Nada como um artiguinho animador como este, que hoje está no jornal i, numa manhã de 2ª feira!... Para começar bem a semana.
Segundo o Eurostat, as receitas fiscais do Estado aumentaram com os impostos sobre o trabalho e diminuíram nos impostos sobre empresas.
Prepare-se: Portugal vai bater recordes no aumento de impostos na União Europeia a 27, com a maior penalização a incidir sobre o rendimento disponível dos contribuintes e os maiores alívios fiscais a beneficiarem as empresas.
A redução da taxa social única, prevista no Memorando de entendimento com a troika (com a contrapartida do aumento do IVA) vai agravar a tendência de subida dos impostos indirectos, que pesam mais nos bolsos das pessoas. Acresce ainda o "imposto extraordinário" anunciado pelo governo a semana passada, que será equivalente a 50% do subsídio de Natal acima do salário mínimo.
Impostos indirectos
Na última década, Portugal aumentou o IVA 5 pontos e garantiu, ao lado da Roménia, a pole position entre os países que mais subiram esta taxa.
O peso dos impostos indirectos nas receitas fiscais do Estado foi de 41,7% em 2009, a sexta mais alta da UE segundo o relatório sobre as tendências fiscais dos 27 divulgado na sexta-feira. A média europeia é de apenas 37,7%.
Os impostos indirectos renderam ao Estado cerca de 21,7 mil milhões de euros e representaram a sua principal fonte de receitas em 2009. Dentro desta parcela, os impostos sobre o consumo cobrados em Portugal totalizaram 35,2% das receitas, 1,8 pontos acima da média europeia. A tendência será de agravamento, porque as políticas acordadas com a troika vão no sentido de apertar o consumo para travar o endividamento das famílias.
Impostos directos
Os impostos directos (que incidem directamente no rendimento, como o IRS e o IRC) valeram ao Estado 15,2 mil milhões de euros em 2009. O relatório demonstra que as receitas dos impostos directos sobre o trabalho (IRS) aumentaram nos últimos dez anos, ao contrário das receitas obtidas com os impostos sobre as empresas (IRC).
Apesar da crise financeira e económica, os impostos sobre o trabalho aumentaram de 5,5% do PIB em 2007 para 5,7% em 2009. A tendência inverte-se nos impostos directos sobre as empresas, que diminuíram de 3,6% do PIB para 2,9% entre 2007 e 2009.
As contribuições para a Segurança Social somaram 15,1 mil milhões de euros e aumentaram 0,4% do PIB entre 2007 e 2009, tendo as empresas suportado o maior fardo desta subida. O fardo fiscal lançado sobre a economia nesse ano valia 31% do PIB - abaixo da média europeia de 35,8% -, em parte porque a economia contraiu 2,5%.
Trabalho a subir, empresas a descer Portugal foi o campeão dos 27, na última década, em matéria de aumentos de impostos sobre o escalão mais alto de rendimentos do trabalho (IRS). Os contribuintes que auferem mais de 150 mil euros anuais pagam 46,5% de IRS. No ano 2000, o tecto era de 40%, uma subida de 6,5%: é a segunda mais alta da UE. Em contrapartida, o tecto dos impostos sobre as empresas (IRC) desceu 6,2 pontos percentuais entre 2000 e 2011, de 35,2% para 29%.
(...)
Animador, não?! Se já se pertence à imensa fileira de desempregados, ajuda a aliviar o pesar e a frustração de não ter trabalho. Se ainda se é empregado, ajuda a relativizar o medo de poder perder o emprego a qualquer momento. Porque esta é a realidade actual de quem vive em Portugal. São dados, factos e evidências que não há como servir de forma doce, dourando a pílula. A maioria, pelos vistos, defende que é assim porque tem que ser e aposta em medidas que, como se vê, só vão agravar mais este cenário. A avaliar pelos resultados das eleições de 5 de Junho, uma maioria 'confortável' acha bem e concorda que assim seja. Por isso votou como votou e deu o seu aval para que assim continue a ser e piorar.
O que me inquieta e faz disparar todos os alarmes é o pouco valor de que, cada vez mais e com tudo isto, o trabalho se reveste em Portugal.
Assim de repente, vêm-me à cabeça, quase ipsis verbis as frases proferidas - e obsessivamente repetidas - pelo presidente Cavaco e pelo agora Primeiro-ministro Coelho, nas mais variadas circunstâncias: debates, campanhas, discursos oficiais - ao país, para fora do país - entrevistas de jornal, comentários de ocasião para os telejornais, etc. Aquelas - todas aquelas - onde infatigavelmente nos dizem que temos que «trabalhar mais», «esforçar-nos mais», que há que «fazer sacrifícios», dar o litro e o meio-litro, hoje e sempre, agora mais do que nunca, como se nunca tivéssemos movido uma palha, como se até aqui Portugal fosse um paraíso de ociosos, como se neste país 'à beira-mar plantado' nunca ninguém tivesse trabalhado e vivessemos todos sentados à sombra da bananeira.
Já não é o insulto, já não é sequer a revolta. Por ser mentira. Por não corresponder, nem por mediana aproximação, à realidade de vida das pessoas que que conheço e não conheço, do Portugal à minha volta. É tudo isso e mais esta novidade somada: a de temer que trabalhar passe a ter, para cada vez mais portugueses, um valor de importância menor, menorizado e menorizante. Olha-se para tudo isto e a pergunta que quase se precipita à razão de cada um é esta e acima de tudo esta: trabalhar para quê? trabalhar porquê? de que vale trabalhar? de que adianta trabalhar? para que serve trabalhar? leva aonde? chega-se onde? traz o quê? traduz-se em quê?
Aquilo que se está a fazer em Portugal é a despojar o trabalho de qualquer mérito ou virtude de grandeza. Basta ouvir o presidente Cavaco e o agora Primeiro-ministro Coelho. É sintomático que a palavra que mais anexam ao trabalho seja «sacrifício». Não é preciso mais do que simplesmente se ser humano para saber que nenhum 'sacrifício' é natural ou espontâneo e muito menos desejado. Nenhum 'sacrificio' é uma vontade genuína e, como tal, nunca será um impulso inato e convicto, firme, forte e capaz o suficiente.
Aquilo que, em Portugal, se está a fazer ao trabalho é um retrocesso. É retirar-lhe nobreza. É tornar a equipará-lo à escravidão, no sentido literal e figurado do termo: alguma coisa que não só não tem proveito próprio, como não aproveita ao próprio. Nos tempos que correm, em Portugal, trabalhar é mais ou menos como voltar à condição de servo da gleba: de sol a sol, para no fim, colhido o respectivo dízimo pelos senhores do feudo, ficar com menos que o estritamente necessário para matar a fome e sobreviver.
Como é que alguém se espanta com a fuga de cérebros? Como é que alguém ainda se espanta com o caudal brutal de portugueses que fogem do pais para trabalhar lá fora? Como é que alguém se espanta que entre os que ficam se trabalhe a cada dia com menos vontade, com menos entusiasmo, com menos empenho e convicção? Como é que alguém se espanta, quando todos os sinais dados e todas as políticas adoptadas vão no sentido de demonstrar que não é pelo trabalho que vamos, que pelo trabalho conseguimos cada vez menos, que pelo trabalho ficamos mais perto de nada ou coisa nenhuma?
A avaliar pelo que o presidente Cavaco e o agora Primeiro-ministro Colho dizem quando abrem a boca, era de esperar que a importância que, pelos vistos, atribuem ao trabalho dos portugueses encontrasse correspondência na valorização que fizessem do trabalho. Mas não! Espantosamente, sucede o inverso.
Querem que se trabalhe «mais» do que sempre e «melhor» do que nunca. No entanto, por sua parte, tratam de ir refinando possíveis e os impossíveis que convertam o trabalho num martírio estéril. E a coisa vai ficando tão aprimorada que, não há-de tardar muito, nem loucos nem masoquistas se queiram prestar a tal actividade!...
Ia dizer que quando se quer que um cavalo corra, estimula-se o animal a correr e não a estacar o galope. Mas se a imagem parecer demasiado ferina, posso trocá-la por outra mais inocente. Quando se quer que uma criança coma a sopa, não se lhe deita dentro pimenta nem vinagre. Acrescentam-se-lhe legumes frescos e, ao invés de a assustar com a chantagem de algum bicho papão, mostram-se-lhe para que lhe servirá a sopa e como os legumes lhe serão úteis. Idem para quando se quer que alguém aprenda: incentiva-se. Seguramente não se opta exactamente pelo que possa desmotivar o comportamento e a resposta pretendida. Ora, no que toca ao trabalho é o oposto que actualmente se advoga e leva à prática, em Portugal: defende-se-lhe a valia sugando-lhe o valor.
O que me alarma é, pois, isto: ver cimentar em Portugal uma percepção que desvaloriza o trabalho. Mesmo quando, de um lado, o apregoa e, do outro, luta para o exigir ou conservar. Ver os portugueses olharem para o trabalho como um mal maior e uma pena necessária, um triste e seco fado. Ver que trabalhar em Portugal é tudo menos vontade, motivação, alegria, realização. Ver que, em Portugal, o trabalho é cada vez mais alguma coisa sem sentido, que não serve para nada, algo que se continua a fazer mesmo já sem acreditar, mesmo já tendo desistido ou estando à beira de desistir. Mais que não seja porque os portugueses, ao contrário das palavras que o presidente Cavaco e o agora Primeiro-ministro Coelho exaustivamente proferem como pregos martelados à consciência pelo relógio de repetição do seu paternal moralismo, não são de se sentar à sombra da bananeira, não cruzam os braços. Nem mesmo quando o produto do seu «esforço» e «sacrifício» não lhes serve nem aproveita em nada.
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