As primeiras famílias de índios escolhidas para receber a Bolsa Verde de R$ 300 por trimestre foram selecionadas nas comunidades mais assediadas por contratos de venda de créditos de carbono, informou ao Estado o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira. O objetivo seria impedir que os índios vendam por milhões de dólares direitos até sobre benefícios da biodiversidade de seus territórios.
O Estado mostrou ontem que mais de 30 etnias já fecharam contratos nesses moldes. Os mundurucus, por exemplo, venderam à empresa irlandesa Celestial Green Ventures - por US$ 120 milhões - os direitos sobre um território equivalente a 16 vezes o tamanho da cidade de São Paulo, em Jacareacanga (PA).
Na primeira lista de beneficiários do Bolsa Verde estão 500 famílias da Terra Indígena Sete de Setembro, onde vivem os suruís, em Rondônia. A terra indígena Tenharim Marmelos, no Amazonas, também entrou na lista de prioridade para receber o pagamento por serviços ambientais.
O Bolsa Verde foi lançado no final do ano passado e paga o benefício a famílias de reservas extrativistas, tipo de unidade de conservação onde é permitido o uso sustentável de recursos naturais. É uma das medidas do plano de erradicação da pobreza extrema do País, associada ao combate ao desmatamento.
"Tudo bem que não é muita coisa, mas é uma forma de incentivo", disse o presidente da Funai. Apesar da incerteza jurídica dos contratos, eles vêm crescendo na Amazônia e fogem ao controle do órgão. Segundo ele, índios cinta larga foram abordados recentemente com oferta de dinheiro vivo e caminhonetes.
A terra indígena Sete de Setembro já fechou contrato com um conjunto de entidades, como a Forest Trends, mas o acordo foi interceptado pela Funai e não poria em risco o uso sustentável da área pelos índios nem os direitos sobre a biodiversidade. Já na reserva Tenharim Marmelos, que também receberá o Bolsa Verde, o contrato foi fechado com a Celestial Green e impediria os índios de plantarem roças ou cortarem árvores sem autorização prévia da empresa irlandesa, como aconteceu com os mundurucus.
Contratos de crédito de carbono com comunidades indígenas são um assunto delicado na Funai. A fundação defende a regulamentação rápida do mecanismo de Redução por Desmatamento e Degradação Florestal (Redd). A falta de regras claras seria a origem das irregularidades com os índios.
Projeto de lei que tramitava na Câmara não previa o uso do Redd em territórios indígenas. "Há o risco da multiplicação desordenada de projetos de Redd com diferentes metodologias", aponta o relatório da deputada Rebecca Garcia (PP-AM), relatora do projeto, mandado ao arquivo no fim de 2011. O governo não fechou uma proposta. "Créditos de carbono são uma fachada, tem gente de olho nos produtos para a indústria farmacêutica e no subsolo dos territórios", diz o deputado José Geraldo (PT-PA), da Comissão da Amazônia,
O Redd é um mecanismo previsto nos debates da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre mudanças climáticas para compensar financeiramente países em desenvolvimento pela redução das emissões por desmatamento. O Brasil seria o maior beneficiário por deter grandes florestas, com imensos estoques de carbono. O desmatamento na Amazônia e no Cerrado é a fonte da maior parte das emissões de gases de efeito estufa no Brasil.
Há incertezas sobre como funcionará o modelo. Enquanto isso, contratos são negociados para atender a um mercado de créditos de carbono. Os clientes são empresas poluidoras.
publicado no Estado de S. Paulo
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