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Mineração ilegal associada à corrupção: duas chagas a destruirem a Amazônia peruana

Posted: 8 de abr. de 2012 | Publicada por por AMC | Etiquetas:

Rio Tambopata, na região de Madre de Dios, no Peru. foto de Michael Langford
Um imenso e largo rastro de barro poluído e estéril marca a passagem da corrupção e da mineração ilegal pela região da Madre de Dios, no sudeste peruano, uma região que anteriormente a floresta amazônica cobria sem mácula.
Ao longo de dezenas de quilómetros, entre a Rodovia Interoceânica, que une Brasil e Peru, e o rio Manuani, um afluente do Malinowski que marca o limite da Reserva Nacional Tambopata, a paisagem assemelha-se a um cenário que sofreu um intenso bombardeio de napalm.
O rasto tem cerca de cinco quilómetros de largura e nele não há vida: desapareceu totalmente a fina camada de solo fértil que alimenta a Amazônia, ecossistema com a maior biodiversidade da Terra e  Maravilha da Natureza declarada pela Unesco em 2010.
Ali não ficaram tampouco as dragas, bombas de sucção, tractores, pás mecânicas, garrafas de mercúrio e de cianureto; nem sequer restaram as tendas de plástico que alojavam leitos, bares e prostíbulos, uma vez que os mineiros ilegais já transferiram o acampamento para outro lugar.
Camponeses ribeirinhos, que tentam conter o avanço da mineração ilegal nas suas terras e na reserva, mostraram à reportagem o local onde, há semanas, estava instalado o acampamento mineiro, numa zona chamada La Pampa, advertindo sobre o perigo de visitar o lugar onde agora se instalaram. Segundo eles, os estranhos que se atrevem a ir até lá correm sério risco de não voltar.

De acordo com os seus relatos, os ânimos andam especialmente exaltados entre os mineiros ilegais porque três deles foram mortos num confronto com a polícia, em Madre de Dios. O caso aconteceu na última semana, numa manifestação contra as novas leis, que visam colocar alguma ordem na mineração fluvial na região.
Durante os protestos, segundo contam várias testemunhas, os dirigentes mineiros iam listando e controlando os manifestantes que compareciam, recompensando-os com 70 sóis (aproximadamente R$ 50), gratificação que subia para 100 sóis (R$ 70) conforme ia aumentando o número de policiais arregimentados para garantir a segurança no local.
Segundo os testemunhos, a cada dois ou três meses, os mineiros ilegais não só mudavam o acampamento e a maquinaria pesada de lugar, como também levavam mulheres e meninas menores de idade, obrigando-as a prostituírem-se em pequenas tendas. No que foi um desses bordéis de quatro metros quadrados, ainda se pode ler o nome 'comercial' do local: "La Chapita".
Os habitantes da região, agricultores, extractivistas - muitos deles igualmente mineiros, mas artesanais e de reduzido impacto ambiental, embora também utilizem mercúrio -, denunciaram os grupos de mineração ilegais que invadiram a área há cinco anos, ou seja, na mesma época da abertura da estrada.
De nada serviu, lamentam-se. Pouco depois tiveram que enviar as mulheres e filhas para Puerto Maldonado, capital de Madre de Dios, para as colocar a salvo dos mineiros ilegais, geralmente bem armados e habituados a consumir demasiado álcool nos acampamentos.
Embora o Governo tenha dito recentemente que lutará contra a mineração ilegal, para os habitantes – que falaram com a reportagem sob a condição de anonimato – é impossível conter a corrupção na região. Segundo eles, tudo começa com a concessão de permissões florestais a um grupo madeireiro na "zona de amortiguamento" da reserva de Tambopata. Depois de cortarem as árvores esses madeireiros alugam a área aos mineiros, embora, perante uma eventual e improvável acusação, afirmem que o seu território foi invadido por garimpeiros de ouro. Por outro lado, existem ainda os interesses ligados ao aluguer - em ouro - da maquinaria e de bombas de sucção aos mineiros, por parte de empresários, negociantes e inclusive de autoridades, que trazem o equipamento de regiões do Peru onde não são sujeitas a controlo. "Na estrada a polícia pede as permissões às camionetes que levam famílias, mas os camiões com a maquinaria pesada circulam sem problemas", lamenta um dos moradores.
Uma vez apetrechados do equipamento para processar as muitas toneladas de areia que são necessárias para obter umas poucas gramas de ouro, só faltam novas armas e mais mulheres e meninas "importadas" de regiões mais povoadas para que o acampamento fique de novo instalado.
Com a cumplicidade de madeireiros e auditores, o rasto de barro e desolação rapidamente começa  a brotar das instalações e a avançar por mais de dois quilómetros, em redor. A cada vez, a floresta recebe um novo ferimento bem visível do alto, quando se sobrevoa a região. Novas descargas de mercúrio e cianureto se diluem nas águas, contaminando o rio Manuani, a bacia da reserva e a do Rio Amazonas.
La Pampa, porém, é apenas um exemplo entre as centenas de lugares onde a mineração ilegal vai arrasando os rios de Madre de Dios. De acordo com números oficiais, há pelo menos 50 mil mineiros na região, extraindo 18 toneladas de ouro por mês, uma actividade que representa um dos principais factores de destruição da Amazônia peruana.  

publicado na Agência EFE
(com Raúl Alonso, em Tambopata, na região de Madre de Dios, Peru)

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