Leio no Jornal de Negócios:
(...) “Nós tínhamos colocado no programa [da troika] uma desvalorização fiscal, a alteração da Taxa Social Única (TSU) (…) e isso o Governo entendeu não fazer por razões que eles lá sabem”, afirmou. Porém, e mesmo sem uma alteração na TSU, “a verdade é que essa mudança de preços relativos está a acontecer”. “É impressionante a forma como os salários estão a cair, tal e qual como se houvesse uma desvalorização da moeda”, acrescentou. Para António Borges “isto está a passar-se na economia com um extraordinário consenso e harmonia social” o que “é uma coisa inconcebível na Grécia e vamos ver se os espanhóis são capazes de fazer o mesmo que nós”. Para o ex-dirigente do FMI a redução dos salários está a acontecer com “consenso e harmonia social” porque os portugueses entendem que têm de apertar o cinto para assim recuperarem e tornarem a economia mais competitiva.
(...) Em jeito de conclusão, António Borges apontou que “crises como a que atravessamos são difíceis” mas “também grandes oportunidades”. Já no início da sua intervenção, tinham sustentado que as crises permitem tirar uma lição: “as crises são momentos de limpeza”.
E por falar em 'sensibilidade social', eis António Borges a sublinhar a desvalorização acelerada dos salários em Portugal, não pelo que isso representa na vida das pessoas atingidas pela «lição» e pelos «momentos de limpeza» da crise, mas para se deforrar de Passos Coelho com luvas brancas: "não sei porque é que te armaste em esquisito com a TSU, se o resultado foi dar ao mesmo!...".
Além do regozijo de António Borges pela forma como «os portugueses entendem que têm de apertar o cinto», note-se o regozijo com que separa as águas e se coloca, orgulhoso e sobranceiro, do outro lado da barricada: «nós» – os 'fizemos o programa' – e «eles» – os que «lá sabem», que é como quem diz o Governo e os portugueses – diz, Borges [Cf. vídeo]. Porque ele – Borges, naturalmente – deixou de enfileirar nas hostes nacionais, já que isto de ir trabalhar para o estrangeiro é como ganhar outra pátria.
O facto de Borges usar prontamente o plural na primeira metade da frase e o poupar na segunda não é apenas maneira de falar, nem se limita a uma inócua questão gramatical. É expressão de um sentimento. Ainda que comezinho, mas é. Traz implícito esse prazer quase sádico de ter podido sair a tempo, antes da coisa colapsar e de, por essa razão, se sentir desobrigado de falar no plural. O sentimento de Borges exprime-se assim e não de outro modo porque lhe falta o sentido de pertença, essencial ao uso inclusivo do plural. Ora Borges, tal como Barroso e Constâncio, foi lá para fora e mesmo quando volta, a verdade é que já cá não mora. Tal como eles, sente-se por isso com legitimidade e no direito de se excluir ao constrangimento de ser português. Especialmente numa altura como esta, em que quem faz os planos e está interessado em «investir umas 'massas valentes'» mora lá fora e quem tem que os acatar e «apertar o cinto» vive cá dentro.
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