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Funeral de ambientalistas assassinados no Pará mobiliza milhares no Marabá


Foram enterrados no final da manhã de hoje o casal de extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, ambos de 54 anos, assassinado a tiros na terça-feira (24) em Nova Ipixuna, no Pará.
Ambos lideravam na região um projecto de extrativismo sustentável de castanha e de cupuaçu e denunciavam a retirada ilegal de madeira.Vinham recebendo ameaças de  morte há seis anos. Ainda há 6 meses, durante uma palestra em Manaus, José Cláudio confessava ao auditório: "Eu vivo com a bala na cabeça, a qualquer hora".  Num testemunho assustadoramente lúcido e consciente, chegou mesmo a reconhecer: "Vocês estão me vendo agora aqui, conversando com vocês, mas daqui a um mês vocês podem saber a notícia que eu... desapareci".
José e Maria integravam a lista de aproximadamente 30 pessoas que, de acordo com a Pastoral da Terra, estavam «marcadas para morrer em 2011».
Segundo a irmã de José Cláudio, Claudelice, o enterro foi acompanhado por cerca de 3 mil pessoas, entre eles integrantes de movimentos agrários e ambientais. “Todas as lideranças dos movimentos fizeram um pequeno discurso de despedido no enterro”, disse Claudelice.




O cortejo, que se transformou num gigantesco protesto contra a violência contra violência, percorreu as ruas da cidade de Marabá, no sudeste do Pará, levando os corpos até ao Cemitério da Saudade, onde foram enterrados. “Nos reunimos logo cedo pela manhã com vários movimentos sociais para fazermos esta passeata em homenagem a eles e como protesto. Estou muito emocionada, levando meu irmão e minha cunhada para um lugar de onde eles não terão volta”, disse ela.

20km de trânsito congestionado durante 5h

O cortejo provocou um congestionamento de 20 km entre a rodovia BR-222 e a Estrada de Ferro de Carajás, durante mais de cinco horas. A caminhada começou por volta das 6h, partindo da casa do irmão de José Cláudio, no bairro de São Félix, em Marabá, distante 10 km do local do sepultamento. Durante o cortejo, as duas rodovias ficaram interditadas perto da ponte sobre o rio Tocantins.


Com pneus, faixas, galhos e cruzes representando as mortes no campo, cerca de mil integrantes de movimentos sociais com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Central Únia dos Trabalhadores (CUT), Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Sintraf) protestaram contra os conflitos entre madeireiros e trabalhadores assentados na região, cobraram urgência na reforma agrária e melhores condições de vida para os trabalhadores já assentados.
Os representantes de movimentos sociais afirmaram que alguns homicídios não são investigados pela polícia da região. “Existem as mortes, mas o Estado nada faz para combater isso. Nem mesmo investiga”, declarou Ivagno Brito, coordenador do MST no Pará. Oficialmente, segundo a Delegacia Especial de combate a Crimes Agrários de Marabá (DECA), de quatro homicídios ocorridos na região em 2011, apenas em um não foi aberto inquérito oficialmente. “Isso não aconteceria se já tivesse sido feita e regularizada a reforma agrária no Pará”, afirmou Brito.



Após a liberação da rodovia, pelo menos três mil pessoas fizeram uma caminhada de aproximadamente cinco quilómetros até o cemitério onde o casal foi enterrado. O tráfego só foi normalizado na região, após o funeral, por volta das 11h.


Morte encomendada por emboscada

O crime ocorreu quando o casal deixava uma comunidade rural em Nova Ipixuna (PA). O delegado entendeu que o caso se tratou de “uma emboscada”.
“Estamos ouvindo os depoimentos de várias testemunhas que viviam com eles e moravam na região. Não dá para dizer ainda quem são os executores”, acrescentou Maués. Ele disse que não há testemunhas presenciais do crime e não confirmou se a Polícia Civil pediu a quebra do sigilo telefônico do casal.
Segundo o delegado, a responsabilidade de investigar o crime é da Polícia Civil do estado, que abriu um inquérito na delegacia de conflitos agrários de Marabá para apurar o caso.


Delegado e família têm versões diferentes das ameaças

O delegado Silvio Maués, diretor de Polícia Judiciária do Interior no estado do Pará, diz que o casal não havia registrado boletim de ocorrência de ameaça na Polícia Civil. “Eles não tinham feito boletim de ocorrência nenhum de ameaça. A família tem o direito de estar bastante abalada neste momento e todos os dados que estão sendo trazidos por eles estão sendo investigados. Trabalhamos com várias hipóteses, ainda é cedo para falar”, disse ao G1 Maués.
Já Claudelice Silva dos Santos afirma que o casal possuía inimigos e que as vítimas teriam registrado queixas pelas ameaças constantes que sofriam. “Os dois já haviam registrado as ameaças na imprensa, no Ibama e feito representação no Ministério Público Federal. É preciso registrar um boletim para a polícia saber? Alegar agora que não se sabia que eles eram ameaçados é ridículo”, questionou a irmã de José Cláudio.
Meu irmão e minha cunhada faziam denúncias de desmatamento, grilagem de terras e sempre foram ameaçados, mas nunca imaginamos que essas ameaças seriam consolidadas. Eles já tinham ido várias vezes para a imprensa, para jornais, para reclamar das ameaças, isso é público”, diz Claudelice.

O Secretário de Segurança Pública Luiz Fernandes (d) e o delegado geral da Poícia Civil, Nilton Athayde (c), e o superintendente regional Alberto Texeira, durante a coletiva sobre as morte dos sindicalistas em Nova Ipixuna do Pará. 

O secretário de Segurança Pública Luiz Fernandes (D), e o delegado geral da Polícia Civil, Nilton Atayde (E), com familiares dos sindicalistas mortos em Nova Ipixuna.

Autoridades garantem que vão investigar o crime

O filho do casal garante que a mãe sabia quem estava por trás das ameaças que recebia: «Ela me disse que as ameaças vinham de um grupo de fazendeiros, que era a parte mais interessada na morte dela» - contou José Francisco Silva.
Mesmo assim, o governo do estado disse que não sabia das ameaças. O Ibama também informou que não tinha conhecimento das intimidações.
No seu blog, além de uma nota de pesar, o deputado estadual Airton Faleiro escreveu que, informado do crime, o deputado Edilson Moura, do PT, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, se deslocou de imediato para o assentamento Praia Alta, em Nova Ipixuna. Faleiro garantiu que este já havia accionado a bancada parlamentar e reproduziu a sua declaração à imprensa: "Vou colocar a Comissão de Direitos Humanos à disposição e accionar as autoridades de Segurança Pública do Estado para que este crime não fique impune".
Entretanto, a cúpula da área de Segurança Pública do Estado também já chegou ao município de Marabá, para acompanhar de perto as investigações sobre o assassinato do casal de extrativistas. As polícias Civil e Federal se reuniram para definir como será o trabalho conjunto de investigação. A Secretaria de Segurança do Pará determinou que três delegacias investiguem o caso. Os parentes das vítimas já foram recebidos e, ainda esta semana, começam a ser ouvidos juntamente com os outros moradores do assentamento onde o casal foi morto.
- O governo do estado não vai admitir esse tipo de problema. A equipe está toda mobilizada e só vai desmobilizar com a elucidação dos fatos - afirmou Luiz Fernandes, secretário de Segurança Pública do Pará.

Hoje, ainda se mata quem defende a Amazônia

Movimentos em defesa dos direitos humanos reagiram à morte do casal. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, só no ano passado 18 pessoas foram assassinadas no Pará em conflitos no campo.
- Ainda se mata hoje no Pará, porque alguém defende a floresta. Isso é muito grave. Em um estado que está dentro da Amazônia, quem defende a Amazônia está correndo risco de morrer - declarou Jane Silva, coordenadora da Comissão Pastoral da Terra.
"- gente precisa parar com ciclo de impunidade. Se fizer isso, talvez ajude que outras pessoas que pensem em praticar crimes freiem e percebam que a sociedade não aceita mais isso - observou Marco Apolo, representante da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos.
- Não me conformo com o que aconteceu com minha irmã e com meu cunhado - lamentou Alzira Araújo, irmã da vítima.


Extrativistas se dizem mais fortes e unidos para denunciar desmatamento

Amigo próximo do casal, o diretor do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Atanagildo Matos, disse ter certeza de que as mortes de Maria do Espírito Santo e João Cláudio Ribeiro da Silva foram encomendadas para tentar prejudicar as comunidades que vêm denunciando o desmatamento ilegal, promovido por madeireiros da região. A polícia disse que ambos foram vítimas de uma tocaia. Matos, no entanto, advertiu que o tiro saiu pela culatra.
- Agora estamos mais fortes e unidos para defender a floresta. Ainda não sabemos exatamente quem foi o mandante porque as denúncias feitas por João atingiam diversos grupos e interesses. Mas tenho certeza de que essas mortes foram encomendadas - garantiu Matos, comentando o protesto dos movimentos sociais no Pará que o funeral espontaneamente convocou.
Segundo ele, o assassinato do casal deixou a comunidade muito abatida, porém fortalecida.
- A morte deles deixou o movimento mais indignado e vamos buscar forças nessa indignação para pressionar o governo a respeitar nosso pedido e a população das florestas. Perdemos um casal muito atuante e digno. Que trabalhava e era querido pela comunidade. Mas, assim como as árvores que eles defendiam, eles também deixaram sementes. Precisamos continuar nossa luta. Agora vamos nos juntar para avaliar a situação e continuar nossa missão - acrescentou o diretor do CNS.

 Marabá fica a 440 quilómetros de Belém, capital do Pará. fonte: Google Maps

Junto com o casal, Matos desenvolvia o Plano de Manejo Florestal de Uso Múltiplo, um projeto de sustentabilidade que atinge diversas localidades da Amazônia.
- É uma experiência de uso lucrativo da floresta, mas sem derrubar nem queimar árvores - explicou.
A entidade defende políticas dirigidas ao pequeno, médio e grande produtor.
- A responsabilidade pelas florestas tem de ser de todos - afirmou o ativista, que cobrou a prisão de todos que cometerem crimes ambientais.
- Não se pode mais continuar essa política destruidora e devastadora - disse Matos, que está no movimento desde 1978.
- Foi uma triste coincidência o assassinato deles ter sido cometido em uma data tão próxima à aprovação do Código Florestal, com essas emendas que anistiam criminosos e que delegam a municípios e estados a definição das áreas de proteção - desabafou.
Na comunidade onde viviam Maria do Espírito Santo e João Cláudio Ribeiro da Silva, há cerca de 250 famílias ocupando uma área de 36 mil hectares.
Os corpos dos extrativistas começaram a ser velados nesta quarta-feira. Parentes e amigos, assustados com a violência, se disseram inconformados com o crime e alguns estão mesmo decididos a abandonar as suas casas e deixar a região, por temerem que as suas vidas corram risco igual.

(...)

Recorde-se que, antes mesmo do Ministério Público Federal tomar a iniciativa, a presidente Dilma Rousseff soube do caso e ordenou a sua investigação imediata. Segundo o Planalto, Dilma foi informada do assassinato pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, e pediu ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que tomasse as providências necessárias junto à Polícia Federal.

*para o G1 e  O Globo (aqui e aqui), com fotos de Rodolfo Oliveira e Wilson Lima.

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