Encontrar consenso entre diferentes interesses parece ser o maior desafio na formulação da Carta da Amazônia que será apresentada na Conferência Rio+20, em Junho.
A discussão sobre o conteúdo do documento iniciou-se nesta semana e reuniu 40 representantes de diversos sectores com um objectivo comum: traçar metas e estratégias de promover o desenvolvimento sustentável sem comprometer a floresta amazônica.
“A Carta deve representar as visões de um todo e ao mesmo tempo construir uma voz única. Temos que incorporar as diferentes vozes, necessidades, princípios e, até mesmo, aqueles de pensamentos bem conflitantes e tentar achar um rumo que seja comum a todos. Além de ser aceitáveis a todos”, avançou o coordenador geral da Unidade Gestora do Centro Estadual de Mudanças Climáticas (UGMUC), João Henrique Talocchi.
A primeira reunião para discutir o documento mostrou que tanto entidades civis, governamentais e representantes industriais têm boa vontade em colaborar. No entanto, quando o tema chegou à fase de redacção do documento, as divergências também ficaram claras.
Segundo Talocchi, entre os temas mais polémicos estão a geração de energia e infraestrutura na região amazônica. “Sobre geração de energia, a discussão deve girar sobre se queremos ou não instalação de hidrelétricas. Outros temas que devem movimentar os participantes devem ser agricultura, reserva legal e o Código Florestal, que são assuntos em que se têm divisões bem grandes. Teremos ainda temas de maior consenso como ciência e tecnologia, manejo florestal, que são agendas positivas que todos aceitam, mas que deve ser encontrado um rumo a seguir. Talvez com esta Carta, consigamos encontrar um rumo a ser seguido”, explicou.
Para o sector agropecuário, a Rio+20 representa uma oportunidade de mostrar ao mundo que o Brasil possui um modelo adequado. “Quem sabe os outros países possam adoptar a manutenção de reserva legal e áreas de preservação permanente. Porque não dá mais para os países desenvolvidos virem aqui exigir a preservação, mas não praticarem isto em seus próprios territórios”, frisou o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Amazonas, Muni Lourenço Júnior.
De acordo com o representante do Fórum de Apoio a Comunidades Rurais e Ribeirinhas de Manaus (Fopec), o pescador Francisco Carlos, a elaboração da Carta da Amazônia constitui um raro momento para que as pequenas comunidades exponham suas propostas. “Este é um dos itens que queremos incluir no documento: que os povos ribeirinhos sejam ouvidos em qualquer actividade que nos atinja directa ou indirectamente. Queremos ser ouvidos e que esta Carta seja realmente participativa, sem nada imposto por outras pessoas. Actualmente, tudo é cobrado dos pequenos (agricultores). Caso eu derrube uma árvore , posso pagar multa, mas uma grande indústria pode retirar areia do parque ecológico onde resido”, declarou.
O futuro que ‘nós’ queremos’, pede o Amazonas
A primeira proposta de Carta da Amazônia, com 145 itens, foi apresentada na quarta-feira, 4, aos grupos representativos do Amazonas. A proposta está dividida em três sessões: princípios, propostas e demandas. A sessão propostas inclui os temas da regularização fundiária, gestão de áreas protegidas, economia florestal, serviços ambientais e consumo sustentável.
A discussão sobre a elaboração da Carta começou no início do ano, quando os nove Estados da Amazônia Brasileira (Amapá, Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Mato Grosso, Pará, Tocantins e Maranhão) decidiram elaborar um documento único a respeito da região.
“Durante a Conferência será elaborado o documento ‘O Futuro que queremos’. Mas quem é que quer?! Por isso optamos por ouvir os grupos majoritários da sociedade para que eles possam opinar. A ideia de construir algo junto a sociedade é que tenhamos uma visão total para que esta frase ‘o futuro que queremos’ seja o ‘futuro que ‘nós’ queremos’”, ressaltou o coordenador da Unidade Gestora do Centro Estadual de Mudanças Climáticas (UGMUC), João Henrique Talocchi.
A redacção final da Carta ocorrerá durante o Encontro de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Brasileira para a Conferência Rio+20, que será realizado entre os dias 30 de Maio e 1 de Junho em Manaus. Participarão no evento cinco representantes de todos os grupos maioritários dos Estados da Amazônia Brasileira. Ao todo 405 representantes acompanharão as discussões e terão voz para defender as suas posições.
“Não queremos que apenas estas pessoas apresentem propostas, por isto serão colhidas posições de todos os sectores até a realização do encontro em Maio”, frisou Talocchi.
Após a elaboração, no final do evento, a Carta será repassada aos governadores da região e, de acordo com o coordenador UGMMUC, a própria presidente Dilma Roussef será convidada a acompanhar a cerimónia.
ONGs preparam protesto para a conferência
Ainda não se sabe o número de chefes de Estado que participarão da Rio+20, mas para as ONGs uma coisa é certa: a orla carioca será tomada por uma grande marcha de protesto no dia 20 de junho, quando devem começar as reuniões intergovernamentais da conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável.
“Vamos convidar representantes de movimentos como o Occupy, de Nova York, dos Indignados, da Espanha, da Primavera Árabe e vários outros”, disse Fátima Mello, da ONG Fase, que participa da organização da Cúpula dos Povos, evento paralelo ao encontro das Nações Unidas.
Na agenda dos ambientalistas envolvidos nos preparativos está previsto um ‘Toxic Tour’. A ideia é levar visitantes da cúpula, que começa no dia 15 de junho, para conhecer de perto problemas ambientais causados por grandes projetos no Rio. “São lugares onde ninguém vai”, disse Carlos Henrique Painel, do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais.
“Vamos ter atividades dos afetados internacionalmente pela Vale. O Comperj (Complexo Petroquímico do Rio, da Petrobras) e a CSA (Companhia Siderúrgica do Atlântico, parceria da Vale com a alemã ThyssenKrupp) não vão escapar”.
Pedro Ivo, coordenador da Rede de Integração dos Povos (Rebrip), acrescenta que a eventual aprovação do Código Florestal até a Rio+20 transformaria o Brasil em ‘anfitrião vilão’ da conferência. Para ele, a área ambiental foi enfraquecida no primeiro ano do governo Dilma Rousseff. “Estamos na contramão das bases criadas no governo Lula. Falta ousadia e compromisso com a questão”.
Voz
Uma das convidadas será justamente a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, derrotada na última eleição. “Vamos trazer pessoas que têm voz, mas que não são escutadas”, disse Moema Miranda, do Ibase e do Grupo de Reflexão e Apoio ao Processo (Grap) do Fórum Social Mundial.
Para ela, a possível retirada de uma série de direitos da pauta da Rio+20 preocupa, daí a necessidade de se propor alternativas. “Não temos de escolher entre justiça ambiental e social. A cúpula tem um lado de denúncia e crítica, mas também o de apresentar alternativas de forma mais visível”.
Membro da direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e representante da Via Campesina na cúpula, Marcelo Durão diz que está tudo certo para a chegada de 2,5 mil pessoas ao Aterro do Flamengo, onde será realizado o evento, das quais 500 virão do exterior.
“Vamos protestar contra o que está sendo debatido na Rio+20 porque as propostas se organizam dentro do mercado, o que a gente considera uma falsa solução. Trata-se de uma grande reunião de chefes de Estado com corporações. O povo vai cobrar na rua”. Ficarão acampados na cidade cerca de 1,2 mil índios que virão da Amazônia e dos Andes, entre outros grupos.
publicado no Diário do Amazonas
Cf. Sobre a Carta da Amazônia:
- Reunião dos Governadores dos Estados da Amazônia Legal em Belém do Pará
- Fórum de Secretários de Meio Ambiente da Amazônia Legal
- Fórum dos Secretários de Meio Ambiente da Amazônia Legal começa hoje
- Governo do Amazonas trabalha em acções estratégicas para a Rio +20
- 1º Encontro de Comunicação Socioambiental do Amazonas
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