Leio no Correio da Manhã:
Mário Soares foi ontem apanhado pelo radar do Destacamento de Trânsito de Leiria da GNR a circular a 199 km/hora na A8. O ex-presidente da República era conduzido pelo motorista, numa viatura oficial. Perante a opção de pagar logo a multa, de 300 euros, ou o condutor ficar com a carta apreendida, Soares afirmou: "O Estado é que vai pagar a multa." E os militares da GNR apreenderam a carta ao motorista. O Mercedes-Benz S350 4Matic em que Mário Soares viajava foi fotografado às 15h05, ao quilómetro 121,400, na zona de Leiria.
O veículo, em nome da Direção-Geral do Tesouro e das Finanças, seguia no sentido sul-norte e foi mandado parar na área de serviço seguinte. Quando os guardas se aproximaram, o ex-presidente terá sido "bastante mal-educado", e no final "disse que o Estado é que ia pagar a multa, pelo que a carta do condutor ficou apreendida", contou fonte da GNR. O CM tentou obter uma reacção de Mário Soares, mas tal não foi possível.
Parece que Mário Soares ia a caminho de um debate na Universidade Católica do Porto. A pressa que levava vai sair cara, mas ao bolso dos contribuintes, que seguramente não têm nada com o assunto. Ou por outra, se calhar até têm. Se calhar gostariam de começar por saber porque raio tem um carro (de alta cilindrada) pertencente à Direcção-Geral do Tesouro e das Finanças que levar o ex-presidente ao tal debate. Se calhar gostariam de saber porque raio, em tempos de tão inclemente austeridade, não se cortam também as mordomias que continuam asseguradas a alguns.
'Má educação' à parte, tão ou mais escandaloso do que ter empurrado a multa para o Estado é Mário Soares, que felizmente ainda tem posses suficientes para pagar uma viagem ao Porto, não ter tido a ombridade de recusar o carro da Direcção-Geral do Tesouro e das Finanças para o frete.
Pode parecer mesquinho, mas no momento que os portugueses vivem, detalhes como este têm toda a importância. Além de uma questão de moralidade pública, representam equidade e justiça na lógica de poupança instituída ao país.
Vivemos tempos em que é o próprio Governo a defender que 15 euros neste abono de família, 8 euros naquela comparticipação médica, 20 euros naquela pensão de reforma, mais 35 desta taxa moderadora de saúde, 42 desta bolsa de estudo, 80 ou 60 neste e no outro subsídio de desemprego representam muito e que 'grão a grão enche a galinha o papo', que é como quem diz – para usar a sua linguagem – 'todos temos que nos sacrificar' para reduzir a despesa pública. Não interessa se esses pózinhos fazem toda a diferença aos próprios, se sem eles alguém deixa de tomar um remédio ou ir ao médico, de comprar uns sapatos ao filho ou almoçar mais meia dúzia de dias. O Estado não tem dinheiro, o Estado não pode, o Estado precisa mais do que as pessoas. Portanto, paciência! Arranjem-se. Afinal de contas são só uns pózinhos, portanto não se queixem: não sejam «piegas».
O problema é que para serem «exigentes», os portugueses não podem deixar de se queixar. Porque esta filosofia do 'grão a grão enche a galinha o papo' teima em ser relativa e, na prática, a política dos 'pózinhos' não se aplica a tudo e muito menos a 'todos'.
Da mesma maneira que com os combustíveis a dispararem, o Governo não hesitou em aumentar o preço dos transportes e acabar com os passes sociais, também não se devia acanhar em cortar com o serviço de motoristas fornecido gratuitamente às personalidades públicas pela frota do Estado. Se, contra todas as adversidades, os pobres e mal remediados arranjam maneira de continuarem a ir trabalhar todos os dias, certamente que os ilustres também haveriam de encontrar alternativas para chegarem aos seus destinos.
É que cortesias como esta, colocada ao dispor de Mário Soares – e que agora veio a público porque a GNR resolveu cumprir a lei e passar a multa que devia –, têm custos: a manutenção do carro antes e depois da viagem, a gasolina (e que consumo, com aquela cilindrada a tamanha velocidade!), as portagens, o tempo/ordenado do motorista, provavelmente as suas despesas de deslocação... Contas feitas, é dinheiro e não será pouco. Neste caso, acrescido de multa: pelo menos 300 euros, como ficámos a saber. Que «o Estado é que vai pagar», como o próprio Soares tratou logo de avisar.
O caso deixa-nos a perguntar quantos mais, de igual calibre, se repetirão diariamente sem que saibamos de nada. Todos somados, pesam. Pesam nas contas públicas: as tais cuja necessidade de controlo se evoca a cada passo para cortar sem dó nem piedade no bolso das pessoas, as tais que todos os dias se prometem emagrecer, mas que não há meio de limpar deste tipo de de 'gorduras' e despesismos. Estes sim, prescindíveis: absolutamente prescindíveis. Sem que mossa maior se cause a Portugal. Bem pelo contrário: para que mossa maior não se cause aos portugueses.
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