Aldeia Munduruku |
Osmarino esclarece que, após a reunião, 12 pessoas, entre elas indígenas e vereadores, reuniram-se com representares da empresa num hotel, onde assinaram um contrato que concede direitos de uso absoluto das terras indígenas à empresa durante 30 anos. «Em minha opinião, esse projeto é ruim porque durante os próximos 30 anos nós não poderemos caçar, plantar, pescar, retirar frutas do mato, ou cortar madeiras quando preciso», afirmou Osmarino em entrevista concedida por telefone à IHU.
As terras indígenas dos Munduruku foram demarcadas em 2004 e, desde então, cerca de 13 mil índios vivem em 120 aldeias no município de Jacareacanga. De acordo com Osmarino, por não concordarem com o contrato assinado, os indígenas irão cancelar o documento.
[ENTREVISTA]
No dia 15 de agosto de 2011 aconteceu uma reunião na Câmara Municipal de Jacareacanga, no estado do Pará. A maioria dos indígenas munduruku foi contra a proposta da empresa, e as índias guerreiras quase bateram nos representantes da empresa. Porém, depois da reunião, 12 pessoas se reuniram com representantes da Celestial Green Ventures em um hotel e assinaram um contrato. Nós não sabíamos disso; ficamos sabendo dessas assinaturas através da internet. Depois que soubemos que os direitos de uso das terras indígenas tinham sido vendidos para a empresa estrangeira, ficamos preocupados.
Quem são essas 12 pessoas? Algum cacique ou liderança indígena assinou o contrato?
Não. Os caciques eram contra a proposta da empresa, mas alguns indígenas e outros vereadores do município assinaram o contrato.
Você disse que a reunião aconteceu na câmara municipal? O prefeito, os vereadores e a Funai sabiam dessa reunião?
O pessoal da Funai esteve na reunião, mas eles não sabiam que esses indígenas haviam assinado o contrato.
Por que seus colegas indígenas assinaram o contrato?
Porque essas 12 pessoas estão mais interessadas no dinheiro do que na terra.
Alguém recebeu os 120 milhões de dólares propostos pela empresa?
Até agora não sabemos se o dinheiro foi depositado na conta da Associação Indígena Pusuru. Se o dinheiro for depositado, nós queremos devolvê-lo para a empresa e acabar com esse problema.
Quais eram as cláusulas estabelecidas no contrato? O que a empresa ofereceu para vocês?
Nós temos uma cópia do contrato aqui. Eu vou ler alguns tópicos para você.
“Parágrafo primeiro: Este contrato concede à empresa o direito de realizar todas as análises e estudos técnicos, incluindo acesso sem restrições a toda a área aos seus agentes e representantes, com a finalidade de efetuarem a escolha de dados, com o objetivo de obter a máxima validação de crédito de carbono na floresta.
Parágrafo segundo: Este contrato tem como objetivo criar as condições para que a empresa Celestial Green Ventures, utilizando estudos ou metodologias a seu alcance, proceda para conseguir a validação internacional de crédito de carbono por um período de 30 anos.
Parágrafo terceiro: Os documentos previstos no Anexo I dão à empresa a totalidade dos direitos sobre os créditos de carbono obtidos com qualquer metodologia utilizada, e todos os direitos aos benefícios que se venha a obter através da biodiversidade desta área durante o período do contrato.
Parágrafo quarto: O proprietário concorda em fornecer à empresa todas as autorizações e documentos necessários (registros, autorizações estatais e locais, aprovação de licenças) para a empresa realizar suas atividades na área do projeto.
Parágrafo quinto: Se os créditos de carbono, por qualquer motivo, forem inatingíveis nesta propriedade, então, este contrato tornar-se-á nulo e sem efeito”.
O contrato diz ainda que “o proprietário concorda em não efetuar qualquer atividade ou alterações na propriedade que possam, de alguma forma, afetar negativamente a concepção de crédito de carbono. O proprietário compromete-se a manter a propriedade conforme a metodologia estabelecida pela empresa. O proprietário compromete-se a cumprir todas as leis locais e estaduais e federais em relação à área do contrato. Sem a prévia autorização por escrito da empresa, o proprietário compromete-se a não efetuar quaisquer obras na área do contrato, ou outra atividade que venha a alterar a quantidade de carbono captada, ou que contribua, de alguma forma, para afetar negativamente a imagem da empresa e o projeto. Para a execução de obras que o proprietário pretenda efetuar na área do contrato, este deverá apresentá-las à empresa por escrito. Sem a autorização da empresa, o proprietário compromete-se a não efetuar qualquer invenção na área do projeto, como construções, cortes, extração de madeira, queimadas, construção de barragens, mineração, agricultura, turismo, construção de estrada ou qualquer outra atividade que possa ter efeitos negativos sobre a metodologia a ser utilizada pela empresa para a validação do projeto. O proprietário fica proibido de vender, transferir ou doar a totalidade da terra ou parte para terceiros sem o acordo prévio da empresa”.
Esses são alguns dos tópicos do contrato. Em minha opinião, esse projeto é ruim porque durante os próximos 30 anos nós não poderemos caçar, plantar, pescar, retirar frutas do mato, ou cortar madeiras quando preciso.
Você sabe se outras comunidades também assinaram contratos com empresas estrangeiras e se elas receberam dinheiro?
Os representantes da empresa disseram que duas etnias assinaram contratos, o que desconheço. As 12 pessoas que assinaram o documento não conversaram com os indígenas dessas etnias para saber como essa empresa trabalha.
Os indígenas munduruku se reuniram em assembleia recentemente. O que vocês decidiram em relação ao contrato?
Discutimos esse projeto de carbono e falamos sobre as barragens. Nós decidimos cancelar esse contrato. Queremos juntar todos os indígenas e as entidades que nos apoiam como algumas ONGs, o Conselho Indigenista Missionário – Cimi, e o Ministério Público para cancelar o contrato. Uma comissão de índios munduruku irá para Brasília entregar um relatório que elaboramos para a Presidência da República.
publicado na revista IHU em 26/03/2012
Cf. também:
- OP-ED: Brazil: Munduruku Chief Clarifies REDD Contract with Celestial Green Ventures, Calls It a 'Tale'
- BRAZIL: MUNDURUKU CHIEF CLARIFIES REDD CONTRACT FARSE with Celestial Green Ventures
- Celestial Green Ventures’ contracts are “not valid”, says Brazil’s National Indian Foundation, FUNAI
- FUNAI’s clarifications about voluntary market REDD activities on Indigenous Land
- Three Indigenous Nations in Altamira area, Para, signed REDD contracts with Carbon Cowboy: Benedito Milleo Junior; A Representative from TopoGeo
- Indigenous Groups: Reject REDD: A False Solution that Breads a New Form of Climate Racism
- Brazil warns against isolated REDD deals
e ainda:
- Denúncia: Funai incentiva índios a assinarem contrato de crédito de carbono com empresa estrangeira
- Por milhões de dólares, índios vendem direitos sobre terras da Amazônia
- Ainda o caso da venda das Terras Indígenas dos Munduruku
- FUNAI diz que falta de regulamentação do REDD torna nula a venda de Terras Indígenas
- Entrevista a Márcio Meira, presidente da Funai: «Os contratos com indígenas não têm validade»
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