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No Brasil e m Portugal: "o silêncio das oposições como um risco para a democracia"?

Posted: 6 de fev. de 2012 | Publicada por por AMC | Etiquetas: , , , ,

Hoje, num artigo de opinião publicado em o Estado de S. Paulo, Fernando Henrique Cardoso pica-se com a constatação generalizada de que a voz da oposição praticamente emudeceu no Brasil. Por mais incomoda, não nega a realidade e busca algumas respostas. Não obstante voltar a culpar Serra pelo fracasso e Dilma pela popularidade, reflecte sobre o caso e alinhava algumas explicações.
A angústia que se coloca a FHC é idêntica à que se coloca, actualmente, à oposição portuguesa. Do PS de Seguro ao bloco de Louçã. Com uma nuance, todavia: enquanto no Brasil, a oposição não consegue abrir espaço diante da satisfação do povo com a actuação de Dilma; em Portugal, a oposição não consegue aproveitar brecha no descontentamento da população com a política de austeridade de Passos Coelho. Em ambos os casos, um detalhe comum da maior pertinência: satisfação e descontentamento jamais reuniram no mesmo uníssono tanta e tão diversa gente. Dilma (venerada) e Passos Coelho (odiado) reúnem um consenso, invulgarmente amplo e transversal à sociedade, e que vai dos pobres aos ricos e remediados, dos jovens à terceira idade, dos urbanos aos periféricos, dos ilustrados aos sem instrução, dos patrões aos trabalhadores, da esquerda à direita.
Interessante perceber que - apesar das inversas motivações -  a mesma inquietação que corre no Portugal em crise faz igualmente o seu caminho no Brasil em prosperidade e crescimento.

Crer e perseverar
por Fernando Henrique Cardoso*

Nas duas últimas semanas apareceram alguns artigos na mídia que ressaltam o silêncio das oposições como um risco para a democracia. É inegável que está havendo uma "despolitização" da sociedade não só no Brasil, mas em geral. O "triunfo do mercado" levou às cordas as colorações políticas. Parece que tudo se deve medir pelo crescimento do PIB. Nos países bem-afortunados, ainda que cheios de "malfeitos", não há voz que ressoe contra os governos. Nos que caem em desgraça sem terem feito a "lição de casa" - sem terem gerado um "superávit primário" -, aí sim, os governos em exercício pagam o preço. Caem porque são vistos como incapazes de assegurar o bom pagamento aos mercados. Não importa ser de coloração mais progressista ou mais conservadora. Caem sem que tenha havido um debate político-ideológico que mostre suas fraquezas eventuais, mas porque o rancor das massas gerado pelo mal-estar econômico-financeiro se abate sobre os líderes do momento.
O Brasil esteve até agora ao abrigo da tempestade que desabou sobre os mercados dos Estados Unidos e da Europa. Por mais que nossos governos errem, os decibéis das vozes oposicionistas são insuficientes para comover as multidões. Pior ainda quando essas vozes estão roucas ou preferem sussurrar. Como entramos em céu de brigadeiro a partir de 2004, tanto pela virtude do que fizemos na década anterior como pelos acertos posteriores e graças à ajuda dos chineses, fazer oposição tornou-se um ato de contrição.
Mas que importa? Também era assim no período do milagre dos anos 1970, durante o regime militar. A oposição nada podia esperar, a não ser censura, cadeia ou tortura. Não obstante, não calou. Colheu derrotas eleitorais e políticas, resistiu até que, noutra conjuntura, venceu. Hoje a situação é infinitamente mais fácil e confortável. Só que falta, o que antes sobrava, a chama de um ideal: queríamos reabrir o sistema político. Hoje o que queremos? Ganhar as eleições? Mas para quê?
Eis o enigma. Não faltam candidatos. Ainda recentemente, em conversa analítica que fiz com uma jornalista da The Economist, ressaltei que há vários, e não só no PSDB. Neste o mais conhecido e denso, José Serra, amadurecido por êxitos e derrotas, não conseguiu deixar clara em 2010 sua mensagem, embora tenha obtido 44% dos votos. O isolamento em que sua campanha ficou, dadas as dissonâncias internas do PSDB e as dificuldades para fazer alianças políticas, impediu a vitória. Se o candidato tivesse expressado com mais força as suas convicções, mesmo desconsiderando o que as pesquisas de opinião indicavam ser a demanda do eleitorado, poderia ter sensibilizado as massas.
Quem sabe por este caminho se decifre o enigma: falar à sociedade, com força e veemência, tudo o que se sente, inclusive a indignação pela corrupção, pela incompetência administrativa e, sobretudo, pelo escândalo de uma sociedade que se faz mais rica com um governo que distribui muito pouco, faz propaganda do que não concretizou inteiramente e coloca no altar os "vencedores", mesmo quando estes ganham à custa do dinheiro do povo, que paga impostos cada vez mais regressivos.
Outro, mais óbvio provável candidato, graças à posição eleitoral dominante em seu Estado e ao seu estilo de fazer política, Aécio Neves, está em fase de teste: transmitirá uma mensagem que salte os muros do Congresso e chegue às ruas? Encarnará a mudança com a energia necessária e o desprendimento que é o motor da ousadia, arriscando-se a dizer verdades inconvenientes, e aparentemente custosas eleitoralmente, para que o povo sinta que existe "outro lado" e confie nele para abrir perspectivas melhores?
Refiro-me aos dois por serem os mais cogitados no momento. Não são os nomes que importam agora, mas a disposição de correr riscos e de sair da armadilha da briga partidário-eleitoral para entrar na grande cena da opinião pública e - façamos a distinção - da opinião popular. É evidente que o governo, qualquer governo, leva vantagens, principalmente desde que o lulopetismo instalou a regra de que tudo vale para manter o poder: clientelismo, propaganda abusiva, uso continuado da máquina pública, etc. Entretanto, também no regime militar o governo levava vantagens. Mas nós lutávamos não para ganhar no dia seguinte, mas para criar um horizonte de alternativas.
A elucidação do enigma requer perseverança e coragem. Eu ganhei duas eleições no primeiro turno contra Lula porque tinha uma mensagem: a da estabilização da economia com o Real e o início da distribuição de rendas. Mesmo sem propagandear, a pobreza deixou de atingir mais de 15 milhões de pessoas com a estabilização dos preços e a política de aumentos reais do salário mínimo, que começou em 1994. Não foi fácil ganhar os apoios para pôr em ação o Plano Real, precisei brigar muito. Lula ganhou porque pregou, no início no deserto, ser ele o portador da mensagem que levaria a um mundo melhor. Perseverou, rodou o Brasil, abandonou a tribuna parlamentar e, no começo, desprezou a mídia. Mostrou-se audacioso, desprendido e generoso. Se sinceramente ou não, é outra questão: a Carta aos Brasileiros está à disposição dos historiadores para que julguem. Mas o povo acreditou.
É esta a verdadeira questão da oposição, e deveria ser a preocupação dos pré-candidatos: mergulhar nos problemas do povo, falar de modo simples o que sentem e o que se pode fazer. Sem meias palavras e sem insultos. Sem falácia, com muita convicção. Politizar a cena pública para assegurar a democracia. Dizer quem é bom, ou melhor, o que é bom e o que é mau. Mas dizer nas universidades, nas organizações populares, nas associações profissionais, nas pequenas e médias cidades. Preparar nelas a mensagem - o discurso - para mais tarde falar com credibilidade na grande cena nacional.
Quem o fizer terá chances de ser o candidato da oposição e, eventualmente, ganhar as eleições. Isso independe de manobras de cúpula, simpatias e interesses menores.
Não se pense que nossa realidade será sempre o que hoje parece ser: uma sociedade conformada, legendas eleitorais disputando mordomias no dá-cá-toma-lá entre governo e congressistas e a voz do governo a tonitruar como um trovão divino, a que todos se curvam prestimosos. É só mudar a conjuntura e a cena muda, se a oposição apresentar alternativas. Mesmo que não mude, nada deve alterar nossos valores e convicções. Continuemos com eles, pois "água mole em pedra dura tanto bate até que fura". 

* sociólogo e ex-Presidente da República

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