Pinto (Estação do Cais do Sodré) in AFML
Cais do Sodré - (1950) Foto Eduardo Portugal (Jardim Roque Gameiro) in AFML
Cais do Sodré - (1914) Foto Joshua Benoliel (Posto do Relógio Padrão da Hora Legal em Lisboa) in AFML
Varinas na venda do peixe no cais da Ribeira em Lisboa (Cais do Sodré - 1909)
Cais do Sodré - (1912) Foto Joshua Benoliel (Pontão de acesso aos barcos) in Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa
O Cais do Sodré pertence à freguesia de São Paulo, está ladeado pela Avenida 24 de Julho, Avenida Ribeira das Naus e Praça Duque da Terceira. Deve o seu nome ao facto de ali terem vivido os irmãos Sodré, António Vicente e Duarte, possuídores de uns imóveis neste sítio.
Negociantes descendentes de um inglês chamado Frederico Sodré, que viveu em Portugal no tempo de D. Afonso V. Esta designação de Cais do Sodré substitui até aos nossos dias uma outra muito antiga: "Remolares" nome pelo qual este lugar era conhecido.
Desde 1914 está instalado no Cais do Sodré um relógio, que durante muitos anos a hora legal em Lisboa, era marcada a partir desse relógio.
Em 2001 foi substituído por outro digital. O relógio original encontra-se exposto na Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, em Alcântara.
No Cais do Sodré existe um pequeno Jardim com o nome de Roque Gameiro.Com canteiros e algumas espécies vegetais onde actualmente os autocarros da Carris estacionam, pois serve de terminal de um grande número de carreiras que partem da Estação do Cais do Sodré. Entre a vegetação, a centrar esta pequena Praça, está a estátua do «Homem do Leme», que simboliza as origens históricas do povo português.
A Estação do Cais do Sodré é uma Estação ferroviária e actualmente, também uma estação de Metro de Lisboa, servindo de Terminal da Linha Verde.
O Projecto arquitectónico é da autoria do Arquitecto Nuno Teotónio Pereira, as intervenções plásticas do pintor António Dacosta.
Além da Estação, existe a Sul um novo terminal Fluvial do Cais do Sodré da Soflusa com ligação de Barcos entre Lisboa e a outra margem do Tejo.
Fotos actuais: AQUI.
Da má fama a uma das noites mais concorridas de Lisboa
Apesar de ser a "criança" do Cais do Sodré, o Musicbox quis conhecer as suas origens: durante um ano e meio, os promotores fizeram o reconhecimento da zona, falando com autarcas, párocos, donos de bares, frequentadores e moradores.
Há mais de 50 anos, devido ao movimento no Porto de Lisboa, o Cais recebia milhares de marinheiros de todo o mundo, lembra um dos promotores, Alexandre Cortez.
A sua chegada levou à abertura de lojas especializadas na navegação e inspirou os nomes e a decoração dos espaços de diversão noturna.
Os velhinhos Tokyo, Jamaica, Olso ou Viking recebiam marinheiros, artistas e intelectuais, mas também espiões, prostitutas e criminosos.
Em Maio de 1968, o assassino do activista norte-americano Martin Luther King passeava-se pela Rua Nova do Carvalho. Uma noite, entrou no antigo Clube Texas, hoje Musicbox, e conheceu uma prostituta, por quem se apaixonou.
Após dez dias em Lisboa, acabou por ser detido em Londres por um espião que o seguiu pelo Cais. Na prisão, continuava a escrever cartas à portuguesa.
“Era tudo casas de alterne, houve uma altura em que isto era mal frequentado. Agora de um lado da rua temos as discotecas e do outro são mais bares”, diz Ricardo Gouveia, gerente do Tokyo (antigo Tamisa).
A reviravolta começou após o 25 de Abril, quando a “maior liberdade de música e de expressão” começou a atrair um público que queria sobretudo dançar ao som do que antes não podia ouvir livremente.
Hoje, para Ricardo, o sucesso deve-se à “grande mistura”, visível à primeira vista: na música, nas idades (que podem ir “dos 18 aos 80”), nos estilos musicais e nos clientes, que vão desde universitários a jornalistas, actores e músicos.
Fernando Pereira, hoje filho de um dos fundadores do Jamaica e à frente do espaço diz que a primeira viragem no ambiente, na segunda metade da década de 1970, deu-se pela mão – ou pelo som - do Jamaica, do Tokyo e do Shangri-La (hoje transformado no Bar do Cais), então frequentados por quem "não procurava prostituição".
Mais tarde, com o Europa e, já no novo milénio, com o Musicbox, dá-se a "viragem definitiva" e atinge-se uma afluência "que já não se via há muito”.
Entretanto, os bares continuam a passar as músicas ouvidas pelos marinheiros e espiões de há quarenta anos e nunca foram atrás da música da moda, mas beneficiaram da moda do revivalismo, que, afinal, “nunca deixa” de ser uma tendência.
“O facto de existiram casas com néons dava um ar misterioso e para quem aparecia no Jamaica era um desafio ir lá”, lembra Fernando.
Uma dessas casas era o Viking, que se mantém fiel às origens: todas as noites continuam a subir mulheres ao pequeno palco para espetáculos de striptease.
Também para Alexandre Cortez “o colorido daquela altura ainda se sente no ar”.
“O ideal seria que modernidade convivesse ao lado da vertente mais característica e mais forte da zona: a sua história”, remata.
publicado na Agência Lusa - 27.01.2011
Há mais de 50 anos, devido ao movimento no Porto de Lisboa, o Cais recebia milhares de marinheiros de todo o mundo, lembra um dos promotores, Alexandre Cortez.
A sua chegada levou à abertura de lojas especializadas na navegação e inspirou os nomes e a decoração dos espaços de diversão noturna.
Os velhinhos Tokyo, Jamaica, Olso ou Viking recebiam marinheiros, artistas e intelectuais, mas também espiões, prostitutas e criminosos.
Em Maio de 1968, o assassino do activista norte-americano Martin Luther King passeava-se pela Rua Nova do Carvalho. Uma noite, entrou no antigo Clube Texas, hoje Musicbox, e conheceu uma prostituta, por quem se apaixonou.
Após dez dias em Lisboa, acabou por ser detido em Londres por um espião que o seguiu pelo Cais. Na prisão, continuava a escrever cartas à portuguesa.
“Era tudo casas de alterne, houve uma altura em que isto era mal frequentado. Agora de um lado da rua temos as discotecas e do outro são mais bares”, diz Ricardo Gouveia, gerente do Tokyo (antigo Tamisa).
A reviravolta começou após o 25 de Abril, quando a “maior liberdade de música e de expressão” começou a atrair um público que queria sobretudo dançar ao som do que antes não podia ouvir livremente.
Hoje, para Ricardo, o sucesso deve-se à “grande mistura”, visível à primeira vista: na música, nas idades (que podem ir “dos 18 aos 80”), nos estilos musicais e nos clientes, que vão desde universitários a jornalistas, actores e músicos.
Fernando Pereira, hoje filho de um dos fundadores do Jamaica e à frente do espaço diz que a primeira viragem no ambiente, na segunda metade da década de 1970, deu-se pela mão – ou pelo som - do Jamaica, do Tokyo e do Shangri-La (hoje transformado no Bar do Cais), então frequentados por quem "não procurava prostituição".
Mais tarde, com o Europa e, já no novo milénio, com o Musicbox, dá-se a "viragem definitiva" e atinge-se uma afluência "que já não se via há muito”.
Entretanto, os bares continuam a passar as músicas ouvidas pelos marinheiros e espiões de há quarenta anos e nunca foram atrás da música da moda, mas beneficiaram da moda do revivalismo, que, afinal, “nunca deixa” de ser uma tendência.
“O facto de existiram casas com néons dava um ar misterioso e para quem aparecia no Jamaica era um desafio ir lá”, lembra Fernando.
Uma dessas casas era o Viking, que se mantém fiel às origens: todas as noites continuam a subir mulheres ao pequeno palco para espetáculos de striptease.
Também para Alexandre Cortez “o colorido daquela altura ainda se sente no ar”.
“O ideal seria que modernidade convivesse ao lado da vertente mais característica e mais forte da zona: a sua história”, remata.
publicado na Agência Lusa - 27.01.2011
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