medições sistemáticas feitas nas réguas instaladas em estações do CPRM |
O pesquisador Jochen Schöngart do MPIC, realiza trabalho de previsões de cheia desde 2005. O estudo prevê com antecedência média de 100 dias o nível máximo com um erro médio de 38 cm. Os dados foram baseados em um modelo publicado no Journal of Hydrology que prevê cheia para a região de Manaus e arredores utilizando dados atuais do nível das águas e a situação no Pacífico Equatorial.
O Rio Negro registrou, no início de março até agora, níveis recordes para este período do ano desde que os dados são levantados no Porto de Manaus (ano de 1903). “Nunca no início de março o rio foi tão alto quanto esse ano. Como temos uma La Ninã moderada estabelecida no Pacífico Equatorial, este fenômeno contribuiu para o aumento das chuvas na região. Isso fez o rio encher de uma forma muito rápida. O nível do rio no início do ano estava na média histórica e atingiu em dois meses um recorde”, explica Schöngart.
“O aumento de chuvas (durante La Niña) e diminuição de chuvas (durante El Niño) nas amplas cabeceiras do Rio Solimões e seus afluentes resulta, consequentemente, em cheias mais severas (La Niña) e cheias mais fracas (El Niño) na região da Amazônia Central”, alerta Jochen Schöngart.
Conforme Schöngart, analisando a série temporal do Porto de Manaus, observa-se que nos últimos 25 anos as cheias indicam uma leve tendência de aumento e as secas tendem ser mais severas. As diferenças calculadas entre cheia e seca (amplitude anual) aumentaram durante este período resultando na maior amplitude anual registrada ano passado com 14,99 m.
CPRM confirma grande cheia no Amazonas em 2012
Vazão e cotas do rio Solimões indicam uma grande cheia neste ano |
“O nível do rio Solimões está elevado para o período, mas ainda não dá para dizer que será uma cheia recorde. A gente pode estar tendo uma antecipação. O que é preocupante é que ela pode ficar alta e permanecer lá em cima durante muito tempo até junho. Isso prejudicaria a população”.
As sistemáticas medições feitas nas réguas instaladas em estações do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) no Amazonas apontam que o rio Solimões vem apresentado níveis elevados para o período, superiores em grande medida em relação a 2011 e razoavelmente superior em relação a 2009, ano da maior cheia.
Medição realizada, no último sábado, na estação de Manacapuru (a 84 quilômetros de Manaus) e acompanhada pela reportagem, apontou que a cota estava em 17,45 metros, superior aos valores registrados na mesma data de 2009, que foi de 17,19 metros.
“Tudo está indicando para uma cheia grande. O Solimões vem recebendo água dos seus afluentes, Purus e Juruá. Tem chovido muito em São Gabriel da Cachoeira e estas águas vão chegar a Manaus. É bom que chova agora por lá porque vai descer para Manaus e escoar para o oceano para que não haja uma coincidência de picos”, observou Marco Antônio Oliveira, superintendente da CPRM.
Jean Loup Guyot, representante no Brasil do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IDR), da França, que desenvolve estudos de variabilidade climática na bacia amazônica, também concorda que está sendo esperada uma cheia “muito forte”.
O registro de eventos climáticos extremos na Amazônia tem sido alvo de estudos de várias instituições de pesquisa, mas as causas de suas ocorrências ainda não estão completamente esclarecidas pela ciência.
“Há uma extensa discussão se as causas são frutos da uma variação natural do clima ou se estes eventos têm impacto do aquecimento global. O certo é que séries históricas indicam que estes eventos eram pouco frequentes no passado e hoje estão mais normais", avaliou Guyot.
Medição realizada, no último sábado, na estação de Manacapuru (a 84 quilômetros de Manaus)
Pesquisa mais completa
Equipes da Universidade Federal do Amazonas, do Instituto de Desenvolvimento de Pesquisa (IDP), do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e da Agência Nacional de Água (ANA) desenvolvem, em estágios diferentes, modelos de estudo na bacia amazônica. A CPRM acompanha as ocorrências de cheias e vazantes extremas para ter um melhor entendimento sobre o comportamento do rio, realizando medições nas estações nos municípios de Coari (Solimões), Beruri (Purus), Manacapuru (Solimões), Manaus (Negro) e Itacoatiara (Foz do Madeira e rio Amazonas).
O projeto da Ufam e do IDP monitora a bacia hidrográfica amazônica em escala continental e gera um banco de dados sobre as condições do rio. Entre os trabalhos estão as coletas de sedimentos vindos da Cordilheira dos Andes. O coordenador da coleta de dados de sedimentos, Naziano Filizola, explica que o estudo ajuda a entender se a ocorrência de sedimentos (silte e argila, por exemplo) é resultado de um processo natural ou de interferência da ação humana - como dragagens fluviais ou metais pesados de garimpo.
Uma das análises mais recentes desenvolvidas pelo grupo é saber se há conexão entre a construção do complexo de barragens na bacia do rio Madeira e ocorrência de sedimentos no baixo rio Amazonas. "Será que este sedimento depositado vai diminuir a quantidade que vai passar pelo Madeira e chegar ao rio Amazonas? Será que a diminuição não pode causar, por exemplo, redução na quantidade de nutrientes que alimentaram as várzeas? Este estudo pode ajudar a entender isto", destacou.
“As pessoas influenciam as mudanças do clima”, diz diretora do Inmet
A previsão climática no Amazonas é de chuva acima da média pelo menos até junho. O fenômeno meteorológico La Niña (resfriamento do Oceano Pacífico), principal causador desta anomalia climática, entrará em declínio em abril, mas seus reflexos vão perdurar nos meses seguintes.
Nesta entrevista, a chefe do 1º Distrito do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Lúcia Gularte, diz que o fenômeno La Niña já chegou a um ponto de inflexão e explica os efeitos com uma metáfora. “Você fuma durante 20 anos e de repente para de fumar. Ainda assim vai sentir os reflexos do cigarro um bom tempo. Na atmosfera é a mesma coisa”.
O que virá depois, somente após uma nova análise dos órgãos meteorológicos nacionais e internacionais, marcada para acontecer nos próximos meses.
Desde que o fenômeno se intensificou no Amazonas, em setembro do ano passado, dois terços dos 62 municípios do Estado tiveram chuvas acima da média. Muitos registraram o dobro de chuvas médias, condição que ainda não se encerrou na maioria deles. E volume de chuva elevado tem consequência direta no nível dos rios, como alerta a meteorologista.
Para Lúcia Gularte, é cedo para fazer uma análise global, mas é fato que a atmosfera está fugindo da normal climatológica e isto pode sim, ser chamado de “bagunça no clima”.
[ENTREVISTA]
Por que está chovendo muito no Amazonas?
Há um ano foi previsto o La Niña. A novidade talvez seja a intensidade. Embora a partir do final de março a tendência é que o fenômeno perca força, mesmo assim nós sentiremos os reflexos deste fenômeno pelo menos até junho. Na atmosfera as coisas são mais demoradas. Os efeitos aqui no Amazonas são chuvas acima da média.
O período de chuva ocorre normalmente nos meses de janeiro a abril. Mas ultimamente está mais intenso...
O período chuvoso ocorre em Manaus entre final de outubro até maio. Isso é normal. Só que este período (ano) está mais chuvoso que a média. Sendo que em vários municípios do Amazonas choveu o dobro do esperado. E estão excedentes justamente pela influência do fenômeno La Nina. São nuvens carregadas com grande quantidade de água.
Este volume de chuvas pode provocar uma cheia de grande porte?
Sim. Não sei se será a maior, os especialistas podem dizer. Ainda tem março, abril e maio. Mas se depender das chuvas, poderá causar sim.
Onde tem chovido com mais intensidade?
Desde setembro do ano passado, chove com bastante intensidade em cidades da Venezuela, do Peru, do Acre e no Sul do Amazonas. São chuvas acima da média. A tendência é de continuidade. Isso se deve ao La Niña, que faz com que venha mais ventos quentes e úmidos para a Amazônia. Chove o maior número de dias e com mais volume. Por isso causa uma grande cheia: devido aos volumes.
Esse excedente é de quanto e por quanto tempo ele deverá durar?
Até maio teremos chuvas em torno de 30% a 40% acima da média. Nos municípios do interior as chuvas foram acima da normal climatológica. Em fevereiro, mais de 20 municípios do Amazonas tiveram chuvas acima da média. Em São Gabriel da Cachoeira choveu 600 milímetros em fevereiro, quando o esperado é de 250 milímetros naquele mês. Na cidade de Manaus, choveu dentro da média. Mas é que está chovendo mais nas áreas periféricas da capital e menos no miolo da cidade. Isso é efeito do desmatamento e ilhas de calor. No miolo, a temperatura é 10 vezes maior do que na periferia.
Como funciona a previsão meteorológica?
Até 15 dias a previsão é de tempo. Acima de 15 dias é previsão de clima. O Inmet prefere fazer previsões até seis meses. Mas disponibilizamos os dados com até três meses de antecedência. Dá mais confiabilidade. A gente tem notado que tudo que previu vem acontecendo. Isso ocorre mesmo quando acontece um fenômenos em grande escala. A previsibilidade melhora porque nós conhecemos algumas características como chuvas excedentes no norte do Brasil e secas severas na região Sul. A gente sabe que há grandes cheias em ano de La Niña. Cabe aos órgãos tomarem medidas preventivas.
Qual a recorrência de fenômenos climáticos?
Eu acredito que pelas séries históricas no mundo estes eventos são cíclicos. Mas a gente tem observado, por meio de dados mais atualizados, que estes eventos estão frequentes e o prazo de transição está mais curto. Este prazo seria atmosfera neutra de normalidade, águas do oceano Pacífico também neutra.
Qual a papel da intervenção humana nesta alteração?
Não digo globalmente, mas localmente as pessoas têm influência sim. Elas influenciam bem mais. Em grandes capitais é nítido o efeito “ilha de calor” em áreas mais centrais, que estão concretadas.
Por que estes fenômenos deixaram de ser cíclicos e ficaram mais frequentes?
Ninguém sabe. Estas flutuações no tempo e no clima sempre ocorreram. E é por isso que temos que incentivar mais a pesquisa e a ciência para que se descubram verdades que todo mundo quer saber. O La Niña e o El Niño ainda estão sendo estudados.
Por que na Amazônia chove muito e no sul do país temos seca durante o La Niña?
O La Niña é um fenômeno oceânico atmosférico. As águas frias do fundo do mar vêm para a superfície e as águas quentes vão para o fundo do mar, gera um turbilhão e faz com que mude a direção das correntes marítimas e com que os ventos sejam redirecionados. E isso dá uma bagunça na atmosfera. Em cada lugar do mundo o fenômeno tem uma influência diferente. No Brasil, seca no sul que causa perdas significativas na produção do agronegócio e chuvas excedentes no Norte. E isso a gente sente na economia.
Como funciona a leitura do volume de chuvas?
Monitoramos com o pluviômetro e o pluviógrafo a variação da chuva ao longo do dia. A unidade de medida da velocidade é quilômetros por hora. A unidade de medida da chuva é milímetro. Um milímetro de chuva equivale a um litro de água em um metro quadrado de área. Se choveu 15 milímetros, choveu 15 litros em um metro quadrado de área. Por exemplo, se você tem um balde de lavar roupa e fizer as medidas corretas e colocar uma régua do lado. Vamos dizer que choveu a metade do balde. Você vai na régua e vê a quantidade de milímetros.
Situações extremas de cheia e seca devido a oscilação do volume de chuva podem acontecer com mais frequência?
Tudo é possível. Mas por enquanto o que é possível dizer é que o La Niña já chegou no ponto de inflexão. E deverá aos poucos a declinar a partir de abril. Mas mesmo que termine hoje, ainda sentiremos o reflexo até junho. Os fenômenos estão meio que diferentes.
O clima está bagunçado?
A bagunça seria o que foge da normal climatológica. É o que a gente e define o clima da localidade. Por que se fala que o clima de Manaus é tropical úmido com curta estação? Porque se observou pela climatologia que ao longo de 100 anos o período em que mais chove vai de outubro a maio e o que menos chove é de julho a setembro. Existe o período chuvoso e seco. Tudo o que foge disso é anormal.
publicado no jornal A Crítica
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