O petista Jorge Viana (AC) – relator do
Código Florestal no Senado – diz hoje, em entrevista à Folha de S. Paulo, que o Governo «bobeou» na condução da
matéria na Câmara e colheu como resultado o texto do relator, Paulo Piau
(PMDB-MG), que não hesita em considerar um retrocesso na legislação ambiental
brasileira.
«Destruíram tudo», afirma Viana. Segundo ele, o movimento ambientalista
também tem culpa no processo, ao «lavar as mãos» e pedir o veto total da
presidente Dilma Rousseff ao texto do Senado. Sem citar nominalmente a
conterrânea e ex-companheira política Marina Silva, Viana lá vai deixando escapar nas entrelinhas que: «uma parte do
movimento ambiental não desceu do palanque até hoje».
Entrevista para ler na íntegra clicando no link em baixo.
[ENTREVISTA]
De quem é a culpa pelo
fato de o Código Florestal ter chegado aonde chegou, num texto que a
ministra do Meio Ambiente chamou de anistia e que a bancada ruralista
chamou de medroso?
Eu não sei
quem é o culpado, mas mexer na legislação ambiental do Brasil é muita
responsabilidade. O Brasil até aqui é uma referência de país tropical
que está conseguindo, nos últimos 10, 12 anos e da Rio-92 para cá, mudar
de uma agenda negativa para uma agenda positiva. O governo FHC, em
2001, ampliou a área de reserva legal. O governo Lula iniciou um
processo de redução real do desmatamento para menos de um quarto do que
era há dez anos. Eu defendo uma atualização do Código Florestal, que é
de 1965. [Mas] um país que tem a maior biodiversidade do planeta não
pode fazer a atualização da sua legislação ambiental mais importante com
retrocesso.
No que o texto representa retrocesso?
A emenda
164 já tinha sido uma afronta. Ali houve um confronto de uma base
parlamentar com o governo, usando um tema que é de Estado, de interesse
nacional. No Senado essa proposta chegou como o maior problema do
governo Dilma. Veio como problema político, problema na forma e no
conteúdo. O Senado começou a construir uma solução. Foi um processo
suprapartidário. Encontrou-se uma mediação, um equilíbrio. Aí o texto
volta para a Câmara, e eu acho que começaram alguns erros. Primeiro do
governo, quando não atentou para a escolha do relator, que agora se
mostrou um desastre.
Por que o governo deixou?
No Senado
não prevaleceu a vontade do governo, a SRI não entrou no processo,
fizemos uma conexão direta com as autoridades ambientais. A ministra
Izabella, a pedido nosso, mediou o processo. Claro que aí tivemos um
certo descompasso, visto que no Senado nós resolvemos pela primeira vez
encarar o passivo ambiental, que é a obrigatoriedade de recomposição de
áreas, e ajudar o Brasil a sair dessa situação de faz-de-conta
ambiental. Porque, no fundo, a origem da mudança no código já é um
problema: ela não é meritória. O código não está sendo mudado porque o
Brasil resolveu fazer uma atualização. Tudo foi consequência do decreto
de 22 de julho de 2008. Ele resolveu parar de botar o lixo debaixo do
tapete: eu multo, mas você não paga. A legislação é rígida, mas você não
cumpre. O decreto falou o seguinte: quem quiser ter crédito vai ter que
registrar no cartório sua reserva legal e sua área de preservação
permanente. Aí a bancada ruralista mais fundamentalista simplificou tudo
e disse: a gente muda a lei e fica todo mundo legal. O Brasil não pode
simplesmente mudar a lei para que todo mundo fique na legalidade.
O erro foi só do governo?
Tem um
erro de origem de parte do movimento ambiental com o Congresso. Uma
parcela do movimento ambiental que cumpriu um papel importante na última
eleição, fazendo estar presente a temática ambiental na eleição de
2010, uma parte desse movimento não desceu do palanque até agora. Tem
alguns companheiros que eu acho do maior valor, que deram e vão seguir
dando uma contribuição importante para o Brasil, estão trocando a
política ambiental pela política convencional, de puro e simples
enfrentamento político com o governo. O movimento ambiental no Brasil
tem identidade própria, não é uma correia de transmissão de movimentos
internacionais, mas ele não pode se apequenar.
Mas eles dizem que foram alijados do processo pelo próprio governo.
Primeiro
vamos a uma constatação: o resultado da eleição de 2010 não ampliou a
participação do ambientalismo no Congresso. Isso é lamentável. É fato
que houve um alijamento absoluto dos movimentos ambientais na Câmara.
Isso não foi verdade no Senado. Muitas das mudanças que eu propus vieram
da contribuição que eu recebi do movimento ambiental. Lamentavelmente,
uma parcela não assumiu nem mesmo aquilo que eles ajudaram a fazer. E aí
é que eu falo que tem um equívoco. Eu mesmo vi uma entrevista de um
ambientalista que eu considero importante, que é o [João Paulo]
Capobianco, que se mostrou um burocrata incompetente no Ministério do
Meio Ambiente e agora se acha no direito de criticar tudo e todos
fazendo a pior das políticas, que é lavar as mãos. Inclusive fala mal
dele mesmo, porque diz que a política ambiental do Brasil é
pré-histórica. Então ele é o dinossauro.
Ele falou que o governo é pré-histórico, não que a política ambiental é pré-histórica.
A pessoa
que levantou a voz e fez coro com os ambientalistas depois que a Câmara
votou foi a presidente Dilma. A ministra Izabella tem feito um papel
importante nesse período, e uma parte do movimento ambiental, em vez de
enfrentarem os ruralistas, tentaram enfrentar e enfraquecer o Ministério
do Meio Ambiente. Isso é péssimo, porque já tem muita gente querendo
enfraquecer o Ministério do Meio Ambiente. ªVeta tudoº, para mim, é
lavar as mãos. Depois que o projeto saiu do Senado e foi para a Câmara o
governo ficou atordoado, errou em não ter cuidado da relatoria…
Dá para caracterizar melhor esse erro? Foi falta de articulação política?
Acho que
houve uma bobeada do governo, mostra que tem que fazer uma concertação
na articulação política, porque não é possível: era um grave problema,
uma derrota da presidente Dilma quando veio pro Senado, e na hora de
voltar para a Câmara para dar um prosseguimento regimental isso ficou
solto, os ruralistas fundamentalistas se apropriaram dessa matéria e
isso virou um problema maior que o texto original da Câmara. Destruir
toda a legislação de proteção às águas no Brasil… metade dos rios
brasileiros tem menos de 5 metros de largura. O texto da Câmara
simplesmente tira toda a proteção das águas no Brasil. Isso é criminoso.
Talvez agora essa posição do relator nos aproxime a todos que tenham
sensatez e bom senso. O relatório do deputado Piau é tão ruim, o
retrocesso é tão grande, que quem sabe surja um movimento na Câmara dos
Deputados, some o governo, a sociedade e as lideranças importantes do
movimento ambiental tomem um protagonismo de retomar o texto do Senado,
que era o do entendimento.
Por que a Câmara agora está dizendo que não houve acordo nenhum?
Acho que
eles se aproveitaram de que o movimento ambientalista lavou as mãos e
pediu o veto total e dos erros do governo na condução do processo. Os
setores rurais mais radicais tomaram conta. Por enquanto eles foram
eficientes em fazer um relatório ruim, atrasado e que é uma afronta ao
Brasil. Mas eu acho que o jogo não está perdido. Ela é muito ruim para o
meio ambiente, mas é muito ruim para os produtores. Se ela for votada
nesses termos, no outro dia vai para os tribunais.
Por que o governo não interveio durante a construção do texto do deputado Paulo Piau?
Quando o
texto voltou para a Câmara alijaram a ministra do Meio Ambiente, o
governo ficou o tempo todo vacilando e o que era uma solução virou um
problema. O ministro da Agricultura era quem teria força de frear essa
insensatez dos radicais ruralistas. Lamentavelmente o ministro se
mostrou fraco para conter essa insanidade.
Se o sr. pudesse dar um conselho à presidente Dilma, o que recomendaria?
Quem sou
eu para dar conselhos à presidente! Sei que a bancada ruralista está
dividida. O açodamento dos radicais foi tão grande que mesmo alguns
defensores do ruralismo acham que tem que ter mediação. O governo
precisa agir agora, não sei se construindo um voto em separado,
regimentalmente ainda tem o que ser feito. No limite o governo tem
instrumentos para não aceitar uma proposta que venha expor o Brasil ao
ridículo às vésperas da Rio +20.
Que instrumentos são esses? Mesmo que a presidente vete o artigo 62…
Não é só o
62. Eles destruíram tudo. É uma anistia geral e irrestrita, é muito
pior que a emenda 164. Tirou desde os princípios às salvaguardas e
destruiu o Cadastro Ambiental Rural. Não tem solução. A presidente pode,
obviamente, fazer uma legislação, mesmo por MP, que signifique o
equilíbrio. Mas é muito importante que a gente tenha uma legislação
votada pela Câmara.
Tem condição de votar no dia 24?
A mexida foi tão grande que não me surpreenderia se o calendário mudasse.
publicado na Folha de S. Paulo
0 comentários:
Postar um comentário