por Marina Silva *
José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, casal extrativista de Nova Ipixuna que denunciava a ação de madeireiros no assentamento agroextrativista Praialta Piranheira, no sudeste do Pará. Eremilton Pereira dos Santos, agricultor familiar morador do mesmo assentamento. Adelino Ramos, líder do Movimento Camponês Corumbiara, também denunciava a extração ilegal de madeira no norte de Rondônia e em Lábrea, no sul do Amazonas.
Vidas ceifadas porque desafiavam o poder brutal da grilagem de terras e da rapinagem de madeira. O sudeste do Pará é uma das regiões de maior pressão sobre a floresta na região norte por conta do polo siderúrgico de Marabá e da expansão da pecuária extensiva. Pouca mata ainda resta, mas o suficiente para a eliminação dos poucos que se colocam em confronto com os interesses do lucro imediato. Em Lábrea é diferente. Nova fronteira de expansão agrícola, há muita madeira. Mas não o suficiente para o tamanho da cobiça dos que pouco se importam com a vida das pessoas que não abrem mão da dignidade.
Em comum, a sensação de vulnerabilidade e impunidade. Os assassinos de Chico Mendes e Dorothy Stang foram identificados e presos, mas centenas de outros assassinatos continuam sem solução. Segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), 1.855 pessoas foram ameaçadas de morte entre de 2000 a 2011. De 1985 a 2010, foram assassinadas 1580 pessoas, em 1186 ocorrências. Destas somente 91 foram a julgamento com a condenação de apenas 21 mandantes e 73 executores. Dos mandantes condenados somente Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, um dos responsáveis pelo assassinato de Irmã Dorothy Stang, continua preso. (nota pública aqui: http://goo.gl/MpFo0)
Não há como assegurar a vida dessas pessoas enquanto o modelo de desenvolvimento que gera a destruição do patrimônio público para a acumulação privada, a degradação ambiental e a pobreza continuar vigoroso. Ele é capaz de promover a transferência de 67 milhões de hectares de terras públicas na Amazônia para particulares, como fez a MP da grilagem, sem os devidos critérios que garantam justiça social. Além disso, as mudanças das regras com a finalidade de anistiar desmatadores e promover o desmatamento e a exploração predatória da floresta, como vemos hoje na discussão do Código Florestal, só agrava a situação.
O governo federal já conta com importantes políticas públicas, elaboradas com ampla participação social, que podem contribuir para mudar a trajetória de desenvolvimento da Amazônia e reduzir significativamente os conflitos sociais. Mas essas políticas precisam ser priorizadas e implementadas com determinação e senso de urgência, como por exemplo: o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia lançado em 2004, a Lei 11.284 de março de 2006, que trata da gestão das florestas públicas para a produção sustentável, o Plano de Desenvolvimento Sustentável para a área de influência da BR-163, de junho de 2006, a Política para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, criada pelo Decreto 6.040/ 2007 e o Plano Amazônia Sustentável de maio de 2008, que propõe, dentre outras questões, o ordenamento territorial e fundiário e o desenvolvimento científico e educacional da região.
Se as políticas já existentes continuarem esquecidas ou implementadas de forma tímida, os que buscam alternativas econômicas no manejo sustentável dos recursos naturais continuarão relegados ao desamparo e sem contar com a presença do Estado, sobretudo nas regiões de conflito. É possível enfrentar esse clima de impunidade, mas para isso vamos ter que traduzir na prática o compromisso ético com a defesa da vida e da justiça.
* ex-senadora do Acre pelo PV, foi candidata do partido à Presidência da República nas eleições de 2010 e ministra do Meio Ambiente do Governo Lula (2003-2008).
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