por Marina Silva *
Dia do Índio, com a péssima notícia do avanço da PEC 215, pela qual
os parlamentares pretendem controlar toda a demarcação de suas terras.
Dia da Terra, com notícias não menos tristes: véspera da votação do
Código Florestal na Câmara dos Deputados, de um projeto que pretende
acabar coma proteção ambiental. A Rio+20 sendo esvaziada de seu conteúdo
ambiental, num momento em que o governo brasileiro cede ao retrocesso
ruralista-desenvolvimentista. Revoltam-se quilombolas e sem-terras, uns
desprezados, outros ameaçados. Protestam os cientistas, solenemente
ignorados.
Surgem novos movimentos, ressurgem antigos: Fórum de ex-ministros do
Meio Ambiente, Comitê Brasil em Defesa das Florestas, Movimento SOS
Florestas, Movimento Gota D’água, manifesto das entidades
socioambientais, SBPC, ABC e Fórum de Mudanças Climáticas. Todos em
alerta, todos preocupados com a insensibilidade que domina a política.
Tornou-se lugar comum dizer que a causa da paralisia dos EUA nas
negociações sobre o clima e o meio ambiente, assim como boa parte de
suas dificuldades na política externa, é a sua acirrada disputa
eleitoral interna e as pressões conservadoras sobre o governo do
presidente Obama. Mas, o que dizer do Brasil? Tudo o que construímos nos
últimos 20 anos, que nos colocava na vanguarda da humanidade em busca
de novos caminhos para o novo século, está sendo entregue como pagamento
de uma fatura política ao setor mais atrasado do ruralismo, que trata a
terra brasileira como se ainda fosse dividida em capitanias
hereditárias.
“Por mais distante o errante navegante, quem jamais te esqueceria?”,
pergunta Caetano Veloso, em sua linda canção “Terra”. A estrela azulada
no espaço e a província que o poeta canta com saudade, o rio que
alimenta seus povos com peixes e mitos, os vastos sertões da alma
brasileira, a alegria da diversidade étnica e cultural, as lembranças
dos velhos e os sonhos dos jovens, todas as terras da Terra com todos os
seus significados, tudo isso agora é reduzido pelo economicismo mais
vulgar a um amontoado de números. Perde-se a Terra e, dela, a memória.
Mas há sempre a esperança de que possa ressurgir, pelas mãos e
consciência de quem mais sofre com sua perda. A Cúpula dos Povos e o
encontro paralelo da sociedade civil, o movimento socioambiental, as
milhares de comunidades e inúmeras articulações de jovens que estarão na
Rio+20, são bons exemplos que podem dar novo significado à Terra e à
vida que nela temos.
Podem também criar o constrangimento ético sobre os governos, capaz
de fazê-los assumir compromissos e responder à pergunta: o que foi
feito, nesses 20 anos, para evitar o desastre que todos veem
aproximar-se?
Com tantos esforços feitos pelo governo e seus apoiadores, para tirar
o tema ambiental da Rio+20, tudo indica que a resposta a essa
interpelação ética da humanidade dificilmente será dada.
E em mais esse dia de celebração e de lamentação pela terra
que diariamente nos apela por cuidado e atenção, resta-nos atendê-la:
Terra longe, terra à vista
Frágil bolhinha no ar
Que nosso fazer errante
Não nos torne tão distantes
Desse teu febril pulsar
* ex-ministra do Meio Ambiente e ex-candidata à Presidência da República do Brasil
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