Espumas . Notas . Pasquim . Focus . Sons . Web TV . FB

Entrevista com Eric Toussaint: FSM e o desafio de uma alternativa global.

Posted: 24 de jan. de 2011 | Publicada por AMC | Etiquetas: ,

O Fórum Social Mundial (FSM) é quase o único marco de convergência dos movimentos sociais num âmbito planetário e por isso é fundamental continuar fortalecendo-o. Esta é a hipótese essencial de Eric Toussaint, historiador e politicólogo belga que preside o Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM). Analista do altermundialismo, conhecedor interno do Fórum Social Mundial, Toussaint participa desde sua criação no Conselho Internacional, órgão que facilitou a criação do fórum. O CADTM, com presença ativa em numerosos países, particularmente em vários países africanos, é um dos atores que participam e dinamizam a preparação da próxima edição de Dacar 2011.

Qual é a sua caracterização sobre o presente do Fórum Social Mundial?
Eric Toussaint - Penso que é necessário reforçar o processo do FSM já que é quase o único marco planetário no qual convergem os movimentos sociais, ONGs, organizações políticas de esquerda e até governos progressistas. Não existe outro lugar orgânico para esta convergência. Não podemos esvaziar o FSM apesar das críticas que possamos ter a ele. Tampouco seria correto se pensar em criar algo alternativo. Porque estaríamos impulsionando uma proposta concorrente e muito limitada. Hoje o FSM é o que temos. E isso não implica não inexistência de elementos preocupantes na evolução do FSM.

Preocupantes em que sentido?
Existem vários aspectos. A decisão de uma maioria de dirigentes ou animadores do FSM de não querer avançar para além de um Fórum significa não querer modificar a Carta de Princípios a fim de permitir ao Fórum discutir planos de ação, plataformas, estratégias de ação. E também significa situar-se no restrito marco da Carta de Princípios, que não nos permite, enquanto Fórum, ter declarações finais e planos de ação. Um segundo aspecto: o sucesso do FSM faz com que existam poderes públicos e fundações privadas que estão bastante decididos a apoiá-lo significativamente. Surge então a tendência de organizar eventos muito custosos, com pressupostos muito elevados e isso me preocupa. Com o agravante de dois riscos bem presentes. Criar uma “indústria do FSM”, já que existem ONGs muito poderosas que estruturam grandes projetos em torno do FSM. Vivem disto. E o outro risco, aquele do nascimento de um tipo de “burocracia altermundialista”. É uma casta de dirigentes que a partir de suas funções obtém certo poder e privilégios e se perpetuam desde muito tempo.

Quais seriam os meios ou “antídotos” políticos que permitiriam desbloquear estas tendências e sinais preocupantes?
Felizmente há elementos positivos. O Conselho Internacional propõe tomar medidas para que não se repitam em Dacar os mesmo erros que foram cometidos em 2007 em Nairóbi, no Quênia, que foi talvez a edição mais fracassada do FSM. Tenho certo nível de confiança que em Dacar não se reproduzam estes erros, como o de outorgar o monopólio das comunicações no espaço do FSM a uma transnacional do setor, ou de impor muito elevados os preços das entradas, quase impossíveis de serem pagos pelos participantes locais. Penso que o fundamental para o sucesso de Dacar é fortalecer a presença dos movimentos sociais africanos e do resto do mundo. Nesse sentido sopra um vento positivo. Na primeira semana de novembro passado organizamos na mesma cidade, a capital do Senegal, um encontro preparatório de movimentos sociais, a partir de um indicativo que recebemos da Assembléia dos Movimentos Populares. Este encontro se deu justamente antes de uma nova reunião do Conselho Internacional que se encontrou para acertar os últimos detalhes do evento de fevereiro próximo.

Qual é o balanço feito deste seminário preparatório?
Bem-sucedido no que tange à participação. Estiveram presentes muitos movimentos sociais do Senegal. Mais de 60, incluindo os grandes sindicatos rurais e urbanos que são muitos. E representantes de movimentos dos pescadores, cultivadores, dos bairros, de mulheres. Todos estavam presentes e isto demonstra uma boa dinâmica e se converte realmente em um sinal de esperança. Existe entusiasmo no que diz respeito ao apoio que o FSM pode conseguir dos bairros populares da capital senegalesa e de zonas de aldeias e sobre a recepção da mensagem do FSM. Serão feitas atividades nos bairros durante os dias prévios e durante o próprio Fórum. Nós enquanto CADTM preparamos um espetáculo político-cultural de hip-hop, com grupos musicais reconhecidos, mas que se opõem a serem objetos de mercantilização. Cantaram temas fortes, com um enfoque forte sobre a dívida, a soberania alimentícia, os acordos desfavoráveis entre Senegal e Europa etc.
Regionalmente se sente como um feito importante o apoio decidido de setores da juventude. Chegará a Dacar uma caravana de ônibus que atravessará centenas de kilômetros, vinda da Nigéria – de onde saem por volta da terceira semana de janeiro – e que passará por Benin e Togo para logo ir à Burkina Faso. E ali se encontrará com outras delegações provenientes de Conakry, capital da Guiné. A caravana, finalmente, chegará ao Senegal pela região de Kaolack.
Esperamos várias centenas de participantes nesta iniciativa, mulheres e homens, jovens especialmente. Proposta esta que impulsionamos junto com o Fórum Social Africano e redes tais como No Vox e ATTAC. O CADTM cumpre um papel de estimulador, mas não quer se apropriar de nada nem hegemonizar e muito menos monopolizar. Buscamos uma real convergência.
Organizaremos também um seminário sobre as lutas feministas, nos dias 2, 3 e 4 de fevereiro, no Senegal, porém com a participação de representantes de todos os continentes. Este tipo de iniciativas, inclusive se o próprio FSM de Dacar tivesse resultados limitados, já confirmaria o valor da convocatória. O essencial é fortalecer as dinâmicas sociais...

Existe alguma tentativa de lançar uma dinâmica participativa na sub-região?
Efetivamente. A Nigéria está a uns 2.500 km de Dacar. Passar por estes diferentes países nos dá a possibilidade de tomar e fazer com que se tome conhecimento do processo do Fórum. Em cada parada importante serão feitos eventos para explicar o que será o FSM de Dacar. A partir de tudo isto eu diria que vivo um entusiasmo prudente.

Seria uma dinâmica diferente da que você considerava como a edição fracassada de Nairóbi?
É a esperança. Ainda que devamos ser cautelosos sobre os resultados de Dacar já que um mês antes do FSM a população local não está nem informada sobre o evento, que é muito diferente do que aconteceu em Belém em 2009 ou em Porto Alegre em 2005 e nas edições anteriores. Porém, objetivamente se dão condições para uma participação ampla do povo senegalês e dos movimentos sociais do país e da região. Veremos se este espaço aberto, este convite amplo e facilitado para as pessoas do lugar, vai provocar uma boa participação popular.
Minha dúvida é, segundo as avaliações de colegas sindicalistas, que os movimentos sociais do Senegal atravessam hoje um de seus piores momentos dos últimos 20 anos no que diz respeito à capacidade de mobilização. Não é a melhor conjuntura, mas isto não depende só de certos movimentos senão de condições políticas globais.
Sem esquecermos outro elemento muito importante: o primeiro dia – e em dias anteriores – do FSM colocará uma tônica particular sobre os 50 anos da independência da África. Com atividades na ilha de Gorée, próxima a Dacar, de onde partiram mais de um milhão de escravos nos séculos XVI, XVII e XVIII. Uma denúncia forte para o escravismo de ontem e para o sistema de hoje. Num nível simbólico e da memória coletiva vai ser um momento importante, trazendo uma ponte entre passado e futuro... Os desafios de confrontar as crises mundiais nas distintas vertentes e momentos históricos.


Se, muitas vezes, fala-se de crises mundiais, de propostas hegemônicas dominantes, novamente o FSM de Dacar deverá observar também o que acontecerá em Davos, Suíça, durante o Fórum Econômico Mundial, que se realizará entre 26 e 30 de janeiro....

De fato. Vivemos uma crise do sistema onde tudo está interconectado. A crise é financeira, econômica, climática, alimentícia, migratória. Uma crise que toca a gestão mundial, porque não há nenhuma instituição mundial que goze de real credibilidade. O G20 não é mais legítimo que o G8. E a ONU de forma nenhuma cumpre o papel previsto pela sua Carta. É verdade que esta crise é produto do avanço da desregulamentação, e, no entanto, está também ligada ao mesmo sistema. A mensagem do FSM deverá ser ainda mais clara do que quando nasceu há 10 anos. Salientar a necessidade de uma resistência global e também das alternativas pra propor um sistema alternativo ao sistema capitalista patriarcal globalizado.
Os que se reúnem em Davos seguem momentaneamente com a capacidade de lançar ofensivas contra os “de baixo”. Estes estão pouco a pouco superando a sua fragmentação – ainda que com dificuldades – para progredir em direção a oferecer uma alternativa global que é mais do que necessária. E penso que a solução não passa por reformar o atual sistema senão contra ele mesmo.

por Sergio Ferrari

Alainet, via Revista Fórum (em 20/1/2011)
colaboração da imprensa E-CHANGER, ONG suíça de cooperação solidaria.
tradução de Cainã Vidor

0 comentários:

Postar um comentário