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"Economia mundial: Agosto, o mês da 'tempestade perfeita'?"

por Jorge Nascimento Rodrigues

Os três "cavaleiros" da tormenta estão a convergir para o mesmo sítio: à crise da dívida em vários países da zona euro juntam-se o risco de um default "restrito" no começo de agosto nos Estados Unidos e um abrandamento económico forçado na China e na Índia.

A tempestade de verão até pode não vir a formar-se. Mas os ingredientes estão todos presentes na sopa mundial.
O primeiro ingrediente surge no outro lado do mundo, na Ásia, e tem a ver, estranhamento, com o preço... da carne de porco na China.
O preço do porco vivo na segunda maior economia do mundo disparou em junho para €2 o quilo, ultrapassando o máximo de abril de 2008. Os suinicultores chineses podem esfregar as mãos de contentes, mas, na mesa do chinês comum, a carne de porco, uma das bases da sua dieta alimentar, subiu para €3 o quilo. Segundo o China Daily, trata-se de um aumento no preço da carne de porco de 57,1% em termos anuais. A variação mensal de maio para junho foi de 11,4%, comparando com 2,6% entre abril e maio. No conjunto, o preço dos bens alimentares aumentou mais de 14% em doze meses.

"Tigre"chinês da inflação em 6,4%

O nervosismo apoderou-se do Conselho de Estado em Beijing que tem tanto horror à inflação como aos dissidentes. O que isso significa é que os governantes chineses não estão a conseguir domar o "tigre" (como lhe chamou o primeiro-ministro Wen Jiabao) da inflação - que, segundo o China Daily de ontem, já chegou a 6,4% em final de junho, muito acima da meta oficial de 4%. O disparo recente é impressionante: em junho de 2010, o índice de preços anual estava em 2,9%.
Para domar o "tigre" têm de arrefecer a economia controlando o crédito, cujo mal parado disparou para níveis alarmantes. A Moody's revelou em Singapura que o mal parado poderá atingir 8 a 12% e que a entidade auditora chinesa poderá ter subestimado em 1/3 o nível de empréstimos do sistema bancário chinês aos governos locais. Por isso, na semana passada, o Banco Popular da China - banco central - decidiu aumentar em 0,25 pontos percentuais a taxa de juro de referência a 1 ano dos empréstimos (dificultando-os) e a taxa de remuneração dos depósitos (incentivando a poupança). É a quinta vez que o faz desde o final da crise económica e a 3ª vez este ano. A intenção é que a inflação desça para baixo dos 5% a partir de outubro.
Mas estas medidas podem não resolver o problema, já que o "dinheiro quente" continua a correr na China, em virtude de os investidores e especuladores o poderem adquirir fora de portas, onde vigoram taxas de juro de referência incomparavelmente mais baixas - 6,56% na China contra um valor próximo de 0% nos EUA, 0,5% em Inglaterra e 1,5% na zona euro.
A previsão dos economistas chineses é que a taxa de crescimento desça do número oficial do Fundo Monetário Internacional (FMI) de 9,6% para 8,5% este ano e no próximo. O que este ponto percentual a menos significa é que pode estar a ocorrer um efeito dominó, conjugado com a possibilidade de estagnação da exportação, um dos dois motores da economia do "Império do Meio" a par da construção desenfreada.
Mas Michael Pettis, professor na Guanghua School of Management da Universidade de Beijing, é cauteloso: "Penso que em vez de uma aterragem forçada da economia chinesa, vamos assistir a uma aterragem prolongada" e admite que a persistência da inflação pode "até não ser uma má coisa a longo prazo, pois reforçará a fação reformista na China", sobretudo depois do render da guarda no partido, na presidência e no governo que vai acontecer no próximo ano.

Como a borboleta do Pacífico

O leitor, que entretanto salivou por uma iguaria de porco doce, interrogar-se-á, agora, o que tem a ver o suíno chinês com a economia mundial. Tal como a borboleta que bate as asas no Pacífico e provoca um tornado do outro lado do mundo, na Luisiana, o disparo dos preços da carne de porco acaba por estar interligado em cadeia com o abrandamento da locomotiva económica do mundo. E se a China abranda, a economia mundial faz eco e o comércio internacional pode até travar fortemente.
Depois de um crescimento de 5,1% no ano passado, o mundo vai crescer menos este ano e no próximo, 4,3% e 4,5% respetivamente, segundo dados divulgados em junho aquando da atualização do World Economic Outlook pelo FMI. Mas o mais preocupante é a desaceleração no comércio internacional - de um aumento de 12% em 2010 para 8,2% este ano e 6,7% no próximo.
O mesmo problema com a inflação está a ocorrer na Índia, a outra grande potência emergente. Ela é "endémica" neste país, diz-nos Edward Hugh, um especialista sedeado em Aruba, nas Antilhas Holandesas, editor do India Economy Blog. A inflação indiana está acima de 9% e o objetivo traçado pelo governador do Reserve Bank of India (banco central) é de a baixar para 6% em 2012, o que vai implicar um arrefecimento da economia para um nível de 8% ao ano. O FMI prevê que desça inclusive abaixo desse patamar em 2012. A que se junta um outro problema estrutural: um défice público na ordem dos 10% do PIB.
Para Edward Hugh o que incendeia a Índia e a China é o "dinheiro quente", dinheiro de curto prazo que inundou os grandes países emergentes, designado tecnicamente de "capitais voláteis". Se há um agravamento súbito no sentimento de risco causado pela crise na Europa ou pelas dúvidas nos Estados Unidos, a Ásia vai ficar muito exposta.

Alerta vermelho na Europa

Na Europa é o vento que sopra do Mar Egeu que abala todo o continente. Jean-Claude Trichet, o presidente do Banco Central Europeu, disse, recentemente, que "a título pessoal" acha que se entrou numa situação de alerta vermelho. As repercussões de uma re-estruturação, mesmo "suave", da dívida de Atenas ainda não têm contornos claros.
Mas a dúvida instalou-se, particularmente no coração da zona euro. Os 290 analistas e investidores institucionais alemães ouvidos pelo Centro de Investigação Económica Europeia (ZEW) mudaram radicalmente o seu "sentimento" sobre os próximos seis meses. O índice ZEW deu uma reviravolta: de 3,1 positivos em maio para 9 negativos em junho. O presidente do ZEW concluiu que "o boom económico alemão poderá enfraquecer-se nos próximos meses". E, se isso acontece, é a locomotiva da União Europeia e a quarta maior economia do mundo que se constipa.
"Um acidente financeiro de grandes proporções na Europa - default na Grécia ou necessidade de um resgate urgente em Espanha - poderá implicar um agravamento do sentimento de risco, tal como aconteceu no outono de 2008, que poderá causar contágio na Ásia. O que poderá gerar um sério double-dip [recaída na recessão] na Ásia", refere Edward Hugh.
Apesar do foco de atenção mediática estar no trio Grécia, Portugal e Irlanda, já com planos de resgate da troika (UE/FMI/BCE) e com níveis de risco de default elevadíssimos, superiores a 50%, os verdadeiros "elefantes" na loja de porcelanas da zona euro são a Espanha e a Itália.
Os dois países são dos que têm maior valor líquido de credit default swaps (cds, seguros contra probabilidade de incumprimento) associado às suas dívidas soberanas e nas últimas semanas têm estado em disparo do risco de incumprimento e dos juros dos títulos no mercado secundário. Pelo que seguir aquele valor líquido é como ter perante os olhos um "indicador de contágio". A Itália lidera mesmo o grupo mundial com um valor líquido de 23,7 biliões de dólares em cds e a Espanha vem logo em terceiro lugar, depois da França, com cerca de 18,4 biliões de dólares. A Markit chama a atenção, por isso, para a importância de acompanhar com atenção a evolução do que ocorre com o mercado dos cds nestas duas grandes economias - a Itália é a 8ª maior economia do mundo e a Espanha a 12ª, segundo o PIB de 2010.

A recaída na recessão pode já ter começado

Nos Estados Unidos há um mal-estar crescente. Há uma retoma que não retoma. Ben Bernanke, o presidente da Reserva Federal (Fed, o banco central), num seu discurso em junho na Conferência Monetária Internacional, em Atlanta, disse que se assistia a uma retoma económica "espasmódica e frustrante". 
A própria Fed confirmou em junho que baixara a previsão de crescimento dos Estados Unidos, a ainda maior economia do mundo, do patamar dos 3% para um intervalo entre 2,7% e 2,9%. E o FMI passou a falar de um "abrandamento suave" com "riscos crescentes".
Os números divulgados pelo Bureau of Labor Statistics na sexta-feira (8 de julho) sobre o emprego (excluindo o sector agrícola) em junho foram mais um balde de água fria. As estatísticas revelaram que, nos últimos nove meses, foi aquele em que menos empregos foram criados, apenas 18 mil, pior do que a mais pessimista das previsões realizada pela Reuters. O nível de desemprego está em 9,2%, mais de 14 milhões de americanos, e o nível de emprego está 7 milhões abaixo do valor de janeiro de 2008. Segundo a Reuters, ao ritmo dos últimos três meses serão precisos "sete anos para substituir os empregos perdidos" com a crise.
Um dos indicadores mais expressivos sobre o mau andamento da economia americana foi sublinhado, na sexta-feira passada, por Jeff Nielson, do Bullion Bulls do Canadá. Ninguém fala dele, diz Nielson, mas é a fotografia nua e crua "cujos números não podem ser massajados" pelos políticos nem pela burocracia: os impostos sobre o rendimento deduzidos na fonte estão em quebra acentuada desde 17 de maio. Segundo Lee Adler, editor do The Wall Street Examiner, este barómetro poderá indicar que "a economia americana entrou em recessão" já há mais de mês e meio.
Apesar da política de desvalorização efetiva do dólar desde o começo de 2009, argumentada teoricamente de que produziria "melhoria da competitividade externa", o valor líquido negativo das exportações de bens e serviços dos Estados Unidos agravou-se ultimamente, segundo dados do Departamento de Comércio. A América pode estar a começar a sofrer uma baixa de produtividade geracional. Alan Greenspan, o ex-presidente da Reserva Federal, disse esta semana em entrevista ao The Globalist, que há indicações claras "que a produtividade da parte jovem da força de trabalho [americana] está em declínio em relação ao nível de produtividade que havia sido atingido pelos baby boomers [a geração nascida após a 2ª Guerra Mundial até 1964] hoje a caminho da reforma".

500 mil milhões da dívida americana em agosto

Mas o tema mais quente, por ora, é o do risco do governo federal ter de deixar de pagar a alguém em agosto, pois o teto legal de endividamento esgotou em maio. Resta saber se esse "alguém" é apenas formado por vítimas domésticas, ou se ocorre inclusive um "default restrito" da dívida americana.
Timothy Geithner, o secretário do Tesouro americano, afirmou hoje (10 de julho) no programa "Face the Nation" que no mês de agosto há 500 mil milhões de dólares da dívida americana de que se terão de fazer amortizações ou proceder a rollovers, e que só na primeira semana de agosto (de 1 a 5) estarão em jogo 87 mil milhões.
O problema, desta vez, são os republicanos que estão a esticar a corda até ao limite. Alguns inclusive admitiram a hipótese de um "default por uns dias", revelou a Reuters.
Geithner foi claro hoje na NBC: "Não há opção para atrasar, não há opção financeira creativa". Um acordo tem de ser conseguido até ao final da próxima semana, de modo a que o Congresso americano tenha tempo de aprovar legislação antes do deadline da primeira semana de agosto.
Até o The Economist desanca nos Republicanos. Num artigo, com dureza invulgar, a revista inglesa, alarma-se com o facto de que "os republicanos estão a empurrar as coisas demasiado". O título do artigo, publicado a 7 de julho, fala por si: "Shame on them", e nem precisa de tradução. E fala diretamente para os congressistas republicanos: "um jogo em que arriscais o bom nome do vosso país".
Mark Thoma, professor de Economia na Universidade do Oregão, resume a situação num artigo muito  duro publicado no The Fiscal Times na semana passada, denunciando a forma como os republicanos, desde que ganharam a maioria na Câmara dos Representantes, têm prosseguido uma estratégia de "atiçar a incerteza na economia", tornando o país "refém de uma disputa ideológica".

Acordo de mútuo suicídio

Diversos responsáveis chineses de segunda linha já disseram que os republicanos estão "a brincar com o fogo", resumindo a forma como o mundo assiste ao que se passa na Câmara de Representantes em Washington. Os chineses têm a noção clara de que estão amarrados a um "acordo de mútuo suicídio" se as coisas derem para o torto, como, na semana passada, caracterizou o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger numa entrevista ao jornal alemão Der Spiegel.
Para fechar o ramalhete, a agência de notação de risco Fitch Ratings (do Fitch Group controlado em 60% pela holding francesa Fimalac de Marc de Lacharrière e em 20% pelo conglomerado americano de media Hearst) disse claramente que os Estados Unidos correm o risco, em agosto, de um default restrito, um palavrão técnico que assustou os mercados financeiros. O interesse especulativo pela dívida americana pode ser visto no que está a ocorrer no mercado dos credit default swaps. O valor líquido dos cds que mais subiu nos últimos doze meses foi o relativo aos Estados Unidos - o disparo foi de mais de 136,4%, segundo a Zero Edge, com base nos dados  da Depository Trust & Clearing Corporation.
Um dos testes preliminares sobre o comportamento dos investidores ocorrerá na próxima terça-feira (12 de julho) quando o Tesouro americano colocar em leilão 32 mil milhões de dólares em bilhetes do Tesouro a 3 anos. O seguinte com esta maturidade já será em agosto.
Com o final do segundo programa de "alívio quantitativo" (quantitative easing, no original, popularizado pelo acrónimo QE2) prosseguido pela Reserva Federal (Fed), os tomadores dos títulos deixaram de ter a certeza de que "haja comprador no mercado secundário, depois do leilão [no mercado primário]", sublinhou a Reuters.
O mecanismo engendrado - que injetou no mercado 600 mil milhões de dólares entre novembro de 2010 e 30 de junho de 2011 - por Ben Bernanke, o presidente da Fed, permitia manter a rolar este circuito. O Tesouro americano emitia dívida, os dealers do mercado primário tomavam-na, em seguida havia garantia de animação no mercado secundário, pois a Fed lá estava para comprar os títulos a um preço mais alto. Bernanke chegou a mandar comprar 2 a 9 mil milhões nos dias em que a Fed entrava no mercado. Durante algumas semanas do período do QE2, chegou a realizar uma operação todos os dias. O teste de 12 de julho servirá para matar a curiosidade dos analistas: o mercado dos títulos do Tesouro vai murchar ou não.
O analista Peter Cohan diz que toda esta ansiedade deriva basicamente de "ignorância e medo". A probabilidade de um default técnico é de 2%, diz Cohan. O risco de bancarrota num horizonte de 5 anos, refletindo a temperatura nos mercados de credit default swaps ligados à dívida americana, é inferior a 5% (compare-se com os 84% para a Grécia e os 59% para Portugal), pouco mais do que a relativa à Alemanha, segundo os últimos dados da CMA DataVision. Mas Cohan admite que o ambiente político se pode deteriorar no Congresso americano e que a partir de aí se abra uma Caixa de Pandora. David Kotok, responsável pela Cumberland Advisors, é mesmo mais contundente: "Os Estados Unidos não entrarão em default nem mesmo por um dia. Qualquer político que defenda isso deve receber um impeachment".
Nos bastidores diz-se que o presidente Barack Obama e o speaker (equivalente ao nosso presidente do parlamento e que é a terceira figura do Estado) republicano da Câmara dos Representantes, John Boehner, já terão cozinhado algum acordo à porta fechada num "encontro secreto" no fim de semana de 2 e 3 de julho, segundo o The New York Times. Obama dispôs-se a um plano de corte da despesa federal que poderá chegar aos 4 biliões de dólares (27% do valor do PIB do ano passado) ao longo dos próximos dez anos, o dobro do que falava inicialmente.
No entanto, este fim de semana (9 e 10 de julho), o The New York Times noticia que se iniciou uma segunda ronda de conversações na Casa Branca, depois do speaker republicano ter declarado no sabado que abandonava a discussão do pacote de 4 biliões de dólares e regressava à plataforma negociada antes pelo vice-presidente Joseph Biden.
Outros analistas admitem que o Tesouro estará a preparar um plano B, se o teto do endividamento não for aumentado até à hora da verdade em agosto. Uma das hipóteses seria a Administração americana dizer que o teto é inconstitucional ao abrigo da 14ª emenda da Constituição. Mas Obama já disse que não chegaria a tanto. O que esta trapalhada política poderia trazer era a passagem de uma crise da dívida para uma crise constitucional e um súbito descambar da situação política na América. A junção de dois tornados.

PIGS "R" US

O grande risco deste verão é que a convergência destas tendências negativas provoque o aparecimento de algum "cisne negro" ainda imprevisto.
Entretanto, o think tank francês de prospetiva LEAP, dirigido em Paris por Franck Biancheri, já avisou que entrámos numa segunda fase da crise em que a novidade agora é a "limpeza" do "lixo" acumulado nas dívidas soberanas, despoletada pela vaga de crises na zona euro mas que acabará por tocar os Estados Unidos e o Reino Unido.
E quando tocar esses dois santuários, a tempestade perfeita ter-se-á formado. Não serão milhares de milhares de euros em jogo mas biliões, diz o LEAP.
Foi o historiador inglês Niall Ferguson, radicado nos Estados Unidos, que sintetizou esta situação perante uma audiência americana escandalizada: "PIGS 'R' US". E comentou que não usou esse título num artigo no Financial Times, pois o editor não concordaria.

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