Leio em O Estado de S.Paulo:
A presidente Dilma Rousseff decidiu não se encontrar com a advogada iraniana e Nobel da Paz Shirin Ebadi, que chega ao Brasil na terça-feira. Principal voz da oposição a Teerã no exílio, Shirin será recepcionada no Palácio do Planalto apenas pelo assessor para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia.
"Se Dilma defende os direitos humanos e as mulheres, ela me receberá", insistiu a iraniana em entrevista ao Estado. O governo brasileiro, porém, acredita que receber a ativista enviaria "a mensagem errada".
A decisão do Planalto vai na contramão da mudança na diplomacia para os direitos humanos que Dilma vinha conduzindo até agora. Antes de tomar posse, a presidente criticou publicamente a abstenção do Itamaraty em uma resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU condenando o apedrejamento de mulheres no Irã. Dilma chamou de "ato bárbaro" a lapidação, posição reiterada em entrevista ao jornal Washington Post.
Em março, Dilma rompeu com o padrão de voto do governo Lula nas Nações Unidas e apoiou a criação de um relator especial para o Irã – sob críticas do ex-chanceler Celso Amorim. Uma semana depois, Shirin foi convidada a um jantar na embaixada do Brasil em Genebra.
"Dilma recebeu a (cantora) Shakira, mas se recusa a se encontrar com uma mulher Nobel da Paz?", questiona Flávio Rassekh, representante da advogada no Brasil. "Ainda não desistimos e vamos continuar tentando organizar esse encontro."
Oficialmente, o Planalto justifica que, pelo protocolo, a presidente recebe apenas chefes de Estado e de governo. "Dependendo da agenda", ministros de países estrangeiros e outras personalidades – como, por exemplo, os integrantes do U2 – conseguiram uma audiência com Dilma.
e, o mesmo jornal, leio também:
Em meio à crise envolvendo o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, a presidente Dilma Rousseff reservou parte da agenda desta segunda-feira para receber o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. É o primeiro encontro dos dois chefes de Estado desde a posse de Dilma, em janeiro. Chávez, que foi recebido 16 vezes pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de 2003 a 2010, usará a visita para mostrar sintonia com o governo Dilma, observam assessores do Planalto.
Temas polêmicos como a parceria das estatais Petrobras e PDVSA não estão na agenda do encontro. A visita terá caráter meramente protocolar, avaliam auxiliares de Dilma. Os dois presidentes deverão assinar apenas acordos formais em parceria já consolidada na área de fronteira.
Em nota, o Itamaraty observou que o encontro de Dilma e Chávez ocorre em momento de "recuperação" do comércio bilateral, após retração em 2009, em decorrência da crise financeira internacional. Dados do Itamaraty indicam que, em 2010, o comércio bilateral totalizou US$ 4,6 bilhões - um aumento de 11,8% em relação ao ano anterior. O Brasil exportou US$ 3,8 bilhões e importou US$ 832 milhões.
A conclusão não tem grande volta a dar: Dilma encontrou uma manhã na agenda para receber Hugo Chávez, mas não uma hora de disponibilidade para receber Shirin Ebadi. O Planalto bem pode alinhar justificações, mas o que fica é que - mesmo não sendo o dia elástico, nem tendo mais de 24h - Dilma preferiu tempo com o presidente da Venezuela, ditador com obra vasta em matéria de violação de Direitos Humanos (um vídeo exemplar), do que com a activista humanitária, Nobel da Paz consagrada por trabalho feito em defesa da mesma área.
Creio que Dilma faz mal, muito mal, em agir deste modo. A decisão traduz uma inversão no plano das convicções que vem tornando públicas e uma contradição abissal com a orientação diplomática que, desde o início, a diferenciou de Lula. Mais: ao fazê-lo envia um péssimo sinal ao Mundo, no que respeita ao posicionamento do governo brasileiro quanto a questões de Direitos Humanos.
A recusa em receber Shirin acontece, precisamente, num momento em que os olhos andam postos nos países emergentes, cobrando que o crescimento económico aconteça a par com uma maturidade social que combata todo e qualquer tipo de desrespeito ou desigualdade de direitos fundamentas. Dilma não só sabe disso como tem, ela própria, assumido essa mesma bandeira, considerando-a uma meta decisiva a cumprir e defendendo, inclusivamente, - quer junto dos BRIC, quer dos vizinhos da América Latina - que sem a sua justa consolidação nenhum desenvolvimento se poderá alcançar de forma consistente. Basta, aliás, recuar uns dias e escutar as ideias que advogou durante a apresentação do Plano Brasil Sem Miséria ou do anúncio da data de arranque da 2ª fase do programa Minha Casa, Minha Vida, e que se encontram pressupostas nos próprios projectos (já para não falar no miolo nuclear do seu Programa de Governo).
A um país como o Brasil, que aspira a assumir cargos de topo na governança internacional do Mundo, não basta olhar para dentro das suas próprias fronteiras. Exige-se que mostre ser capaz de firmeza na prossecução incondicional de princípios e valores universais.
Shirin lutou pela Revolução Islâmica acreditando na promessa de democracia e justiça de aiatolá Khomeini. Hoje refere-se ao episódio como «a revolução traída». Forçada ao exílio desde 2009, a activista é uma das principais vozes em favor da liberdade, justiça e Direitos Humanos universais no Mundo. É inquestionável o papel que tem desempenhado, nomeadamente, na defesa da condição das mulheres: as tais que Dilma tem visado com os seus ideais de 'empowerment', elegendo-as - por exemplo - como motor central do sucesso do Bolsa Família.
Creio, portanto, que mais do que cometer um erro ao não receber a Nobel da Paz, Dilma Rousseff perdeu uma extraordinária oportunidade de provar que, em matéria de Direitos Humanos, o governo do Brasil não vacila nem cede, que não se intimida com possíveis embaraços nas relações bilaterais com países - como, por exemplo, o Irão - e muito menos recua mediante formalidades inerentes a parcerias de interesse económico estabelecidas - como, neste caso, com a Venezuela.
protesto organizado por estudantes venezuelanos, no dia 2 de Junho, frente ao Supremo Tribunal de Justiça, em Caracas. fotos: Reuters
(...)
Segue em baixo, na íntegra, a entrevista de Shirin mencionada na notícia e um texto do Gustavo Chacra, que vale ler: Porque o Brasil tem medo de Irão?.
[ENTREVISTA A SHIRIN EBADI]
A poucos dias de aterrissar no Brasil, Shirin Ebadi diz não ter perdido ainda as esperanças de ser recebida pela presidente Dilma Rousseff – por quem guarda "grande admiração e respeito". A advogada iraniana, ganhadora do Nobel da Paz de 2003, comemora o fato de o Brasil ter levado pela primeira uma mulher ao poder e pressiona: "Se Dilma defende os direitos humanos e as mulheres, sei que ela vai me receber".
Shirin concedeu a entrevista ao Estado em farsi, através do Skype, de Londres. Em 2005, com a chegada de Mahmoud Ahmadinejad à presidência, ela viu-se obrigada a partir para o exílio. Entre as perguntas do repórter, a advogada iraniana disse ao tradutor várias vezes que teme por sua vida.
O governo brasileiro afirmou que a presidente não vai recebê-la pessoalmente. Que resposta a senhora dá à essa recusa?
Desejo e espero me encontrar pessoalmente com a presidente Dilma. Ainda tenho esperança de que isso ocorra. Guardo uma grande admiração e respeito por ela. Considero muito significativo o fato de Dilma ter sido a primeira mulher eleita presidente do Brasil. E é por isso que gostaria de me encontrar com ela. Quero, sobretudo, parabenizá-la por sua conquista.
E se a presidente não mudar de ideia e continuar a evitar um encontro com a senhora, isso significará uma derrota?
De jeito nenhum, não há derrota. Para mim, o aspecto mais importante da minha viagem ao Brasil é o encontro com grupos e pessoas organizadas que trabalham pelo bem-estar da população. Se Dilma defende os direitos humanos e os direitos das mulheres, sei que ela também vai me receber.
A senhora parece indicar que não se contentará com um encontro com outras autoridades, como o assessor para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, ou o Ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota.
Como disse, tenho respeito e admiração pela figura da presidente Dilma e quero falar com ela sobre vários temas, incluindo os direitos das mulheres. Mantenho minha esperança de que esse encontro possa ocorrera, apesar de tudo.
Em março a senhora elogiou a mudança que Dilma promoveu em relação à promoção dos direitos humanos no mundo. Qual é o significado da recusa da presidente em recebê-la para esses novos rumos que a diplomacia brasileira parecia estar tomando?
Essa é uma resposta que os próprios brasileiros devem dar. Não sou eu, iraniana, que vou respondê-la. Como vocês leem essa recusa de Dilma? Por que não dar continuidade à nova posição diplomática em relação aos direitos humanos?
O governo iraniano acusa a senhora de trabalhar com EUA e ‘potências ocidentais’ para afastar o Brasil do Irã.
Eu vou a São Paulo, Brasília, Porto Alegre e Rio para aumentar a amizade e aproximar os povos do Brasil e do Irã. É essa a razão principal de minha visita. Não tenho vínculo nenhum com os EUA. Peço aos brasileiros que leiam com atenção o discurso que pronunciei quando recebi o Prêmio Nobel da Paz, em 2003. Nele faço uma dura crítica aos EUA e aos países europeus – você pode achar a íntegra do texto em inglês no site do Prêmio Nobel. Essas informações divulgadas pelo governo iraniano são totalmente falsas, forjadas.
O que os brasileiros podem fazer para ajudar na defesa dos direitos de iranianos perseguidos pelo governo?
Pedimos somente uma coisa muito importante: escute o que o povo iraniano está dizendo e não as declarações oficiais do governo. É preciso entender realmente que tipo de tratamento os iranianos recebem de seu próprio governo e como estão descontentes com a atual situação em seu país.
publicado em O Estado de S.Paulo - 04.06.2011
(...)
por Gustavo Chacra *
O regime do Irã tem medo da defensora dos direitos humanos e Nobel da Paz Shirin Ebadi. E a administração de Dilma Rousseff, assim como a de seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, tem medo de Mahmoud Ahmadinejad e do aiatolá Khamanei.
Nesta semana, com medo de Teerã, a presidente do Brasil cancelou encontro com a iraniana por problemas de agenda. A Nobel da Paz não teve a mesma sorte que a cantora colombiana-libanesa Shakira, que se reuniu com a líder brasileira. A defensora dos direitos humanos, talvez antecipando este risco, disse, no passado, que “se Dilma defende os direitos humanos, ela me receberá”. Mas a presidente brasileira não defende os direitos humanos no caso iraniano.
Dilma prefere agradar a um regime que reprime as mulheres, minorias religiosas e opositores. Um regime que mata e tortura. Esta é a liderança que o Brasil parece querer propagar. A administração de Dilma, como a de Lula, quer ser amiga do regime iraniano.
A presidente ficou com medo de nota da embaixada do Irã em Brasília dizendo que “Shirin Ebadi, autointitulada ativista dos direitos humanos, está tentando enfraquecer a firme política do Brasil em relação ao programa nuclear iraniano. Ela provavelmente tentará se aproveitar da nova política de direitos humanos da presidente Dilma (…) e tentará convencer autoridades brasileiras a se distanciar do Irã.”
O que eu não entendo é a necessidade de puxar o saco de Teerã. O inverso deveria ocorrer. O Brasil é um gigante econômico, não o Irã. Nós não dependemos de nenhum produto iraniano. Não possuímos nenhum problema geopolítico. Não temos nenhum inimigo. Ninguém ameaça nos atacar. Mais grave, a aliança com o regime persa deteriorou as relações do Brasil com nações mais importantes economicamente para os brasileiros, como com os Estados Unidos.
Já o Irã está com a economia em crise. Precisa de investimentos econômicos brasileiros. Dois de seus vizinhos (Afeganistão e Iraque) estão em guerra civil. É inimigo de Israel, Arábia Saudita e Estados Unidos, para ficar apenas em três. Está ameaçado de sofrer ataques de americanos e de israelenses e apoio dos brasileiros para evitar estas ações é fundamental. A aliança com o Brasil também serviu para o regime de Teerã tentar exibir uma inexistente credibilidade em fóruns internacionais.
Caso Dilma se reunisse com Ebadi, o que poderia acontecer? O Irã iria romper relações com o Brasil? Iria dizer o que da presidente brasileira? Que ela é uma traidora por ter recebido uma Nobel da Paz e defensora dos direitos humanos e das mulheres? A presidente do Brasil ainda tem tempo de encontrar um horário na sua agenda. Caso contrário, será uma covarde neste caso.
No ano passado, entrevistei Shirin Ebadi e fiz a pergunta abaixo
Estado – Há também dezenas de mulheres presas no Irã. A sra. espera que a presidente eleita do Brasil, Dilma Rousseff, faça algo para ajudá-las?
Ebadi – Depois da revolução, uma série de leis discriminatórias contra as mulheres foram aprovadas no Irã. A vida de uma mulher equivale à metade da de um homem. Por exemplo, se um homem e uma mulher saem para a rua e são atacados, a indenização que a mulher receberá será o equivalente à metade da do homem. Na Justiça, o testemunho de duas mulheres equivalem ao de um homem. Um homem pode casar com quatro mulheres. E existem várias outras leis discriminatórias.
A presidente eleita do Brasil, como mulher, certamente não concorda com estas leis. E as mulheres iranianas tampouco as aceitam. Mas, quando elas protestam contra esta legislação, são detidas por terem agido contra a segurança nacional, segundo argumento do governo. As advogadas que as defendem também acabam nas prisões. Uma destas advogadas é minha colega Nasrin Soutodeh. Ela foi presa há dois meses. Está em uma solitária e sem poder ver os advogados. Não tem acesso a televisão, rádio ou jornais. Além disso, sofre com pressões físicas e psicológicas. Desde o domingo, está em greve de fome (continuava até o fechamento desta edição). Estamos preocupados com a vida dela. Gostaria que a nova presidente do Brasil a ajudasse.
Todas as mulheres, sendo muçulmanas ou não, que viajem ao Irã, precisam cobrir a cabeça. É uma lei estranha, pois quem não é muçulmana não precisa usar o véu. Por favor, diga à sua presidente, em meu nome, para ela não se cobrir com o véu se for ao Irã. Não precisa ter medo da lei no Irã. Por ser presidente, possui imunidade diplomática. Alguém precisa mostrar ao governo do Irã que esta lei não é correta.
* jornalista, mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia, é correspondente de “O Estado de S. Paulo” em Nova York. Fez reportagens do Líbano, Israel, Síria, Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Egito, Turquia, Omã, Emirados Árabes, Yemen e Chipre como correspondente do jornal no Oriente Médio. Participou da cobertura da Guerra de Gaza, Crise em Honduras, Crise Econômica nos EUA e na Argentina, Guerra no Líbano, Terremoto no Haiti e crescimento da Al Qaeda no Yemen. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires.
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